A intolerância e os perigos da violência difusa

Por Adilson.

Comentário ao post “A descrença em tudo abriu caminho para o nazismo

O  artigo de Arnaldo Bloch   destrincha, de forma perspicaz e inteligente, a onda de intolerância que está se formando no Brasil, estranhamente camuflada de “revolta popular”. Ele nos alerta para o perigo da violência difusa se tornar uma ameaça mais do que a paz social, ou a processo de crescimento do Brasil dos últimos anos,  mas ao Estado democrático de direito. Em última análise, a nossa democracia, a duras penas conquistadas, a despeito de todas as suas fragilidades (ainda capenga, é verdade, mas em igual medida fundamental) corre risco.  

A equação é relativamente simples e tenho notado isso desde o levante de Junho. Naquele mês, jovens se insurgiram de forma legítima contra o aumento das passagens e, na carona disso, muitos outros grupos resolvem sair as ruas com suas causas das mais variadas. A mídia, que num primeiro momento foi contra, quando vê naquilo uma oportunidade rara para usar contra o governo, aproveita o enorme potencial formador de opinião de que dispõe para colocar suas agendas na ordem do dia. Contra a corrupção política (a indignação seletiva) contra a PEC 37 (que inchou um MP controverso dentro dessa mesma lógica), contra os médicos cubanos (que já estão aí salvando vidas) e mais tarde contra os embargos infringentes (um direito e não um benefício). 

Acho desnecessário falar aqui do papel oposicionista assumido por essa mesma mídia, depois que Lula ascendeu ao poder em 2003. Durante vinte e quatro horas do dia TUDO o que veio desse governo foi distorcido, sabotado e mal informado a população. Desde o seu principal programa de grande impacto, o Bolsa Família (que acaba de ganhar o Nobel Social pela quantidade de pessoas que tirou da miséria extrema), até a politica externa que deu um tranco na correlação de forças fugindo da subserviência a Washington se aproximando da AL, da China e da Rússia,  a condução da política econômica (ah, os saudosos de FHC); enfim, o Brasil enquanto crescia dividia renda,  gerava empregos e era cada vez mais respeitado lá fora,  foi achincalhado  na mídia direitista e colonizada nos últimos dez anos. Isso é um fato.

Acontece que os jovens, essa geração que agora chega a faixa dos vinte poucos anos, criada nas redes sociais, diferentemente das gerações anteriores, estava antenada com novas questões como sustentabilidade, ecologia, saúde alimentar, buscas espirituais, etc_ e, foi se distanciando da política, se voltando para o seu mundo e trocando, ou melhor “compartilhando” apenas entre si. Mas as informações sempre estiveram ali, no dia a dia, somente o lado sujo da atividade política (que de fato existe e deve ser combatido) e tudo de ruim que a Globo e a Veja sabem divulgar como ninguém!

De repente o “gigante acorda”. E esse jovem de classe média, que hibernou dos 18 aos 28 anos (ou em torno dessa faixa) sem entender nada direito do que estava acontecendo, se sente (justamente) motivado a ir as ruas protestar “contra tudo isso que está aí “. Mesmo que não saiba direito o que significa a Pec 37, mesmo que não consiga ainda assimilar o fascismo embutido na proibição de bandeiras de partidos, que não tenha a dimensão de que a corrupção deve ser combatida em toda a sua abrangência, senão vira discurso falso da direita golpista, mesmo que não saiba que o Brasil não é esse inferno que a mídia partidária e os partidos de extrema esquerda, oportunisticamente, lhes tentou fazer crer. 

O resultado está aí: Uma geração que (só agora) fez o certo em virar as costas para a mídia oficial emburrecedora e reacionária, mas vacilou feio ao se distanciar demais da vida política nacional , deixando ser capturada pela rede social do playboy americano, que não deixa respirar, reduz a um simples meme (charge) questões complexíssimas, excita a todos e lança nas ruas pessoas bem intencionadas e cheias de fúria. 

Estamos vendo diante dos nossos olhos um Brasil mais intolerante surgindo. Fruto da informação distorcida e tendenciosa que invade a telinha do computador e os conecta de forma avassaladora.

A entrevista do estudante da UFRJ  Ciro Oitica, o “preso político”(ênfase nas aspas) mais comentado do momento, logo após a sua libertação, é reveladora. Atentem a primeira pergunta, pois as demais são apenas uma decorrência desse pensamento geracional que está botando pra quebrar nas ruas. Ao ser perguntado pelo jornalista quando foi a sua primeira manifestação e a sua motivação para ir as ruas, o jovem ativista respondeu algo parecido com: “Desde junho eu tenho participado. As motivações foram inicialmente os serviços públicos de péssima qualidade, a pouca representatividade e a profundidade da desigualdade social.”

