Mais Médicos, mais informações, mais debates

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Jornal GGN – As revistas semanais trouxeram sua contribuição ao debate “Mais Médicos”. A revista Época trouxe a principal delas, mesmo que tenha pecado na capa da publicação. Um fundo branco na afirmativa “Mais Médicos? Só isso não basta”, cheio de band-aids tentando remendar os  dizeres, dá a impressão de uma crítica ácida ao governo e ao programa. Sim e não. Há a crítica, mas há também a raiz do problema da saúde no Brasil, que são as faculdades de medicina. Assustou? Eu também.

A maneira como a revista traz o problema vai dar um bom material para que médicos e conselhos de medicina se debrucem e, em conjunto com o governo, tratem de atacar o grande xis do setor, que é a educação. A baixa qualidade do ensino está atrelada aos problemas de sempre: se tem professores com doutorado e tem estrutura, não tem aluno que corresponda; se tem aluno, não tem professores ou mesmo estrutura; se tem fama, não tem dinheiro; se tem uma coisa, falha outra. O problema é tão sério que eles deveriam parar de incitar a vaia e começarem a incitar o governo para que peça o devido ajuste ao ensino da medicina no país nas faculdades públicas e privadas.

A radiografia e o diagnóstico

Na radiografia do setor, a partir do ensino, a revista aponta para a falha inicial na formação dos médicos, que é a pouca base dada para diagnóstico, fazendo com que novos médicos se cerquem de exames e mais exames na tentativa de não errar. Segundo a reportagem, nos últimos 15 anos houve uma sensível queda no nível de conhecimento dos alunos e, erroneamente, os especialistas associam o problema à proliferação de escolas.

Declaração de Florentino Cardoso, da AMB (Associação Médica Brasileira), aponta para este detalhe, diz ainda que “os médicos mais novos dominam muito conteúdo, mas de maneira trivial”, declara ele, “têm dificuldade em se aprofundar”. Grande crítico do Programa, e não abordado diretamente pela revista, Florentino tem feito declarações contundentes sobre a vinda de médicos cubanos, especialistas em saúde básica, o que mais falta nos profissionais brasileiros.

Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador do estudo Demografia Médica do Brasil, faz críticas mais sérias à formação dos médicos nos nossos dias: a falta de generalistas e a certeza de que as escolas ajudam a multiplicar a distorção da saúde no país, ao oferecerem cada vez mais cursos dirigidos para a medicina de alta tecnologia, formando profissionais para o mercado privado em detrimento da atenção primária, aquele primeiro e fundamental atendimento.

Os estudantes já entram nos cursos se sentindo especialistas, critica Aloizio Mercadante, ministro da Educação, isso significa que já estão certos de onde querem chegar, antes mesmo de trilhar o caminho. O exemplo dado por Mercadante é de que o Brasil forma excelentes cirurgiões plásticos, reconhecidos no mundo todo, mas muito poucos se dedicam à parte reparadora, caindo na vala da indústria das cirurgias estéticas. “Promover saúde e vida e prevenir doenças não tem sido a dimensão central na formação dos profissionais médicos”, declarou o ministro.

Os médicos e seus diagnósticos

Médicos atuais se pautam nos exames para um diagnóstico, muitos exames, encarecendo a saúde e inviabilizando a atenção primeira. “Os exames são subsidiários, não substituem o diagnóstico feito numa consulta detalhada e com exame clínico”, declarou Antonio Carlos Lopes, professor da Escola Paulista de Medicina. Segundo ele, e um dado bastante revelador, 70% dos exames solicitados, em São Paulo, dão resultado normal, e nem precisavam ser feitos. Segundo ele, no campo da saúde pública, essa conduta gera “mais e mais gastos”.

A alfinetada ao governo vem com o fato de que a saúde custa caro e o Brasil está em 72º lugar no gasto público com saúde por pessoa, em dados da Organização Mundial de Saúde. A avaliação ruim da saúde, no país, é um fato em pesquisas de opinião, dando conta de que 68% da população utiliza apenas o sistema público.

A Época, no entanto, não foi mais longe. O que foi uma pena. Um dos problemas atuais, e que atinge o restante da população, ou 32%, é a difícil relação dos planos de saúde com seus beneficiários, médicos prestadores de serviço, hospitais e clínicas, agências reguladoras e órgãos de defesa do consumidor. A queda de braço cada vez puxa para um lado, precarizando o precário, encarecendo o benefício, judicializando a saúde. Médicos são pagos mal e porcamente pelas operadoras de planos de saúde, reclamam sempre, prestam um serviço que beira a “escravidão” que tanto criticam quanto aos médicos cubanos, e as operadoras seguem seu caminho.

Para driblar o baixo repasse feito por operadoras às consultas realizadas com os beneficiários de planos, os médicos limitam suas consultas a poucos minutos, enquanto preenchem uma infinidade de guias para diagnóstico futuro que não foi muito bem enfrentado na rápida consulta. E o círculo torna-se vicioso: médicos reclamam de planos, planos reclamam da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), beneficiários reclamam na justiça, e tudo fica no patamar de sempre.

