Amorim expõe a desinformação da diplomacia de Serra

Jornal GGN – Em artigo para a Folha de S. Paulo, o ex-ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, comenta a guinada à direita do Itamaraty de José Serra. O ex-chanceler observou que o ministro interino veio com palavras “incomumente duras, que fazem lembrar os comunicados do tempo da ditadura” contra os governos de países da América Latina. “Um misto de prepotência e de arrogância pode ser lido nas entrelinhas, como se o Brasil fosse diferente e melhor do que nossos irmãos latino-americanos”.

Para Amorim, o que mais preocupa é o ímpeto de se diferenciar dos governos anteriores, “acusados de ação partidária, como se esta só existisse na esquerda do espectro político. Quando o partido é de direita, e as opções seguem a cartilha do neoliberalismo, não haveria partidarismo. Tratar-se-ia de políticas de Estado”.

Da Folha de S. Paulo

Guinada à direita no Itamaraty

Por Celso Amorim

Uma imagem vale mais que cem palavras, diz o provérbio chinês; e uma ação vale por cem imagens, poder-se-ia complementar. E, no entanto, na diplomacia, as palavras podem ter grande peso.

A combinação das palavras com as ações em matéria de política externa, que se ouviram ou viram até aqui, inspira preocupação.

É até compreensível que o novo chanceler do governo interino defenda o processo que o guindou ao cargo, amplamente criticado no mundo, ainda que uma grande parte da população brasileira considere tal processo ilegítimo.

E não estamos falando apenas dos militantes do PT e do PC do B, mas de artistas e intelectuais, que, de maneira intuitiva, interpretam a alma do povo. Certamente, a imagem da equipe do filme “Aquarius”, estampada pela Folhaem sua primeira página da edição de quarta-feira (18), contrasta, inclusive por sua diversidade, com as figuras cinzentas que aparecem na cerimônia de posse do presidente interino.

Por um momento, ao vê-las, com os áulicos de ontem e de sempre, fui transportado aos eventos palacianos do tempo do governo militar, quando não se viam mulheres, negros ou jovens.

O que assistimos no Itamaraty guarda semelhança com esse quadro mais amplo.

Em suas primeiras ações, o novo chanceler disse a que veio: com palavras incomumente duras, que fazem lembrar os comunicados do tempo da ditadura, como a acusação de que governos de países da nossa região estariam empenhados em “propagar falsidades”, as notas divulgadas (aliás, estranhamente atribuídas ao Ministério das Relações Exteriores e não ao governo brasileiro, como de praxe, com o intuito provável de enfatizar a autoria) atacam governos de países amigos do Brasil, ameaçam veladamente o corte da cooperação técnica a uma pequena nação pobre da América Central e acusam o secretário-geral da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), um ex-presidente colombiano, eleito pela unanimidade dos membros que constituem a organização, de extrapolar suas funções.

Um misto de prepotência e de arrogância pode ser lido nas entrelinhas, como se o Brasil fosse diferente e melhor do que nossos irmãos latino-americanos.

Talvez, por prudência (ou temor do sócio maior dessa entidade), as notas evitaram palavras equivalentes sobre a OEA (Organização dos Estados Americanos), a despeito das expressões críticas do seu secretário-geral e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Até o momento, eximiu-se de manifestar-se sobre as preocupações expressadas pela pequena, mas altiva Costa Rica, insuspeita de bolivarianismo.

Mas o que mais preocupa é o afã em diferenciar-se de governos anteriores, acusados de ação partidária, como se esta só existisse na esquerda do espectro político. Quando o partido é de direita, e as opções seguem a cartilha do neoliberalismo, não haveria partidarismo. Tratar-se-ia de políticas de Estado.