A reivindicação por melhoria dos serviços públicos, que ele fala, é uma demanda legítima, colocada na pauta pelo MPL e incorporada também a agenda da classe média que sofre com o transporte e o caos urbano nas cidades. Até aí tudo, ok. A questão da baixa representatividade é polêmica, pois é muito vaga. Existe a opção  de reformar o sistema por dentro através de reformas, ou de explodir a democracia representativa de vez, com bombas no parlamento. Caminhando ao lado da turma do PSOL, e de Black Blocs, fica difícil entender qual é o sentimento das pessoas que ali estão. Me parece um sentimento difuso e confuso também…Muitos votam  no Freixo, mas, pelo visto, não hesitariam em queimá-lo vivo dentro da Alerj.

Por fim, quando o jovem fala no aumento da desigualdade social demonstra um surpreendente descolamento da realidade, e é um pouco disso que eu tento trazer a reflexão. Em que mundo ele viveu nos últimos dez anos para não ver o que aconteceu aqui no Brasil, que reduziu suas discrepantes diferenças sociais como em nenhum momento ao longo da História?! Ou seja  essa grita pela redução da desigualdade é muito semelhante a grita contra a corrupção. Tá na boca da elite desde os tempos da ditadura militar, e na maioria das vezes, da boca pra fora, ou por desconhecimento, como parece ser o caso do jovem, ou por acomodação intelectual de ocasião mesmo, como certamente é o caso de muita gente boa que se deixou levar de bom grado pela enxurrada midiática dos últimos anos de que o Brasil está numa m. só, num buraco sem fim como jamais esteve. 

Se a Globo não pode quebrar o país de vez, não tem problema, se utiliza da boa fé ou da inocência útil de uma parcela da população cheia de energia e depois a joga as feras contra a opinião pública, como se não tivesse nada a ver com isso. Mas tem sim. O papel que fazem é muito sujo e perverso, dão o fósforo e a gasolina, depois lamentam o circo queimado e criminalizam sem perdão aqueles que atearam o fogo. 

E o quadro agora é esse: A violência passou a ser a  marca de todo e qualquer protesto.Depredam-se agências do BB que incentiva o microcrédito do camponês mais pobre lá no campo.  Liderados por uma socialite paulista, pessoas  invadem uma clínica e roubam 170 animais sem saber de fato a que fins se destinam e tudo o que envolve aquelas pesquisas científicas.E  o que dizer da invasão no treino daquele time que podia ter colocado em risco sim a vida dos atletas? E se essa moda pega? Daqui a pouco atiram num jogador de futebol, como fizeram como Escobar na Colômbia, em 94? Quem vai mensurar o que é certo e legítimo se seguirmos nessa toada insana? Quem poderá arbitrar em cima da “dor alheia” provocada pelo outro, seja ela uma pessoa, um grupo ou uma instituição? Vamos virar todos Michael Douglas quando resolvermos a hora de ter o nosso “Dia de fúria”? Que sociedade é essa que estamos formando? Qual o limite entre liberdade, noção de justiça e justiçamento? Então agora é assim que vai vigorar no país das novas manifestações burguesas: Se um  ou mais indivíduos se sentirem  prejudicados de alguma forma, por um juízo extremamente subjetivo, a solução será partir para o ataque, invasão, depredação, e porrada ? Vamos retroceder e voltar a era medieval, resolvendo todas as nossas querelas, no pau , na pedra e no confronto?!

Eu fico muito espantado com esse conceito de liberdade que está vigorando aqui no Brasil do capitalismo tardio e mal copiado, o individualismo extremo agora está sendo trocado pela lei do juízo próprio que se arvora no direito de fazer justiça pelas próprias mãos? Isso é muito perigoso, acho que vale parar, ouvir a voz da sensatez, antes que uma “consciência coletiva” perigosa se forme de vez e nos conduza a marchar todos juntos, de braços dados, para o precipício.

Esse é um dos motivos que me coloco favorável a biografias não autorizadas, pois creio que um choque de capacidade crítica, de discernir o que vale, o que é mentira ou distorção, mesmo que pelas linhas tortas da confusão do público e do privado, faria muito bem a sociedade brasileira, que adere rapidamente sem pensar a qualquer coisa que ouviu falar. Do cocô a bomba atômica, o brasileiro sabe tudo, se entope de lixo programado no na velha mídia e no facebook agora dá seu sangue e sua alma nas ruas para protestar! 

