O marketing do urubulino

Ontem passei a tarde toda no Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais, com o grupo de pesquisa “Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral”, da professora Mara Telles. No primeiro encontro, participação de professores e alunos; no segundo, alunos do curso de extensão em marketing político.

Encontro proveitoso para checar teses, receber análises e informações.

Da parte do grupo, curiosidade total para entender o que se passa com a campanha de José Serra. Não é normal tantos erros cometidos, segundo Mara Telles.

Assim que Serra entra no ar, os telespectadores devem entrar em pânico, diz ela. Não passa uma mensagem positiva.

Por exemplo, há duas maneiras de falar em saúde. Pode-se falar mostrando pessoas saudáveis, falando em prevenção, associando vida saudável à natureza do Brasil, falar de um país saudável. Serra só fala em doença.

– Imagine o candidato entrando na casa da pessoa e dizendo, “você que é deficiente, você que perdeu o filho, você que é drogado…” Quem está nessa situação, desliga correndo. Quem não está, desliga também.

O viés da chamada “síndrome do urubu” percorre todas as falas de Serra e todos os programas do candidato no horário gratuito.

Sem contar as falhas óbvias, como a favela artificial e o texto sobre o candidato que “come” (o texto tentava comparar pessoas usando o “como”: saiu Serra dizendo que “como fulano, como sua esposa, como beltrano”).

Me pedem explicações. Confesso que não tenho resposta. Soube outro dia do desânimo do pessoal da GW para refazer os derradeiros programas da campanha.

Mas, pelo que conheço de Serra, a explicação é a seguinte:

Serra tem enorme falta de discernimento sobre temas mais comezinhos, frutos de uma insegurança cavalar. É inseguro e também morre de medo de passar essa imagem. Consequência: trava, não ouve para não expor suas dúvidas.

Não consegue ouvir duas, três pessoas com opiniões divergentes, e arbitrar.

Para fugir dessas restrições psicológicas, para cada tema, aposta cegamente em alguém e não admite discussões em torno do que foi deliberado.  No caso do marketing de campanha, o guru foi Luiz Gonzales, da GW.

Mas a culpa não é apenas dele, mas do próprio candidato.

Quem define discurso político é político. Serra nunca conseguiu definir sua cara política. Nos quatro anos de governador do mais importante estado da federação, dentro do pacto espúrio com a mídia, terceirizou seu discurso.

Virou uma mula-sem-cabeça. Parte da sua tropa de choque era composto por analistas… mercadistas – com ideias contra as quais Serra lutou toda a vida. Toca Jabor, Mirian, Sardenberg, Merval e outros defendendo o livre mercado contra a estatização e apresentando Serra como o grande campeão branco de sua causa.

E Serra tem cabeça mais autárquica que da Dilma.

Sem o fio condutor das suas ideias norteando o discurso, o apoio da mídia foi canalizado para bordões ideológicos e… escândalos; preconceito raso e… escândalos; cegueira contra pontos positivos do governo e… escândalos. Tudo isso sem a menor visão sobre as mudanças que estavam sendo processadas na economia, na sociedade e no jogo político.

E nem se pense que tudo foi feito à revelia de Serra.

Na ponta política dos escândalos, todos os políticos eram diretamente ligados a ele, de Itagiba a Jungmann, de Álvaro Dias a Agripino.

Mais que isso: tendo o maior aparato que a velha mídia já montou em apoio a um candidato (nem FHC conseguiu essa unanimidade) foi incapaz de aproveitar a visibilidade. Não montou um modelo de governo palpável, uma ideia nova – a não ser o carnaval da lei antifumo, que desapareceu no burburinho da campanha.

Lembro-me certa vez do Jornal Nacional, do sutilíssimo Ali Kamel dedicar quatro minutos a uma delegacia de defesa da mulher em São Paulo. E toca uma delegada a falar do apoio de São Paulo à mulher com um símbolo do governo do estado ao fundo. Tudo por absoluta falta de assunto.

Ou seja, até na sua única especialidade – acompanhar obsessivamente a mídia – Serra só conseguia caminhar no negativismo. Não sabia como tirar partido da mídia para mostrar ideias, programas inovadores. Apenas para identificar críticos e pedir sua cabeça às direções de redação.

Ontem, uma moça de Goiânia – aluna do curso de extensão -, tucana doente, estava quase às lágrimas buscando argumentos em favor de Serra. Sempre foi bem avaliado em São Paulo, chegou onde chegou, não pode ser medíocre, dizia insistentemente. Estava desesperada atrás de um argumento para ficar a favor. Tudo o que tinha à mão era uma imagem artificial, construída pela mídia em torno de bordões (o bom gestor) sem fatos palpáveis para consolidar a convicção.

Depois, soube de seu drama: depois que começou a propaganda eleitoral, a própria mãe desistiu de votar em Serra.

Outro dia lembrava da campanha de Mário Covas, conduzida pelo próprio Gonzales. O primeiro turno foi medíocre. Covas acabou indo para o segundo graças ao IBOPE.

No segundo, o candidato se rebelou e resolveu politizar a campanha, deixando para o marqueteiro o que é de marqueteiro: vestir as ideias do candidato com uma boa roupagem.

Lembro-me, por aqueles dias, de um jantar com o Júlio Semeghini, que me falou do governo eletrônico que estava sendo implementado pelo Yoshiaki Nakano. Escrevi sobre o tema e recebei muitos emails de pessoas dizendo que queriam votar em Covas, mas não tinham argumentos para tal. E agora, passavam a ter. Isso se deu no ambiente restrito da minha coluna. Presumo que no ambiente amplo da campanha, foi o que ocorreu quando Covas assumiu as rédeas do conteúdo – algo que Serra não conseguiu, por não ter conteúdo.

Outro aluno do curso montou o jornalzinho de propaganda eleitoral de um candidato a deputado estadual. Nas oito páginas, fotos do candidato com Aécio Neves e uma história em quadrinhos do candidato com Lula e Dilma. Em uma das matérias, o candidato (que já é deputado) se apresentava como co-autor do futuro PAC2 para sua região.

Explicação do marqueteiro: “Política não é teoria não. É para alcançar resultados práticos”.

Na saída, a melhor explicação para o suposto apoio de Aécio a Serra.

Quando da última visita de Serra a Minas, o Estado de Minas estampou duas páginas inteiras discutindo um besteirol do Serra: sua afirmação, em uma coletiva, que não conseguia entender sotaque de mineiro.

Luis Nassif

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