Bachelet fecha 1º ano do segundo mandato com reformas e Conselho contra Corrupção

Sebastián Dávalos Bachelet e esposa Natalia Compagnon

Por Frederico Füllgraf

Especial para o Jornal GGN, de Santiago do Chile

Reforma tributária, acordo sobre união civil estável, sistema de proteção integral à primeira infância, fim do sistema de lucro e da discriminação por renda familiar em escolas co-financiadas pelo governo, ampliação e aumento do seguro-desemprego, criação do Ministério da Mulher, fim do sistema eleitoral binominal discricionário, agenda de energia – com prioridade para fontes renováveis: é ampla a lista de reformas implementadas durante o primeiro ano do segundo mandato de Michelle Bachelet. E já estão em debate no Congresso a agenda da reforma trabalhista, a despenalização seletiva do aborto, uma nova política docente e institucionalidade da educação pública, o projeto para a educação superior e a Subsecretaría de DDHH. No entanto, como se explica que, na semana em que seu segundo mandato completa o primeiro ano exitoso de gestão, a popularidade da presidente tenha despencado para alarmantes 39% de aprovação popular?

País pequeno, hoje ainda o Chile se impõe na América Latina como reserva do imaginário utópico (Salvador Allende e seu projeto de construção do socialismo pela via eleitoral) e do terror (a ditadura Pinochet como emblema do Terrorismo de Estado), mas também como país-laboratório do mais descarado neoliberalismo econômico, que seguiu à risca o “receituário” especialmente preparado para os Chicago Boys do general Pinochet por Friedrich Hayek.

Por este motivo, ao candidatar-se pela segunda vez à presidência do Chile, em 2013, Michelle Bachelet apresentou uma “hoja de ruta”, o roteiro de reformas para um Estado que, um quarto de século após iniciada a redemocratização, continua enquadrado pelo arcabouço jurídico e o modelo econômico legado pela ditadura.

Estado de Direito com modesto distributivismo

A maioria dessas reformas já estava na agenda da antiga “Concertación”, coligação capitaneada pelo Partido Socialista – com a inclusão do Partido Comunista, hoje chamada de “Nueva Mayoría” – que em 1990 sucedeu a ditadura Pinochet, mas que não conseguia sua aprovação em um Congresso de predominância conservadora.

Com as eleições de 2013, finalmente a “Nueva Mayoría” conseguiu reverter o quadro, agora com ampla vantagem na Câmara dos Deputados e no Senado, o que explica por que diversas reformas bloqueadas durante 24 anos foram aprovadas em menos de 10 meses.

Algumas das medidas aprovadas durante o primeiro ano da segunda gestão Bachelet têm um quê de espírito republicano com valor agregado – tais como a criação do Ministério da Mulher, a concessão do direito ao voto a 700.000 chilenos (quase 5% da população) que vivem fora do país, ou a criação do marco legal para relações estáveis, incluindo casais homoafetivos -, mas há avanços estruturais, como a reforma eleitoral, que acabou com o sistema binominal pinochetista, no qual apenas candidatos dos dois grandes blocos políticos – centro-direita e centro-esquerda – tinham chances de êxito, agora substituído por um sistema distrital mais representativo. Críticos à esquerda advertem, entretanto, que continuará em vigor a contagem de votos por lista ou coligação, que favorece candidatos com baixa votação, “arrastados” por sua lista, mas não escolhidos pela maioria distrital.

Por sua vez, a reforma tributária de setembro de 2014, desonera pessoas físicas com pequena a média receita e reduz a carga tributária das pequenas e médias empresas. Para alguns, seriam benefícios com tinturas cosméticas que o chileno médio e “o homem da rua” não sentem em seu bolso. Ainda.

O aumento de 20% para 25% do imposto de renda das pessoas jurídicas, com o qual o governo pretende captar 8,0 bilhões de dólares fora do orçamento, para financiar a reforma educacional, também aparece como medida tímida. Junto com a eliminação do Fundo de Utilidades Tributárias – FUT (fundo de reserva das empresas que acumula lucros passíveis de reinvestimento, mas amplamente usado para a evasão a paraísos fiscais), a modesta taxação das empresas foi o jeitão socialdemocrático de acomodar provisoriamente a brutal concentração de renda (o 1% dos super-ricos amealha 30% da renda nacional) sem afrontar as grandes fortunas surgidas durante a ditadura Pinochet, das quais o Grupo Luksic – com seu patrimônio de 15,5 bilhões de dólares (Banco de Chile, TV Canal 13, mineração), posto 58 do ranking Forbes (2014) e citado pelo Swissleaks como notável correntista clandestino do HSBC – é exemplo eloquente.