Há muito que “especialistas”, cujos discursos são ecoados pela grande mídia, acusam de “partidária” a política externa dos governos Lula e Dilma, esquecendo-se que muitas de suas iniciativas foram objeto de respeito e admiração pelo mundo afora, como a própria Unasul —aparentemente desprezada pelos ocupantes atuais do poder— os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; sem os quais não teria havido a primeira reforma real, ainda que modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial) e o G-20 da OMC (Organização Mundial do Comércio), que mudou de forma definitiva o padrão das negociações em nível global.

Ao mesmo tempo, busca-se derreter o Mercosul, retirando-lhe seu “coração”, a União Aduaneira (para tomar emprestado uma metáfora do presidente Tabaré Vasquez).

Em matéria comercial, o afã em aderir a mega-acordos regionais do tipo do TPP (a Parceria Transpacífico ) denota total ignorância das cláusulas, que cerceiam possibilidades de políticas soberanas (no campo industrial, ambiental e de saúde, entre outros).

Chega a ser espantoso que alguém que se bateu, com coragem e firmeza, pelo direito de usar licenças compulsórias para garantir a produção de genéricos, não esteja informado da existência de cláusulas, intituladas enganosamente de Trips plus (na verdade, do nosso ponto de vista, seriam Trips minus), que, de forma mais ou menos disfarçada, reduzem a latitude para o uso de tais medidas, no momento em que comissões de alto nível criadas pelo secretário-geral da ONU alertam para o risco de debilitar a Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e Saúde, consagrada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, aprovada pelos chefes de Estado na 20ª Assembleia Geral da ONU.

A África, de onde provém metade da população brasileira e onde os negócios do Brasil cresceram exponencialmente —sem falar na importância estratégica do continente africano para a segurança do Atlântico Sul- ficará em segundo plano, sob a ótica de um pragmatismo imediatista. Sobre os Brics, o Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), as relações com os árabes, uma menção en passant. Esqueça-se a multipolaridade, viva a hegemonia unipolar do pós-Guerra Fria. Nada de atitudes independentes.

A Declaração de Teerã, por meio da qual o Brasil, com a Turquia (e a pedido reiterado do presidente Barack Obama, diga-se de passagem) mostrou que uma solução negociada era possível, completou seis anos, no dia 17 de maio. Na época, foi exaltada por especialistas das mais variadas partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Porém causou horror aos defensores do bom-mocismo medíocre em nosso país.

Mas as elites não terão mais nada a temer. Nenhuma atitude desassombrada desse tipo voltará a ser tomada. O Brasil voltará ao cantinho pequeno de onde nunca deveria ter saído.

CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo Dilma) 

Redação

16 Comentários

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  1. Por sinal

     

    Já voltamos à normalidade. A última capa da Veja já foi sobre câncer. Em breve devemos ter uma nova edição sobre a amizade entre cães e humanos, como eles fizeram quando houve o acidente na construção da linha 4 do metrô de SP. E o Moro, hein?! Tá sumido…

    1. E a juventude …

      Voltamos à normalidade: agora não se fala mais em crise enquanto questão macro-econômica, mas apenas em desemprego.

      É a famosa forma de impor o terror aos jovens: “o bicho papão-desemprego vai te pegar!!!”

      Em breve veremos a renda do trabalhador cair drasticamente, a pequena burguesia sendo esfacelada pelo desaparecimento de seus maiores consumidores (a nova classe “C”), os “economistas” midiáticos falando somente em balança comercial (que certamente irá muito bem, obrigado), e toda a população paralizada de medo, achando que tá ruim mas tá bão, porque pode piorar…

      É o império do medo. Quem se lembra da campanha de Serra x Lula = a campanha do Medo x Esperança?

      Já vi esse filme …

      Aliás, alguém aqui já assistiu “O Século do Ego”?

  2. Uma lapada na careca do

    Uma lapada na careca do Serra, esse artigo do ex-chanceler.

    José Serra, do alto de uma prepotência destituída de qualquer estofo intelectual e de zero práxis na área em foco, incide no auto engano ao imaginar que pode projetar para o cenário externo as mediocridades, picuinhas, estreitezas, politicalhas, usadas nos embates políticos pela oposição política que ora “assalta” o Poder. 