Fiquei pensando hoje naqueles meninos, coitados, que podiam estar estudando, produzindo, tacando fogo em carro de polícia e jogando pedra no exército na Barra da Tijuca sem saber nem o que aquilo ali significa direito (com todas as críticas que possamos ter a esse imbróglio de difícil interpretação que envolve a geo-política do petróleo).São os mesmos da “Revolta dos beagles”, os que gritaram pec 37, e que se infiltraram no movimento dos professores assim como o estudante da UFRJ e boa camada da burguesia mascarada que acredita que o Brasil nunca esteve tão mal em seus níveis de desigualdade social. 

O pior ódio não é o que vem do fundo da alma por uma causa legítima. Esse é humano, compreensível, todos estamos sujeitos e precisa ser contido. Mas o pior ódio é aquele que é fruto da desinformação, do descolamento da realidade, da manipulação da boa vontade alheia. 

O texto de AB, nos admoesta nessa direção.Uma sociedade despolitizada, intolerante e com a força destrutiva da violência, pode ser uma porta entrada para aventuras totalitárias, ou da extrema esquerda, que quer apenas trocar de turma no poder, ou da extrema direita, aí sim,  gente reacionária de verdade que odeia com todas as forças a democracia.

Redação

5 Comentários

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  1. Ja passou da hora do Governo

    Ja passou da hora do Governo tomar medidas mais drásticas contra essa palhaçada de depredação de lojas, de bens públicos, de ficar interrompendo ruas a todo momento. É uma tarefa de toda a sociedade, da justiça, do congresso e também dos estados, mas é o Governo Federal que tem que tomar a iniciativa de fazer alguma coisa. Se continuar do jeito que está a coisa pode piorar e ai o Governo pode sofrer as consequencias na urnas. A grande maioria dos eleitores do Governo não está nada satisfeita com essa bagunça que meia dúzia de vandalos anda promovendo dia sim dia não no País.

  2. Excelente artigo

    Parabéns ao autor pela clareza objetiva da análise e pela lucidez que desmistifica. O texto mostra verdades que precisam ser amplamente divulgadas e debatidas. São gravíssimos os riscos da manipulação de anseios legítimos com o objetivo de induzir as massas a agir de forma inconsequente. As ameaças de retrocesso político são reais, e é tempo de se fazerem ouvir as vozes de todos que defendem a verdadeira liberdade democrática.

  3. Também acho um texto

    Também acho um texto definitivo sobre o assunto. Parabéns Adilson. Era tudo que eu queria dizer para a Vania, o Gunter e o Assis.

    Eles ficam falando na truculência policial, ou na real politick que aprova a repressão policial de alguns e reprova a de outros. Sei muito bem que voce não falou disso, porque não é necessário.

    Todos sabemos como é a PM carioca ou paulista. E é evidente que o Cabral ou o Alkimin vai querer usar a violência dos black blocs para criminalizar os movimentos reivindicatórios dos professores por exemplo. Ele não quer pagar mais e quer que a greve acabe. Cabral não é de esquerda, muito menos Alkimin.

    Mas como vivemos uma democracia, a truculência policial é vigiada e denunciada. A OAB, e a própria internet estão aí para isso. No entanto o fato novo, e que nossos colegas deixam passar batido, é esse fenômeno que voce apontou com muita lucidez e acuidade. Como a violencia foi incorporada como instrumento de luta nas reinvendicações sociais, tantas as legítimas ou nem tanto. E onde pode dar isso tudo. É o que é preciso ser debatido, o resto é o óbvio.

  4. Peraí

    Só achei que o texto fez umas inferências muito frágeis sobre o resposta do tal “preso político”. Por uma frase dita pelo cara, interpretou uma visão do país pelo mesmo e a tomou como certa pra tecer centenas de críticas. Em geral, pelos caminhos do protesto, o texto foi bem preciso, mas nessa parte, foi quase totalitário: “Entendeu-se: tudo da cabeça de um  indivíduo a partir de uma única frase.

    E quanto à crítica à maneira de agir das revoltas: E muito difícil crer na política onde se faz crer (por TODOS os setores da mídia, seja mainstream ou alternativa) que os pragmatismos e negociatas são coisas sistemáticas, que chegaram em todo e qualquer partido, movimento social etc. Se invadiu todo o sistema, é sensato chegar na conclusão que o problema é o sistema, mesmo que não seja verdade. E quando se quebra tudo e se exige avanços sem negociação, é porque a solução “pacífica”, que ainda crê na política, sempre existiu muito antes das revoltas, mas sempre perdeu quase todas as batalhas, soterrada por interesses excusos. Ou seja, não conseguiu mostrar resultados com a mesma velocidade da sede da população por mudanças.

    O povo pode não estar informado (de fato não está BEM informado) mas, em parte, sabe disso, e quer achar a solução enquanto quebra fachadas de bancos.

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