Por José Eduardo Agualusa
Jair acordou a meio da noite. Mandara colocar uma cama dentro do closet e era ali que dormia. Durante o dia tirava a cama, instalava uma secretária e recebia os filhos, os ministros e os assessores militares mais próximos.
Alguns estranhavam. Entravam tensos e desconfiados no armário, esforçando-se para que os seus gestos não traíssem nenhum nervosismo. Interrogado a respeito pela Folha de São Paulo, o deputado Major Olimpio, que chegou a ser muito próximo de Jair, tentou brincar: “Não estou sabendo, mas não vou entrar em armário nenhum. Isso não é hétero.” Michelle, que também se recusava a entrar no armário, fosse de dia ou de noite, optou por dormir num outro quarto do Palácio da Alvorada.
Aliás, o edifício já não se chamava mais Palácio da Alvorada. Jair oficializara a mudança de nome: “Alvorada é coisa de comunista!” — Esbravejara: “Certamente foi ideia desse Niemeyer, um esquerdopata sem vergonha.”
O edifício passara então a chamar-se Palácio do Crepúsculo. O Presidente tinha certa dificuldade em pronunciar a palavra, umas vezes saía-lhe grupúsculo, outras prepúcio, mas achava-a sólida, máscula, marcial. Ninguém se opôs.
Naquela noite, pois, Jair Messias Bolsonaro despertou dentro de um closet, no Palácio do Crepúsculo, com uma gargalhada escura rompendo das sombras. Sentou-se na cama e com as mãos trêmulas procurou a glock 19, que sempre deixava sob o travesseiro.
— Largue a pistola, não vale a pena!
A voz era rouca, trocista, com um leve sotaque baiano. Jair segurou a glock com ambas as mãos, apontando-a para o intenso abismo à sua frente:
— Quem está aí?
Viu então surgir um imenso veado albino, com uma armação incandescente e uns largos olhos vermelhos, que se fixaram nos dele como uma condenação. Jair fechou os olhos. Malditos pesadelos.
Vinha tendo pesadelos há meses, embora fosse a primeira vez que lhe aparecia um veado com os cornos em brasa. Voltou a abrir os olhos. O veado desaparecera. Agora estava um índio velho à sua frente, com os mesmos olhos vermelhos e acusadores:
— Porra! Quem é você?
— Tenho muitos nomes. — Disse o velho. — Mas pode me chamar Anhangá.
— Você não é real!
— Não?
— Não! É a porra de um sonho! Um sonho mau!
O índio sorriu. Era um sorriso bonito, porém nada tranquilizador. Havia tristeza nele. Mas também ira. Uma luz escura escapava-lhe pelas comissuras dos lábios:
— Em todo o caso, sou seu sonho mau. Vim para levar você.
— Levar para onde, ô paraíba? Não saio daqui, não vou para lugar nenhum.
— Vou levar você para a floresta.
— Já entendi. Michelle me explicou esse negócio dos pesadelos. Você é meu inconsciente querendo me sacanear. Quer saber mesmo o que acho da Amazónia?! Quero que aquela merda arda toda! Aquilo é só árvore inútil, não tem serventia. Mas no subsolo há muito nióbio. Você sabe o que é nióbio? Não sabe porque você é índio, e índio é burro, é preguiçoso. O pessoal faz cordãozinho de nióbio. As vantagens em relação ao ouro são as cores, e não tem reacção alérgica. Nióbio é muito mais valioso que o ouro.
O índio sacudiu a cabeça, e agora já não era um índio, não era um veado — era uma onça enfurecida, lançando-se contra o presidente:
— Acabou!
Anhangá colocou um laço no pescoço de Jair, e no instante seguinte estavam ambos sobre uma pedra larga, cercados pelo alto clamor da floresta em chamas. Jair ergueu-se, aterrorizado, os piscos olhos incrédulos, enquanto o incêndio avançava sobre a pedra:
— Você não pode me deixar aqui. Sou o presidente do Brasil!