    Não se nega o direito de um esquema de Poder, apesar de usurpador, redirecionar,  ou até mesmo reverter,  uma política externa, desde que, é claro, o faça baseado nos estritos interesses do Estado, e não por ranços políticos-ideológicos. O primeiro passo nessa empreitada seria o gestor-mor da Nação tomar as rédeas da mesma e não subscrevê-la para qualquer um. Pior: um qualquer que se acha ungido pelos deuses, um ser diferenciado que veio para cumprir uma missão especial aqui neste planeta. 

    Para começo de conversa, exigiu, e conseguiu de um presidente plácido, para não dizer frouxo, a incorporação ao ministério das importantíssimas Câmera de Comércio Exterior(CAMEX) e da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos(APEX), esvaziando, assim, o Ministério do Desenvolvimento. Na sequência, portanto crachá luminoso no peito com os dizeres “Chanceler primeiro e único dos Estados Unidos do Brasil” saiu distribuindo bordoadas para cima dos poderosos EUA, Alemanha, RU, França? Que nada! O “xerifão” canta de galo apenas para os ditos “bolivarianos”. Para os primeiros restará o “sim senhor” e tirar os sapatos nos aeroportos. 

    O Itamaraty é o lugar menos apropriado para egos inflados como o de José Serra. Lê-se imprensa, a esse propósito, que pretende deixar como marca um Itamaraty mais combativo e com uma posição mais relevante na Esplanada dos Ministérios

    Traduzindo do “Serrês”: o ministério servir apenas de catapulta para o que realmente lhe interessa: fornir a vaidade e aumentar sua exposição com vista a uma sempre desejável nova candidatura à presidência da República. 

    Obs: SIC para Estados Unidos do Brasil. 

     

     

  3. celso amorim…

    A diplomacia de “lamber botas” do tucanato nós já conhecemos. Não mudará em nada. Mas o país vive outra realidade e os recorrentes erros da nação brasileira, a miopia, a censura e o pensamento ditatorial que permeia a sociedade e as elites que parasitam o poder, de direita ou esquerda, continuam lá. O diálogo e o consenso nunca foram práticas politicas. Foi a Dilma que acabou que a melhor e mais sensata fase da diplomacia nacional. Não foi a oposição ou a direita. Quem abandonou as conquistas diplomáticas do período de Celso Amorim e Samuel P. Guimarães foi o próprio governo que seguia a mesma linha partidária. Continuar sem reconhecer os erros e buscar os embates sem ter clara à busca por soluções viáveis sódeixará  o país no buraco que está atolado em toda sua história republicana. A presunção e a hipocrisia de crer que só um lado politico e ideológico tem as respostas que almeja a sociedade levaram a esta situação, e não as correntes antagônicas. Mais humildade e inteligência é o que está faltando neste momento.

  4. é só um títere…

     

    … e isso desde da década de 60, quando fugiu na véspera do golpe, não sem antes entregar todos os companheiros para o Magalhães Pinto, ….

    durante o “exílio”, foi sustentado pelos serviços de informação do tio sam, para poder voltar como “herói” …  

    Quanto às suas atitudes a frente das relações exteriores do Brasil, …. não é, verdadeiramente, responsável por suas atitudes…  é só um marionete, … e o pior: … sua oligofrenia o impede de ver quem, realmente, esta puxando os cordões que o prendem …