Além disso, a matéria não entrou em outro grande dilema da saúde, que são as tais portas duplas na saúde pública: de um lado atendendo pelo SUS, no outro atendendo os beneficiários de planos de saúde. E o final nada feliz, que é a não realização do repasse dessas consultas aos cofres da Saúde. Este é um grande problema que tem uma miríade de problemas pedindo soluções e que acaba por se refletir no atendimento à população.

Época e a experiência venezuelana

No entanto, a revista Época traz sim uma reportagem sobre a experiência Venezuela, uma grande crítica ao que aconteceu naquele país, quando Chavez levou médicos cubanos para resolver um problema grave na saúde.

Tece críticas ao programa venezuelano de saúde e afirma que o Brasil não precisa seguir esses passos, e poderá aproveitar o que eles trazem de melhor: a valorização da atenção básica, o que passa a ser uma aposta sábia pois 80% dos problemas de saúde podem ser resolvidos em casa ou em unidades básicas, e os cubanos estão acostumados a atender sem depender de alta tecnologia, baseados no aprendizado que tiveram em diagnosticar e tratar com poucos recursos materiais, como era feito antigamente.

O título parece grudar a Época com a Veja, num triste alinhamento sem pudor. Mas não é o que realmente acontece na matéria. E é bom que se leia com atenção para não pecar do outro lado. O que a reportagem sugere é que o modelo venezuelano foi errado, coisa que não aconteceu no Tocantins, que teve um programa semelhante ao Mais Médicos de 1998 a 2004, quando foi derrubado pelos conselhos de medicina. E foi uma pena.

No Tocantins, antes da chegada dos médicos cubanos, em 1998, apenas 17 municípios eram atendidos pelo Programa Saúde da Família, cobrindo apenas 25% da população do estado. Com a chegada dos cubanos, três anos depois a cobertura era de 73% da população, e o estado conseguiu, no período em questão, o estado com maior índice de cobertura proporcional pelo Programa de Saúde da Família. Com o aumento das consultas, houve redução de 60% no número de internações hospitalares, e ainda queda no índice de mortalidade infantil, saindo de 44,9 crianças mortas por 1.000 nascimentos, em 1998, para 32,9 em 2002, redução de 27%.

A revista também se esqueceu de mais um ponto. O “Ato Médico”, outra bandeira da categoria, atropela 14 profissões e especialidades da área de saúde, criando, inclusive, um desmonte no SUS, ao atrelar ao diagnóstico médico a aplicação de tratamentos que são de competências de outros profissionais. Os médicos criaram, com seus manifestos, inclusive pelas redes sociais, a ideia de que não passar pelo seu crivo traria mazelas aos pacientes, eles é que têm a capacidade de indicar o tratamento, qualquer que fosse, ao paciente. Mais um ponto polêmico, e que merecia ser abordado, pois também bate na questão da reserva de mercado, que negam, mas que direciona seus protestos. E esvazia a categoria da verdadeira discussão que deve ser abraçada: a precariedade do ensino de medicina.

O que traz a Veja

E a Veja? Ah, a Veja… ela desfralda a bandeira de que Mais Médicos é o início da cubanização do Brasil. Alerta para o perigo vermelho, para o navio negreiro capitaneado pelo ministro Padilha, e vai martelando de forma tão pouco jornalística que não pede comentários. Pede distância. Então, depois de ler a matéria em questão, e tantas outras que se sucedem, peço licença para não comentar. Pois não há uma única razão que torne uma crítica algo construtiva, já que é um panfleto descarado contra o PT e toda e qualquer política implantada no país pelo governo do partido. Gruda, num mesmo pacote, defesa da fuga do senador Molina pela Bolívia até o Brasil, chamando o diplomata em questão de herói; gruda na imagem do governo a não-cassação do Donadon, querendo dizer que isso foi orquestrado para livrar a cara dos ‘mensaleiros’; julga, condena e distribui as penas desses mesmos ‘mensaleiros’; chama o embaixador boliviano, Jerjes Justiniano, de Embaixador da “Coca”; endeusa Eduardo Saboia; estampa, em letras garrafais e junto à imagem de Padilha: “O que ele admira é a ditadura”…  Portanto… nada acrescenta, nada comento.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Parabéns, Lourdes, pelo seu

    Parabéns, Lourdes, pelo seu texto que me induziu a ler a matéria da Época e deixar de lado a da Veja (que já não leio a anos!)

  2. Um estranho alinhamento

    Ontem tive a nítida impressão de que os jornais televisionadas da Globa estavam fazendo uma inflexão com relação ao Mais Médicos do Governo Federal. Todas as reportagens mostravam a alegria de secretarios de saude e da opulação pela chegada de mais médicos as suas cidades. Confesso que quando olhei a capa da Época automaticamente associei ao panfleto idológico da árvorezinha verde, mas ele traz sim questões importantes a serem debatidas.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador