Então, que se faça o jogo eleitoral, por Marcus Atalla

O Bolsonaro, e a imprensa brasileira colabora, joga o tempo todo a discussão para o mundo simbólico dos costumes, política identitária, o bem e o mal, moralismo versus pervertidos, aborto etc.

Então, que se faça o jogo eleitoral, por Marcus Atalla

Nesta semana, Lula ao ser entrevistado pronunciou-se a favor do aborto, o enunciado escolhido e propagado pela imprensa, já é um uso político. Ninguém é a favor do aborto, mas sim da descriminalização do aborto. A partir da repercussão houve uma divisão entre os próprios eleitores do candidato, se foi sábio ou não, expressar tal posição em um momento eleitoral. Os eleitores a favor acharam ótimo levantar o assunto, já os eleitores evangélicos acharam um erro, para eles isso é um assunto delicado e fará o Lula perder votos.

Semana passada, antes da polêmica, Cesar Calejon, jornalista e estudioso do bolsonarismo, deu uma entrevista ao jornalista Luis Nassif. O assunto debatido foi se as esquerdas estariam preparadas para as eleições nos meios digitais. Para Calejon, as esquerdas não estão preparadas, um dos motivos é que ao invés de se discutir os fatores econômicos e as mudanças socaias na qualidade de vida, cujos governos do Partido dos Trabalhadores realizaram nesses anos de governo, fica-se debatendo assuntos morais com o bolsonarismo.

Não há uma polarização na sociedade, há duas.

A primeira polarização é a no mundo material, mundo real; os interesses econômicos e sociais junto da visão antissistema – o descrédito da democracia-liberal como sistema capaz de responder às demandas da população.

A segunda polarização é a no mundo simbólico, construída como cortina de fumaça para esconder a primeira. Chamada de guerra cultural ou, como dito por Bolsonaro e pelos militares brasileiros, uma guerra contra o Marxismo Cultural. Tratar-se-ia de um complô de comunistas, entre eles estão as Universidades, a Rede Globo, Fernando Henrique Cardoso, artistas, as esquerdas clássicas e os identitários para fazer uma revolução, criar-se-ia um senso-comum, afim de acabar com os valores da família tradicional cristão-judaica ocidental.

O Brasil é um país conservador nos costumes, não poderia ser diferente, uma de suas forças fundadoras foram os jesuítas, a Igreja católica sempre teve grande poder político no país. Quando retirou o apoio à Monarquia, ela caiu, apoiou o golpe de 1964. Contraditoriamente foi um dos seus setores, a Teologia da Libertação, que ajudou a derrubar a ditadura. A Teologia da Libertação foi destruída em toda América Latina pela própria Igreja Católica, o então, Bispo Joseph Ratzinger e o Papa João Paulo II combateram o movimento e afastaram o Leonardo Boff, restando apenas os movimentos conservadores. Nas últimas décadas, a Igreja Católica perdeu poder político, o qual está agora com os evangélicos pentecostais. Tanto a Igreja Católica e evangélicos pentecostais apoiaram e apoiam Bolsonaro.

Bolsonaro, o disruptivo, e a sábia escolha de arrastar Lula para o campo de batalha, onde Lula não pode vencer

Essa estratégia não é brasileira, envolve uma construção de décadas, um processo desde a guerra-fria impulsionado uma esquerda liberal ou neoliberal se preferirem. Nos anos 80 há um novo patamar, com a extrema-direita norte-americana – alt-right. Trazida ao Brasil, por Olavo de Carvalho e pelo General de Brigada Avellar Coutinho. Deixar-se-á para outro artigo todo o processo histórico e a discussão das esquerdas mundiais não serem mais vistas como uma solução para os problemas da população e estar perdendo cadeiras nos parlamentos ano-a-ano, inclusive a social-democracia europeia. E quanto mais as esquerdas vão para o centro tentando ampliar, mais perdem a base social. (Vide agora Pedro Castillo no Peru e a Dilma Rousseff no Brasil, em 2016), além dos vários resultados eleitorais pela América Latina.

O Bolsonaro, e a imprensa brasileira colabora, joga o tempo todo a discussão para o mundo simbólico dos costumes, política identitária, o bem e o mal, moralismo versus pervertidos, aborto etc. Os democratas e a esquerda “num se guenta” e fazem justamente o que é esperado por Bolsonaro, entram numa discussão inócua com ele. (É esperado por Bolsonaro, pois, é algo provocado. É a cismogênese da Guerra-Cognitiva).  Assim, a discussão sai do mundo material, a miséria, falta de empregos, a relação econômica das mortes pela Covid, preço da comida, a dolarização dos valores etc. É isso um dos motivos por que Bolsonaro continua estável mesmo depois de tudo que fez e faz. Levar o debate para o “sexo dos anjos”.

A campanha eleitoral de 2022   

A própria esquerda resolveu fazer dessas eleições, uma eleição despolitizada e maniqueísta, dicotômica. É a barbárie versus a civilização, autoritarismo versus democracia, Lula versus Bolsonaro, Ele não, Fora Bolsonaro, o bem versus o mal; o machismo, homofobia e racismo versus o direito das minorias. Tudo isso é verdade. Porém, some do debate as causas, a política neoliberal, o golpe de 2016 (com todos os motivos, consequências e interesses dos grupos envolvidos, do PSDB, passando-se pela imprensa corporativa, militares, judiciário à elite rentista).

É de se entender que a esquerda não quer entrar em conflito com todas essas classes sociais, mas ao se fulanizar todas as questões no Bolsonaro, isso o beneficia. As pesquisas de opinião demonstram uma clara divisão de classes entre os eleitores. Lula tem mais votos nas classes de até 2 salários mínimos, quanto mais sobe a renda, gradativamente aumenta-se o apoio ao Bolsonaro. As classes mais baixas têm uma maior inserção nas Igrejas Evangélicas. O bolsonarismo tem os aparelhos ideológicos ao seu lado, incluindo a imprensa oligárquica brasileira, os quais vão jogar as discussões eleitorais para o campo de batalha em que Bolsonaro vence, a da moral, religiosa e bons costumes.  Lula entrando nessas discussões o fará perder votos justamente na sua maior base.

“Mas o Lula também tem mais votos entre os negros, homossexuais e as mulheres”. Realmente, porém, diferente da forma que a política identitária vê – uma separação apenas pela aparência, ignorando-se as essências e historicidade – todas essas pessoas têm suas individualidades, têm suas religiosidades e pertencimento a classes sociais diferentes.

O campo de batalha onde Lula vence, e Bolsonaro não tem nem o que mostrar, é o do mundo material. Quando o estômago dói e o filho chora de fome, surgem as contas para se pagar, a falta de emprego e a perda de qualidade de vida, a realidade bate tão forte, que o mundo simbólico se desfaz. E é na realidade que Lula tem história para mostrar. 

Já que se decidiu solucionar tudo pelas eleições, e por uma discussão despolitizada desde a eleição de 2018, não será no período eleitoral que dará tempo para conscientizar a população nas pautas de costumes e morais. Então, que, se faça o jogo eleitoral. Que pelo menos, a politização da sociedade seja feita durante um possível governo e não se repita o mesmo erro dos anos passados.

Marcus Atalla – Graduação em Imagem e Som – UFSCAR, graduação em Direito – USF. Especialização em Jornalismo – FDA, especialização em Jornalismo Investigativo – FMU

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Redação

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