O direito ao trabalho da pessoa com deficiência, por Ana Claudia Figueiredo

A Câmara aprovou a MP do INSS, entenda como ela pode impactar na vida de pessoas com deficiência intelectual e metal, e quais são os direitos legais desse grupo

Por Ana Claudia Figueiredo

A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 871/2019 E O DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E MENTAL À PENSÃO

O direito ao exercício da capacidade jurídica e o direito ao trabalho, embora indiscutíveis para as pessoas em geral, não são assegurados, mesmo após a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), para parte das pessoas com deficiência, a saber, filhos e filhas com deficiência – intelectual e mental (ou psicossocial) – dos servidores públicos.

Isso porque as regras previdenciárias que regem esses servidores, constantes do Regime Próprio de Previdência Social – RPPS (Lei nº 8.112/90), não estabelecem para esses dependentes, como ocorre no Regime Geral de Previdência Social – RGPS (Lei nº 8.213/91), a inexigibilidade de termo de curatela (interdição) para a percepção da pensão e a possibilidade de recebimento concomitante de remuneração decorrente de trabalho e de pensão. Além disso, a Lei nº 8.112/90 prevê que a perda da qualidade de beneficiário da pensão, em se tratando de dependentes com deficiência intelectual ou mental “que o torne absoluta ou relativamente incapaz”, ocorre com o levantamento da interdição, o que conduz à interpretação de que essas pessoas precisam ser submetidas à curatela e de que não podem exercer uma atividade laboral.

Há quase uma década percebemos as desigualdades entre os direitos previdenciários assegurados no RGPS e no RPPS aos filhos e filhas com deficiência intelectual e mental. Essas desigualdades se tornaram ainda mais amplas por ocasião da conversão das Medidas Provisórias nºs 664/2015 e 676/2015, quando conseguimos avançar em relação ao direito à pensão dos dependentes com essas deficiências e com deficiência grave no contexto do RGPS, mas não obtivemos o mesmo êxito quanto aos dependentes com idênticos impedimentos no âmbito do RPPS.

Com o envio da Medida Provisória nº 871, de 2019, que trata do “Combate a irregularidades em benefícios previdenciários”, vislumbramos uma janela de oportunidade para concretizar os direitos constitucionais dessas pessoas ao trabalho e ao reconhecimento de igual capacidade perante a lei (CDPD, artigos 27 e 12) e para materializar o princípio da igualdade em relação aos dependentes desses dois regimes.

Apresentamos, então, à Senadora Mara Gabrilli minuta de emenda que incorporasse ao texto dessa MP dispositivos que assegurassem aos filhos e filhas com deficiência – intelectual e mental (ou psicossocial) – dos servidores públicos os mesmos direitos garantidos aos filhos e filhas dos trabalhadores da iniciativa privada em iguais condições. Propusemos, nessa minuta, a retirada das previsões de regulamento, referente à condição de beneficiário, e de levantamento da interdição, inexistentes no RGPS, bem como propusemos a inclusão, no RPPS, de regras já existentes no RGPS, a saber, as relativas à dependência presumida, à compatibilidade entre o recebimento de remuneração pelo trabalho da pessoa com deficiência intelectual, mental ou grave e o recebimento de pensão e, também, as relacionadas à inexigibilidade de apresentação, para requerimento de benefícios previdenciários, de termo de curatela de beneficiário com deficiência.

A emenda, produto da aludida minuta, foi protocolizada como Emenda Aditiva nº 448 e incorporada, tal como apresentada, ao texto final da Comissão Mista destinada a analisar a Medida Provisória nº 871, de 2019, por força da defesa da Senadora Mara Gabrilli e do acatamento da proposta por parte do Deputado Paulo Eduardo Martins, Relator, do Senador Izalci Lucas e dos demais componentes da Comissão Mista.

Essa MP foi aprovada no último dia 29, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, na forma do Projeto de Lei de Conversão nº 11/2019 ( assim denominado por ter sido alterado o texto original da Medida Provisória).

No dia seguinte, esse Projeto de Lei foi enviado ao Senado Federal, tendo a votação a seu respeito, pelo Plenário dessa Casa, sido marcada para o próximo dia 3, segunda-feira, último dia do prazo para a tramitação dessa MP no Congresso.

Embora o texto da Medida Provisória fosse muitíssimo prejudicial aos segurados do INSS e beneficiários de benefícios de prestação continuada (BPC) e contivesse dispositivos que ofendiam inclusive o princípio do devido processo legal, acabou sendo o veículo que encontramos para a concretização, como já dito, dos direitos ao trabalho e ao reconhecimento da capacidade jurídica dos dependentes com deficiência intelectual e psicossocial no âmbito do RPPS e, em última análise, para a concretização do princípio da igualdade relativamente a esses dependentes.

Assim como em outras situações em que buscamos modificações de normas legais, a participação da sociedade civil também contribuiu para a incorporação do texto da Emenda Aditiva nº 448 ao Relatório da Comissão Mista. A cada nova etapa da Medida Provisória, informávamos as associações e entidades vinculadas à defesa de direitos das pessoas com deficiência, especialmente as filiadas à Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, sobre cada resultado e os respectivos desdobramentos e encaminhávamos os textos que poderiam ser enviados por essas entidades aos parlamentares que atuariam na próxima fase. Esse movimento social gerou, acreditamos, alguma sensibilização que, até o momento, tem concorrido para a manutenção da mencionada incorporação.

Embora um pouco melhorado o texto original da Medida Provisória nº 871/2019, após a aprovação de emendas que buscaram suprimir ou modificar preceitos acentuadamente gravosos, o Projeto de Lei de Conversão nº 11/2019, além de dispositivos prejudiciais aos segurados do INSS e beneficiários do BPC, carrega agora também nosso sonho de concretização do direito dos dependentes com deficiência – intelectual e psicossocial – do RPPS, de não serem “interditados” para assegurar o recebimento de pensão e de exercerem o seu direito ao trabalho sem que, com isso, seja afastado o seu direito à pensão.

Resta-nos agora saber se o Projeto de Lei de Conversão nº 11/2019 será votado no Plenário do Senado na próxima segunda, 3, seguindo na sequência para sanção presidencial, ou se perderá a vigência, o que significaria um alívio para segurados do INSS e beneficiários do BPC e imporia para o movimento que defende os direitos de pessoas com deficiência intelectual e psicossocial mais um recomeçar em busca de materialização de direitos humanos fundamentais para essa parcela das pessoas com deficiência.

Infelizmente, qualquer que seja o encaminhamento dado a esse Projeto (perda de vigência ou aprovação) resultará em prejuízo para um desses grupos.
Logo saberemos o desfecho dessa questão ….

*Ana Claudia Figueiredo é advogada e Coordenadora do Comitê Jurídico da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down

Redação

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