A história da vida de Bradley Manning

Sugerido por Tamára Baranov

Do Uol

Bradley Manning: de vítima de bullying a desajustado no Exército

The New York Times

John M, Broder e Ginger Thompson

Tradutor: George El Khouri Andolfato

Sentindo-se um pária e solitário no Iraque, Bradley Manning, na época um soldado de 22 anos do Exército, buscou consolo na internet no início de 2010, querendo compartilhar com o mundo o que considerava horrores injustos da guerra, um ato que resultou no que os promotores militares chamaram de uma das maiores traições na história da nação.

Meses depois, ele foi preso por tornar público, por meio da organização Wikileaks, o maior estoque de informação sensível do governo desde o caso dos Papéis do Pentágono. Ele foi chamado de traidor; foi confinado em uma cela minúscula por 23 horas por dia em uma base da Marinha em Quantico, Virgínia, e na prisão do Exército no Forte Leavenworth, Kansas; e finalmente enfrentou a corte marcial em Maryland.

Enquanto os promotores acusavam Manning de ser um “anarquista” promovendo a si mesmo, sem nada a ver com o homem torturado retratado por seus advogados, defensores por todo o mundo o celebravam como um mártir da liberdade de expressão.

Mas a linguagem de ódio de ambos os lados encobre a história humana no centro do caso.

Essa história envolve uma criança em um lar dividido e um adolescente vítima de bullying por sua sexualidade conflituosa. O pai, um soldado conservador reformado, e a mãe, uma galesa que nunca se ajustou à vida em Oklahoma, empurraram seu filho de um lugar para outro, aos quais nunca se adaptou.

Manning também foi um desajustado no Exército, para o qual ingressou na esperança de obter conhecimentos técnicos e uma formação, mas que acabou o enviando para a Estação Hammer de Operações de Contingência, um posto remoto no leste de Bagdá, onde ele tinha acesso a alguns dos segredos militares e diplomáticos mais profundos do país. No início de 2010, ele baixou secretamente vídeos de câmeras de armas, diários de combate e dezenas de milhares de cabogramas do Departamento de Estado em CDs, enquanto cantava letras de canções de Lady Gaga.

Ele fez contato anonimamente com o Wikileaks para revelar seus segredos, na esperança, como ele disse ao tribunal militar que o condenou na terça-feira (30), de “provocar um debate doméstico sobre o papel das forças armadas e de nossa política externa de modo geral”. Quaisquer que fossem seus motivos ou conflitos interiores, Manning sabia que estava violando a lei e as regras militares.

Segundo um novo documentário sobre o Wikileaks e o caso Manning, “We Steal Secrets”, do diretor Alex Gibney, Manning achava que tinha encontrado um aliado em Julian Assange, o fundador do Wikileaks.

“Manning investiu mais nesse relacionamento”, disse Gibney em uma entrevista por telefone. Buscando um ouvido mais solidário, disse Gibney, Manning confessou seus atos e seus múltiplos tormentos pessoais para Adrian Lamo, um hacker de computadores que ele conheceu em uma sala de bate-papo online. Lamo fez com que ele se expusesse e, então, o entregou para as autoridades.

“Ele era um idealista ingênuo. Ele não era um espião”, disse Gibney, cujo filme retrata Manning positivamente. “Ele não recebeu nenhum dinheiro por isso. Ele não procurou um governo estrangeiro. Lembre-se, ele se declarou culpado de ter vazado informações ao Wikileaks, mas se declarou inocente de ser um espião, porque não se via como um, e eu também não.”

Segundo os registros de bate-papo, ele começou a ficar consternado após a detenção de 15 pessoas no Iraque por publicarem críticas ao primeiro-ministro Nouri al-Malik. “Depois disso”, escreveu, “passei a ver as coisas de modo diferente”.