A reforma do sistema de ensino, desde 1974 administrado como balcão de negóciois, no qual até mesmo universidades públicas chegam a cobrar mensalidades de 500,0 dólares, foi o grande compromisso de campanha de Bachelet que, junto com o debate da nova Constituição, programado para 2017, promete ser a maior queda de braço de seu governo, porque seus frutos deverão ser colhidos apenas entre seis e nove anos. Para não somar a maioria das famílias humildes ao previsível protesto do movimento estudantil, o governo decidiu construir duas novas universidas públicas e conseguiu abolir a seleção discricionária de alunos por renda familiar, praticada pelos colégios, injetando recursos do Estado para acabar com o sistema do “co-pagamento” e do lucro.

No entanto, a população não está satisfeita com as reformas a conta-gotas.

Entenda-se: a presidente em baixa, seu partido em alta

Segundo pesquisa de opinião realizada em janeiro de 2015 pelo Barómetro de la Política CERC-MORI, 36% dos entrevistados acreditam que as reformas estão “progredindo”, enquanto 47% as julgam “estancadas”. E causa espécie que 75% dos chilenos prefiram a igualdade social às liberdades individuais.

Os críticos das reformas parecem medir seu sucesso antes de nada mais pelo que significam em seu bolso e tendem a abrigar-se na altíssima e histórica taxa de abstenção eleitoral da corrida presidencial, que foi de 55%. Que motivou Bachelet à seguinte advertência: “Não se deve ser indiferente a quem governe, e ficar em casa não ajuda a mudar as coisas … Depois não temos o direito de nos queixarmos, quando não gostamos como as coisas estão!”.

Já em relação ao Partido Socialista, os chilenos gostam como está: tem 75% das intenções de voto e baixíssima rejeição.

Guardadas as proporções, o PS tem mostrado maior criatividade política e capacidade gerencial que o PT, seu homólogo brasileiro, mediante a repactuação constante da coligação Nueva Mayoría para o avanço gradual e seguro das reformas, apresentando-se aos olhos do eleitorado como partido ágil, confiável e garante da governabilidade.

É mais: único partido paritário, todas suas estruturas são regidas por cotas: 50%, homens, 50%, mulheres. Emblema dessa feminização e fenômeno ímpar na história do Legislativo é Isabel Allende, filha de Salvador Allende, eleita presidenta do Senado.

Corrupção e maré baixa de popularidade

Michelle Bachelet não concorreu a um segundo mandato, pregando a revolução socialista com a expropriação radical do Capital e, sim, com a promessa de democratizar o Estado pinochetista e reduzir, não acabar com as igualdades sociais.

Desde que assumiu o governo, a direita e o centro conservador não lhe deram trégua com falsas denúncias, como a quebra do crescimento, escamoteando dados do próprio Banco Central, segundo o qual durante a gestão Sebastián Piñera o PIB caiu de 5,6% (2012) para 4,1% (2013), estabilizando-se, finalmente, em 1,8% (2014) e, acompanhando o lento reaquecimento da Economia global – cujos mercados tinham lançado ao fundo do poço os preços de commodities como o cobre e a fruticultura chilenos – o crescimento projetado para 2015 é de 2,7%.

Com a retomada do crescimento, reduz-se o desemprego (6,3%), e a inflação, que virtualmente dobrara entre 2012 (2,4%) e 2014 (4,4%), volta a recuar para 2,9%, devendo o Chile fechar 2015 com um desempenho econômico de razoável tamanho.

À esquerda observa-se que o governo só tem passado a mão na cabeça dos plutocratas, responsáveis pela evasão de 105,0 bilhões de dólares para as Ilhas Caimã – uma ressalva oportuna. Mas a​ponte-se um único governo, em escala global, que tenha conseguido “repatriar” o dinheiro sujo investido no tráfico de armas, drogas e outros negócios ilicitos, se o grande obstáculo é exatamente a prosmiscuidade entre os Estados e a banca.

Ironicamente, foi a promiscuidade que detonou o índice de popularidade da presidente socialista.

Entre o final de 2014 e o primeiro trimestre de 2015, o Chile foi sacudido pelo maior escândalo de sonegação fiscal e financiamento clandestino de partidos políticos (da direita) desde o fim do pinochetismo: o “Pentagate”, ou Caso Penta: La caja negra de las platas políticas.