  5. ninguém pode ser dessa área…

    trazendo entulhos, entreguismo e bagunças negativivistas que sempre estiveram grudadas no Serra, em toda sua carreira

    para essa área é preciso ser alegre e, principalmente, educado e positivista

  6. Um misto de má intenção com pessimas intenções

    Amorim é e será um dos maiores embaixadores que tivemos. Com ele o Brasil ganhou a projeção correta e o peso correto no mundo. Não quis ser nem mehor nem pior do que nenhum país, quis sim compartilhar e confratenizar. Quis buscar uma identidade latino americana. Uma identidade  africana, e com os BRICS resgatar uma indentidade terceiro mundista. A luta não pela emergência, mas sim pelo reconhecimento de todos os países. Enquanto isto a mídia de Waack chamava a publico embaixadores que viveram apenas da bajulação e da subserviência. Vendendo nosso país aos seus senhores. E agora vem o  mais subserviente de todos uma  triste figura, um coitado, estupido e sem cultura um senhor que so sabe abrir e fechar a propria caixa registradora, que sai por ai vendendo o país e se humilhando e servindo como um capitão do mato os seus senhores. El e não passa de um capitão do mato   e esta bazófia toda, é apenas para agradar aqueles que adoram falar mal do brasileiro e que  vivem abaixando as cuecas para o tio Sam. 

  7. um “jenio”

    Sempre me “admirei” pessoas ” jeniais” como o Serra, 

    Eles entendem de tudo , politica, economia, saude (ex-ministro), relações exteriores etc, etc, Um espanto!

    Mas na verdade o serra foi  prefeito pela metada, governador pela metade e senador pela metade.

    Espero que seja ministro poe um sementre,  com data para ser expulso do MNE.

  8. Nec turpe est quod dominus
    Nec turpe est quod dominus jubet – LXXV, 11. Petrônio definiu bem a relação servil entre @MichelTemer e seu dono @CIA @EmbaixadaEUA.

    @CIA @EmbaixadaEUA Não há vergonha em fazer o que o mestre ordena – diz o servo @MichelTemer ao chupar o pênis do patrão norte-americano.

    @CIA @EmbaixadaEUA @MichelTemer O mesmo se aplica a @joseserra_ , um escravo prostituido sempre pronto a dar ao mestre tudo o que ele quer.

    @CIA @EmbaixadaEUA @MichelTemer @joseserra_ O povo brasileiro não deve dar paz ou quartel aos traidores da Pátria. Nem tumba eles merecem.

  9. Os ” Rubens “

        Serra está de “cara ” no MRE, aceitou para não ficar de fora e poder, quando achar conveninete a ele, encher o saco do Meirelles, quem irá nortear as ações do MRE são os “Rubens” : Ricupero e Barbosa

  10. José Tarja Preta Serra, O Hábil…

    Boa noite. Amorim, alguém que entende a liturgia do seu papel, para sucintez; José [Tarja Preta] Serra, por seu turno, no Ministério das Relações Exteriores (seria mais apropriado “Ministério das Desavenças Vicinais”) é, em si, um opróbrio, ainda que, advindo de um governo (caixa baixa intencional) golpista, explica-se pela divisão do butim, e não pela “meritocracia”, palavra tão afim, tão cara aos golpistas, mas sem critério algum, quando para com eles. Tarja Preta tem a sutileza de um elefante numa piscina, ao lado de um hipopótamo. Um doce de criatura…

    E Bunitim...

    Além de fotogênico, convenhamos…

  11. Vontade de vir a ser chefe de governo combina com diplomacia?

    Tenho a singela impressão de que a vontade indisfarçável de Serra de se destacar como “estadista” de política exterior produzirá uma série de incidentes que desagradará os reais especialistas no assunto, os diplomatas de carreira. Daqui a uns dias, penso eu, estaremos lendo mais notas de diplomatas reclamando da condução da pasta a que pertencem… Vamos ver.

    Como algo concreto fica a nítida sensação de que Serra está querendo aparecer demais. Muito provavelmente por preservar a vontade de vir a ser chefe de governo, custe o que custar – até mesmo via “parlamentarismo”.

    Essa campanha “presidencial” combina com a atividade diplomática? Eu, daqui de baixo, penso que não. Mas só o tempo dirá.

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