Em uma longa declaração ao tribunal militar neste ano, Manning disse que também ficou perturbado com as imagens gravadas por um helicóptero Apache de um ataque a uma rua de Bagdá, em julho de 2007, que matou dois jornalistas da agência de notícias “Reuters” e vários outros homens. Ele chamou o vídeo como parte de uma série de “vídeos pornôs de guerra” que viu, e que o deixaram enojado. O vídeo estava entre o material fornecido ao Wikileaks, que o distribuiu amplamente sem identificar sua fonte.

Apesar de questões maiores sobre o sigilo do governo e o papel da mídia na era da internet girarem em torno do caso, as raízes do comportamento de Manning podem brotar tanto de sua juventude problemática quanto de seus pontos de vista políticos.

Ele passou grande parte de sua infância sozinho, jogando videogames ou diante de um computador, quando vivia com sua mãe em Haverfordwest, no País de Gales. Ele era provocado impiedosamente ali por seus modos estrangeiros e começou a ter ataques na escola.

Após vários ataques, sua mãe o enviou de volta ao Oklahoma, onde trabalhou brevemente em uma loja de programas de computador. Mas vários choques raivosos com seu pai –que alguns amigos atribuíam à desaprovação de sua identidade sexual– o levaram às ruas, onde morava no seu carro.

Posteriormente, ele acabou se alistando no Exército, que aproveitou seu conhecimento de informática e o treinou como analista de inteligência. Quando ele foi designado ao Forte Drum, em Nova York, disseram amigos em entrevistas, Manning conheceu um aluno da Universidade Brandeis chamado Tyler Watkins, pelo qual se apaixonou. E alguns dos amigos de Watkins faziam parte da florescente comunidade hacker do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

Essa comunidade, disseram amigos, abraçou o jovem soldado do Exército: seu fascínio por computadores, suas opiniões políticas liberais e sua orientação sexual.

Enquanto ele parecia prosperar nesse mundo, sua carreira militar foi manchada por acessos violentos. Enquanto servia na base no leste de Bagdá, foi repreendido duas vezes, incluindo uma vez por atacar um oficial, e se queixava por e-mails de ser “regularmente ignorado por seus superiores”, a menos que precisassem que ele buscasse mais café.

Manning se rebelou silenciosamente, disseram amigos, usando  uma chapa de identificação que dizia “Humanista” e mantendo uma vara de condão de brinquedo em sua mesa. Então, discretamente, a partir do final de 2009 ou início de 2010, ele começou a baixar milhares de documentos do governo. Pensou em vazá-los para “New York Times”, “Washington Post” ou “Politico”, mas decidiu contatar o Wikileaks em fevereiro de 2010, vários meses após o início de seu serviço no Iraque.

No que provou ser um erro fatídico, Manning então se voltou para Lamo, que já foi condenado por hackear várias grandes empresas, incluindo o “New York Times”.

“Não acredito que estou confessando isso para você”, Manning escreveu para Lamo, após explicar que tinha dado ao Wikileaks cerca de 260 mil cabogramas diplomáticos. Ele escreveu que explorou um sistema de dados confidenciais maduro para ser colhido: “servidores fracos, registros fracos, segurança física fraca, contrainteligência fraca, análise de sinais desatenta”.

Lamo fez Manning se expor, perguntando a ele que tipos de escândalos ele achava que os vazamentos poderiam provocar e pedindo provas de que Manning havia feito o que dizia. Então, dizendo estar “encurralado eticamente”, Lamo o entregou.

Manning reagiu estoicamente às condições do seu cárcere, grande parte dele em confinamento solitário, apesar de outros, incluindo seus advogados e a Anistia Internacional, terem protestado vigorosamente contra o tratamento dado a ele. Em uma de suas conversas com Lamo, ele contemplou a vida atrás das grades, o que poderia ser especialmente difícil para ele devido às suas lutas internas com a identidade de gênero.

“Eu não me importaria em ir para a prisão pelo resto da minha vida”, ele escreveu para Lamo, “ou de ser executado, se não fosse pela possibilidade de ter imagens minhas divulgadas por toda a imprensa mundial como um menino”.

Luis Nassif

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