Mediante o suborno de agentes do Servicio de Impuestos Internos (SII) e a emissão de centenas de notas e recibos, frios, para dezenas de políticos da UDI-Unión Democrática Independiente, de extrema-direita, o Grupo Penta – holding fundada em 1986 sob os auspícios da ditadura Pinochet, que administra carteiras de seguros, finanças, saúde privada, mercado imobiliário e educação, com ativos estimados em 30,0 bilhões de dólares – movimentou um esquema de defraudação do fisco chileno da ordem de 4,0 milhões de dólares – uma ninharia, se comparada ao Trensalão e ao Lava-Jato, brasileiros, mas, sempre guardadas as proporções, suficiente para derrubar ao nível do sopé os índices de confiança do eleitorado na casta política chilena. Justiça ágil, uma centena de envolvidos foram denunciados e os capos do Grupo Penta, Carlos Alberto Délano e Carlos Eugenio Lavín, presos.

Trama paralela.

Em fevereiro, a presidente Bachelet descansava em sua casa às margens do idílico Lago Caburgua, aos pés do majestoso e inquieto vulcão Villarrica, na Araucânia, e com ela, seu filho Sebastián Dávalos Bachelet e a nora, Natalia Compagnon, quando a 700 km dali, em Santiago, estourava o “caso Caval”.

Caval é o acrônimo de uma empresa de investimentos de propriedade da nora, Natalia Compagnon, e do filho Sebastián. Que em 2013 tentara negociar um empréstimo esquivalente a 10,0 milhões de dólares com o Banco de Chile, que lhe foi negado por falta de garantias e portifolio.

Menos de um ano depois, na semana entre 15 e 22/12/2013, Sebastián Dávalos – Chefe da Direção Sociocultural da Presidência da República, cargo equivalente a Secretário de Estado, para o qual fora nomeado pela mãe, sem concurso público – voltou à carga, reunindo-se com Andrónico Luksic Craig – o homem mais rico do país, dono do Banco de Chile -, conseguindo a imediata aprovação do empréstimo de 10,0 milhões de dólares para a empresa de sua esposa.

Garantias? Seu cargo de confiança e a reeleição de sua mãe, Michelle Bachelet, no domingo, 15/12/2013.

No território da opinião pública, o Chile tremeu: em perfeito sincronismo com uma errupção do Villarica, Dávalos renunciou ao cargo, humilhado, mas só após insistência da direção do PS, partido ao qual estava filiado.

Contas feitas, em menos de um mês, a empresa Caval – da nora e do filho da presidente – fez um negócio tão lucrativo que o chileno assalariado e vulgar mortal não conseguiria realizar nem em encarnações consecutivas: comprou terrenos para uma área destinada a condomínios de luxo por 6,0 milhões de dólares, os revendeu e lucrou 4,0 milhões de dólares.

Da noite para o dia – así de simple.

Poucos dias depois, a aprovação de Michelle Bachelet, já baixa (44%), despencou para 39%. Mas só depois que a presidente do Chile ousou afirmar que soubera do tráfico de influência “através da imprensa”; alegação que mais de 70% dos chilenos não lhe compra e não lhe perdoa.

Coração de mãe?

O Chile não consegue entender como o consentimento materno ao mais descarado tráfico de influências para a prática de negócios tão criticada nos adversários, batizados confessos da subcultura neoliberal do enriquecimento rápido, se coaduna com o combate às desigualdades sociais.

Conselho Anticorrupção

Correndo contra o tempo e as pesquisas desfavoráveis, no dia 11 de março, Michelle Bachelet nomeou um Conselho Assessor contra a Corrupção e o Tráfico de Influência na Esfera do Estado.

Integrado por 16 acadêmicos – economistas, juristas, cientistas políticos – e presidido pelo economista conservador, Eduardo Engel, a comissão de notáveis terá o prazo de 45 dias para entregar suas conclusões sobre como coibir e libertar o Estado do mal que o aflige desde os mais remotos tempos da ditadura – cujo protagonista, gen. Augusto Pinochet, comandou o Caso Riggs, com um desfalque de mais de 21,0 milhoes de dólares, deposiatdos em contas secretas no Banco Riggs – e assim subsidiar uma imperativa reforma, cuja urgência atropelou o roteiro de Bachelet.

Redação

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Os chilenos estão atrasados

    Os chilenos estão atrasados em matéria de corrupção….por enquanto estão fazendo tramoias com banqueiros (Luksic /CAVAL)…não entraram na era da compra de apoio dos partidos no Congresso  así de simple.

  2. A.diferença entre Chile e
    A.diferença entre Chile e Brasil é que lá os golpistas foram presos.
    Obviamente o sistema político funciona melhor sem o esgoto.

  3. Corrupção
    Amigos
     
    O que há de comum na corrupção? O capitalismo estúpidos!
    Ficamos nós aqui imaginando que só no Brasil há corrupção, como somos estúpidos!
    O capitalismo é o galinheiro, é a pocilga, é a fossa, é merda pra todo lado!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador