As incertezas da transição política na Bolívia, pós relatório da OEA

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Relatório OEA acusou "imensa fraude eleitoral" por Evo Morales. Direita que assumiu o país quer afastar partido da liderança indígena das próximas eleições

Foto: Getty Images

Jornal GGN – A Bolívia vive uma dura transição política. Enquanto o ex-presidente Evo Morales segue em exílio político no México, as eleições que devem ocorrer no primeiro trimestre de 2020 ainda estão recheadas de incertezas. Uma delas, juntamente com mais uma publicação feita pela Organização dos Estados Americanos (OEA) acusando Morales de fraude eleitoral, é de que o partido do presidente indígena poderá ser censurado de participar do próximo pleito.

As eleições gerais ainda não têm data certa: devem ocorrer entre março e abril do próximo ano. Neste caminho, a direita que atualmente comanda a Bolívia afirma que a autoproclamada presidente interina, Jeanine Áñez, não irá se apresentar como candidata, mas, por outro lado, cobra esforços para que o Movimento ao Socialismo (MAS), o partido de Evo, tampouco participe.

“Eles têm medo da força do MAS e dos movimentos sociais?”, questionou Evo Morales, por meio de sua conta no Twitter, nesta sexta-feira (06). “A direita pretende impedir a participação da metade da Bolívia nas eleições. Irmãos e irmãs, digam o que digam e façam o que façam, nós voltaremos a triunfar!”, escreveu, em outra publicação.

Também nesta sexta, o ministro da Presidencia da Bolívia, Yerko Núñez, assegurou que Áñez não se apresentará como candidata. “Este é um governo de transição”, afirmou o ministro escolhido pelo governo interino, que não detém legitimidade completa da população. “O único que quer este Governo é a paz, unir os bolivianos, ter eleições limpas e transparentes”, acrescentou ao jornal local “Página Siete”.

As declarações ocorrem em meio aos movimentos da direita, que hoje assume temporariamente o comando do país, de permanecer no cargo. De acordo com o ministro Núñez, que assumiu o lugar do então ministro pró-Evo Jerjes Justiano nesta quarta-feira (04), o governo de transição “não fará política com nenhum candidato”. “Este é um governo de transição responsável”, insistiu.

Mas a destituição de Justiniano ocorreu justamente em meio às suspeitas de que o atual mandato interino tenta impedir que o MAS participe do pleito, ao mesmo tempo que tentará garantir nomes aliados da direita na próxima candidatura. O ex-ministro afirmou nesta quarta (04) que desconhece as razões de seu afastamento, suspeitando que a decisão se deve ao fato de que a atual mandatária quis assegurar um nome de confiança na pasta de Estado, que é responsável por administrar 2,7 bilhões de boliviano (equivalente a 390 milhões de dólares), às campanhas.

Blindados na justificativa de que Áñez não participará das urnas, o atual grupo político cobraria como moeda de troca uma ausência do MAS na disputa eleitoral. Foi o que denunciou Evo Morales nesta semana pelas redes sociais. Do outro lado, as declarações de Evo soaram como uma intenção de volta do próprio ex-presidente ao comando do país pelas eleições, o que ainda não é confirmado por seu partido. A manifestação, até agora, é de que as forças populares querem continuar disputando as eleições, o que corresponderia a metade da representação política no país.

Depois de desconhecer os resultados do último 20 de outubro, no qual havia reeleito Morales com o seu vice-presidente Álvaro Garcia Linera, a direita busca respaldo internacional, de países contrários à política de Evo, para garantir o afastamento definitivo do líder indígena.

Diante disso, além do posicionamento parcial emitido pela OEA (Organização dos Estados Americanos), na mesma semana do resultado eleitoral no país, ao bloco emitiu o relatório final nesta quarta (04), assegurando que se identificou medidas “deliberadas” e “mal-intencionadas” para a suposta “fraude eleitoral”, que segundo a OEA, teria sido “imensa”.

O documento de quase 100 páginas trouxe como argumentos o uso de servidores de computador secretos para fazer a votação pender a favor de Morales, a “paralisação intencional e arbitrária” do sistema eletrônico de divulgação de votos e a queima de atas e “mais de 13.100 listas de eleitores” que estariam aptos a votar, ações classificadas pela OEA como “deliberadas para manipular o resultado da eleição”, que “impactaram a certeza, a credibilidade e a integridade dos resultados”.

Por outro lado, apesar de mencionar os supostos desvios para favorecer Morales, o relatório da organização não trouxe comprovações dos mesmos. Em determinado trecho, o texto informa que “não está claro se houve ou não a intenção de manipular” a eleição, apenas acrescentando que houve “sérias violações” que comprometeram a integridade do processo, como não conservar adequadamente documentos e a falta de controle no acesso ao sistema eletrônico de dados.

“Dados os imensos indícios que encontramos, podemos confirmar uma série de operações mal-intencionadas que visaram alterar a vontade dos eleitores”, anotou o relatório da OEA. “As manipulações e irregularidades não permitem ter certeza sobre a margem de vitória. Ao contrário, a partir da esmagadora evidência encontrada, é possível afirmar que houve uma série de operações dolosas destinadas a alterar a vontade expressa nas urnas”, completou.

“Confirmado! Hoje foi um dia cheio de bênçãos! Quem disse que seria fácil? Mas o que resta é fé!”, comemorou o líder de direita Luis Fernando Camacho, um dos principais opositores de Evo que pressionou por sua renúncia. Camacho já anunciou que quer concorrer formalmente à Presidência nas eleições esperadas para março ou abril de 2020.

 


O GGN disponibiliza o relatório completo da OEA, abaixo:

0.1 Informe Final - Analisis de Integridad Electoral Bolivia 2019 (OSG)

 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. Este relatório da OEA é mal intencionado e também uma fraude imensa. Retirar o MAS da eleição é uma garantia para que um governo fosse eleito através de uma fraude. Sem documentação e ou provas a OEA se tornou portavoz do governo Americano. Mike Pompeo disse a dias que os Estados Unidos iriam intervir na América do SUl, e este foi a primeira intervenção. Com cada ato destes estão destruindo o sistema eletivo. No Brasil a ineligibilidade do PT foi aventada até o momento da facada. Na Bolivia a saida de Evo não é suficiente para eliminar o MAS. Como no caso da prisão de Lula, a “JUstissia” Boliviana quer ter uma certeza de vitória. Mediremos em breve a resilência das conquistas sociais de EVO, e da resistência dos povos indígenas da Bolívia.

  2. Não sejamos ingênuos. Não existe golpe pela metade. É óbvio que a direita Boliviana vai usar de todos os recursos possíveis para evitar que o MAS vença as eleições. É jogo de cartas marcadas. Uma revolução popular é a única alternativa possível, mas ainda assim, a Bolívia ficaria cercada por países hostis. Creio que é mesmo o fim da experiência social democrática na AL.

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