Decisões do TSE que prejudicam Bolsonaro são compartilhadas como censura em grupos de WhatsApp e Telegram, por Amanda Mota e Bia Calza

Já as decisões que favorecem o presidente, sobre derrubada de conteúdos ou pedidos de para suspensão de canais, não têm o mesmo tratamento

Jair Bolsonaro – Foto: Isac Nóbrega/PR (Brasília – DF, 26/01/2019)

do Observatório das Eleições

Decisões do TSE que prejudicam Bolsonaro são compartilhadas como censura em grupos de WhatsApp e Telegram

por Amanda Mota e Bia Calza

A série de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que se iniciaram com a desmonetização de quatro canais pró-Bolsonaro no Youtube, no último dia 18, provocou uma avalanche de mensagens em grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no WhatsApp e no Telegram. O formato das mensagens mais compartilhadas mistura fatos, notícias falsas e opinião para criar desordem informacional, induzir o eleitor brasileiro a acreditar em uma narrativa de censura (de apenas um dos lados) e gerar confusão sobre o conceito de liberdade de expressão.

No dia 18 de outubro, quando se iniciou a coleta, o TSE decidiu desmonetizar quatro canais pró-Bolsonaro no Youtube. Também suspendeu um documentário da produtora Brasil Paralelo sobre a facada em Bolsonaro em 2018, que agora será veiculado apenas depois do segundo turno. A corte também suspendeu conteúdo que associa Lula a aborto, drogas e assassinato, e concedeu direito de resposta a Lula em inserções na TV da campanha de Jair Bolsonaro.

Nossa análise das mensagens mostra que a campanha de desordem informacional nos grupos de apoiadores de Bolsonaro no WhatsApp e Telegram utilizou três estratégias, a partir das decisões da corte, para descredibilizar o processo eleitoral. No WhatsApp, entre as mensagens mais compartilhadas estão links destinados a divulgar sites de junk news com conteúdos sobre as decisões da corte. Esses sites mimetizam a linguagem jornalística para divulgar teorias da conspiração, ataques à imprensa e divulgação de conteúdo hiper partidário, sem respeitar padrões jornalísticos. Para ganhar tração e forçar uma descoberta pseudo-orgânica no Google, esses sites se utilizam de técnicas avançadas de SEO (Search Engine Optimization – que é um conjunto de ações usadas para posicionar o seu site bem nas buscas orgânicas no Google). Um estudo da universidade de Oxford mostra que a maior parte da receita desses sites vem justamente da remuneração que o Google dá a eles de acordo com as suas audiências, pelos anúncios que veicula ao lado dos conteúdos desses sites.

Entre as dez mensagens mais compartilhadas no período da coleta, oito são de links desses sites. A segunda mensagem mais compartilhada na amostra analisada é a seguinte: “BRASIL: LULA e PT entram com um pedido no TSE para acabar com a liberdade de expressão (Gustavo Gayer); ASSISTA https://www.pensandodireita.com/2022/10/brasil-lula-e-pt-entram-com-um-pedido.html?m=1”.

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Outros portais de junk news aparecem como os mais presentes nas mensagens virais nos grupos de WhatsApp de apoiadores de Bolsonaro, como Vista Pátria, Terra Brasil, Jornal da Cidade Online, Conexão Política e Gazeta Brasil. O monitoramento de outros assuntos veiculados nesses grupos mostra que há compartilhamento sistemático de links desses sites. Usualmente, o número que dispara o link é o mesmo em diversos grupos. Isso aponta para o aproveitamento comercial do ecossistema bolsonarista de mensageria privada. É um rico canal de alavancagem de audiência.

Nas mensagens que contêm texto e não apenas links para esses sites, há diferentes estratégias discursivas para dar legitimidade à narrativa de que há um projeto ditatorial de censura em curso no Brasil. Uma delas é misturar conteúdo verdadeiro a conteúdo falso, tornando a realidade praticamente indistinguível para um usuário incauto.

Em outra amostra de mensagens, circula com mais frequência uma lista de “proibições” do TSE, que mistura decisões verdadeiras da corte com conteúdos falsos e absurdos, como uma suposta decisão vedando o uso de bandeiras do Brasil em fachadas de igrejas. Na verdade, a Justiça negou o pedido do PT para retirar a bandeira da fachada de uma igreja da Assembleia de Deus no Pará.

Já no Telegram, há mais imagens e vídeos do que texto sendo compartilhado sobre o tema. Entre os textos mais virais, verifica-se o uso ostensivo de desinformação deliberada e de caráter alarmista. A mensagem mais enviada nos grupos monitorados é uma notícia falsa que afirma que o TSE proibiu a comemoração do dia do médico. O texto se inicia com a expressão “censura sem limites” em negrito e caixa alta.

Curiosamente, os pedidos da campanha do presidente Jair Bolsonaro ao TSE de derrubada de conteúdos ou canais que o prejudicam e as decisões da corte que determinam a retirada de conteúdos anti-Bolsonaro (como a decisão que mandou o Twitter tirar do ar um post do deputado André Janones (AVANTE-MG)) não são tratados como censura.

É importante ressaltar que os ataques ao processo eleitoral têm acontecido em diversas redes sociais, em forma de campanha permanente, e não apenas no período eleitoral. A narrativa de que haveria censura por parte do TSE é apenas mais uma dedicada a descredibilizar as eleições, que se junta ao ataque às urnas eletrônicas, ao judiciário de maneira geral, aos institutos de pesquisa e à imprensa.

A análise acima considerou uma coleta de 476451 mensagens em 326 grupos no WhatsApp, e 276476 mensagens de 172 grupos  no Telegram, do dia 18 ao dia 20 de outubro. Foram consideradas as seguintes palavras-chave: censura, TSE, ditadura, Brasil Paralelo, Jovem Pan, Venezuela e STF. Os dados são do Projeto Farol Digital do Departamento de Computação da UFC.

Amanda Mota – Graduada em Ciência Política na Universidade de Brasília. Pesquisa sobre internet e populismo.

Bia Calza é mestranda em Ciência Política na Universidade de Brasília e pesquisa desinformação política. É estrategista de comunicação política da Avaaz no Brasil.

*Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Observatório das Eleições

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