A viagem de Ronaldo Caiado e as relações entre Goiás e Israel

Dolores Guerra
Dolores Guerra é formada em Letras pela USP, foi professora de idiomas e tradutora-intérprete entre Brasil e México por 10 anos, e atualmente transita de carreira, estudando Jornalismo em São Paulo. Colabora com veículos especializados em geopolítica, e é estagiária do Jornal GGN desde março de 2014.
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Equipamentos obtidos pelo governo goiano usam tecnologia que existe há mais de 30 anos no Brasil; fornecedora é ligada ao apartheid palestino

Foto: Divulgação Governo de Goiás

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), desembarcou neste final de semana em Israel ao lado do governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) para uma viagem pelo país, e estão previstas reuniões tanto com o presidente do país, Isaac Herzog, como com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Segundo os políticos, apoiadores públicos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a viagem ocorre a convite de Netanyahu – o que pode ser interpretado como um contraponto direto ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que recentemente afirmou que os ataques promovidos contra a população palestina na região da Faixa de Gaza são uma política genocida do governo israelense, o que o tornou uma ‘persona non grata’ pelo atual governo.

De acordo com a CNN Brasil, o cronograma de Caiado e Tarcísio deve incluir uma visita ao local atacado pelo Hamas em 07 de outubro e uma reunião com os sobreviventes da ação, além da possibilidade de visita ao centro de inteligência e estratégia das Forças de Segurança israelenses.

No caso específico de Ronaldo Caiado, as relações mantidas com o governo israelense não se restringem apenas à questão política, mas também a segmentos como segurança e agronegócio – o que inclui inclusive a compra de equipamentos que poderiam ser comprados no Brasil e negócios com empresas ligadas ao apartheid contra a população palestina.

Parque em homenagem a israelenses mortos pelo Hamas

“A parceria entre Israel e Goiás não começou hoje e não vai terminar hoje”, afirmou o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine durante o evento, em referência aos projetos de cooperação agrícola mantidos com o estado governado por Caiado

Zonshine, que já havia sido condecorado com a Comenda da Ordem do Mérito Anhanguera durante o mandato de Caiado em 2022, como é possível ver na imagem abaixo.

Em 28 de fevereiro, o Detran da capital goiana recebeu o primeiro parque memorial às vítimas israelenses da operação militar realizada por grupos armados da resistência palestina em 7 de outubro de 2023.

O Parque Am Israel Chai, que significa “O Povo de Israel Vive”, foi inaugurado na presença de representantes da KKL Brasil (Fundo Nacional Judaico), de membros da embaixada de Israel, do governador de Goiás, Ronaldo Caiado e seu vice, Daniel Viela (MDB).

Após a inauguração do parque, dois acordos de cooperação foram assinados entre o governo do estado e a embaixada de Israel. O primeiro é a nova definição de antissemitismo IHRA; que inclui como um ataque a crítica ao estado de Israel, e um acordo de cooperação tecnológica, principalmente no setor agrícola.

Segundo o presidente do Detran-Go, Delegado Waldir, a importância do parque seria mostrar que “não podemos discriminar as pessoas, não podemos ser antissemitas”, afinal “a gente não tem como rasgar a história e fazer comparações absurdas”, em referência à declaração do presidente Lula ao comparar o atual genocídio em curso na Faixa de Gaza com o Holocausto.

A arborização do parque contou com o plantio de 1200 árvores frutíferas do Cerrado e uma oliveira, como um símbolo de esperança. Todas as mudas foram doadas pela embaixada israelense através de seu projeto “Embaixada Verde”.

Símbolo da resistência palestina, oliveira foi tomada pelos israelenses como símbolo de resistência de seu povo. Foto: Divulgação Governo de Goiás

Porém, a oliveira é um dos principais símbolos de pertencimento e resistência do povo palestino em relação à sua terra originária – porém, tanto colonos como as forças de ocupação israelense são responsáveis por queimadas e pela derrubada das plantações palestinas como forma de retaliação e tentativa de expulsão para avançar os assentamentos ilegais.

Além disso, famílias palestinas agricultoras há gerações também costumam ser proibidas de realizar a colheita para a fabricação do tradicional azeite de oliva palestino.

Compra de tecnologia já usada no Brasil

Através da embaixada israelense, o governo de Goiás têm adquirido kits de irrigação por gotejamento e microaspersão para incentivar projetos de agricultura familiar em regiões vulneráveis do estado.

O Projeto de Fruticultura Irrigada do Vão do Paranã foi a iniciativa mais recente a receber tais kits, que pretende transformar cidades do nordeste goiano (Flores de Goiás, São João D’Aliança e Formosa) em uma referência nacional de produção de frutas.

Em 2021, com o apoio da deputada federal Bia Kicis (PL-DF), o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) lançaram a Rota da Fruticultura (Ride/DF).

O objetivo do programa seria  “implementar estratégias de aumento da produção e do fornecimento de frutas para mercados internos e externos, gerar emprego e renda, promover intercâmbio de experiências e tecnologias, diversificar e implantar novas culturas e fomentar agricultores e empreendedores.”

Kicis participou do plantio de mudas de açaí e mirtilo na embaixada israelense como parte do projeto Embaixada Verde, que serve como demonstração de produtos israelenses agrícolas, como o próprio kit de irrigação por gotejamento, que podem ser aplicados dentro de um modelo de agricultura familiar.

O equipamento, que promove o uso sustentável da fonte hídrica diminuindo os gastos de energia elétrica, é muito similar à tecnologia desenvolvida no Nordeste brasileiro há 30 anos.

Ligação com o apartheid palestino

Além disso, a cartilha da Codevasf de 2018 revela que os kits de irrigação distribuídos aos pequenos agricultores são da NDJ, que pertence à israelense Rivulis.

Considerada a segunda maior produtora mundial de kits de irrigação por gotejamento, a empresa foi comprada pela First Israel Mezzanine Investors (FIMI), que também é proprietária da Gilad Satellite Systems, Magal Security System e é a acionista majoritária Israeli Orbit Tech.

Todas essas empresas do segmento de segurança produzem tecnologia de vigilância que são testadas contra a população palestina da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

Além disso, a extensiva presença de assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia gera o apartheid da água, em que os recursos do Vale do Rio Jordão são desviados para favorecer aos colonos.

Assim, um habitante israelense desses assentamentos recebe 81 vezes mais água per capita que um palestino, de acordo com a coalizão EWASH.

Esse fator somado ao controle israelense sobre a construção de casas, tanques e cisternas na Cisjordânia ocupada faz com que seus tradicionais projetos de agricultura familiar sejam 15 vezes menos lucrativos que os empreendimentos dos colonos.

Dolores Guerra

Dolores Guerra é formada em Letras pela USP, foi professora de idiomas e tradutora-intérprete entre Brasil e México por 10 anos, e atualmente transita de carreira, estudando Jornalismo em São Paulo. Colabora com veículos especializados em geopolítica, e é estagiária do Jornal GGN desde março de 2014.

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