— Era. — Rugiu Anhangá, e foi-se embora.
Na manhã seguinte, o ajudante de ordens entrou no closet e não encontrou o presidente. Não havia sinais dele. “Cheira a onça”, assegurou um capitão, que nascera e crescera numa fazenda do Pantanal. Ninguém o levou a sério.
Ao saber do misterioso desaparecimento do marido, Michelle soltou um fundo suspiro de alívio.
Os generais soltaram um fundo suspiro de alívio. Os políticos (quase todos) soltaram um fundo suspiro de alívio.
Os artistas e escritores soltaram um fundo suspiro de alívio. Os gramáticos e outros zeladores do idioma, na solidão dos respetivos escritórios, soltaram um fundo suspiro de alívio.
Os cientistas soltaram um fundo suspiro de alívio. Os grandes fazendeiros soltaram um fundo suspiro de alívio.
Os pobres, nos morros do Rio de Janeiro, nas ruas cruéis de São Paulo, nas palafitas do Recife, soltaram um fundo suspiro de alívio.
As mães de santo, nos terreiros, soltaram um fundo suspiro de alívio.
Os gays, em toda a parte, soltaram um fundo suspiro de alívio.
Os índios, nas florestas, soltaram um fundo suspiro de alívio.
As aves, nas matas, e os peixes, nos rios e no mar, soltaram um fundo suspiro de alívio.
O Brasil, enfim, soltou um fundo suspiro de alívio — e a vida recomeçou, como se nunca, à superfície do planeta Terra, tivesse existido uma doença chamada Jair Messias Bolsonaro.
Publicado originalmente na revista “Visão” de Portugal. Reproduzido no blog do Juca Kfouri.
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No começo do texto eu pensei: será que o homem se foi? Porque se assim fosse eu soltaria um fundo suspiro de alívio.
Esta crônica genial está bombando nas redes sociais. A maioria da nação quer soltar um suspiro de alívio.
Nassif: anote o recado. Não adianta tirar o Jair. Ele não é a causa. E essa você conhece, melhor que muitos de nós. Ele é simples consequência, o Messias enviado para implantar o reino de Satã. E que está indo muito bem. Na limpeza da eira, desta vez, tem que ser “cabelo e barba”. Senão, vai-se a mosca, mas a merda, como agora, continuará a mesma.
O feliz não início de José Eduardo Agualusa.
Usou drogas pra escrever essa baboseira?
Muito bom! Suspirei!
?????? Muito bom. Como gostaria que fosse realidade, mas fiquei aliviada e esperançosa só de ler esse conto
Seu comentário revela seu mal caráter de idiota útil
na torcida para que esse sonho se realize…
Ah…
Vocês deveriam ajudar o Bolsonaro a ajudar o Brasil.ao invés de incitar o ódio.
Minion nunca leu literatura mesmo, hahahahah.
Como todo bolsonarista hipócrita e covarde, vocês são os incentivadores do ódio, nem ele é muito menos vcs tem qq intenção em ajudar o Brasil mas sim em destruir e covardes porque escondem o nome e o rosto de vergonha e medo de serem reconhecidos como os imbecis que são, incapazes de argumentar ou debater de achar todo texto crítico ao Tenete como um atentado ao Brasil. IDIOTAS!!!!!!
Incrível ninguém comenta essa bela ficção então deixa eu fazer meu comentário:
Que bosta!
Que Mérda não sou JAIR mas você é um retardado
Quanta bobagem!
Perdi tempo lendo essa porcaria
Por favor pare de escrever , para a saúde mental dos humanos
Da pra VOCÊ pular na privada e da a descarga
EXCELENTE :”O TRISTE FIM DE UMA DOENÇA CHAMADA JAIR BOZO”;DÁ UM SENHOR PANFLETO ….ANTOLÓGICO!!!!!!!!!!!!!!!
“O Brasil soltou um suspiro de alívio “ escreve o idiota que esquece que 57% do Brasil elegeu Bolsonaro.
57% dos votos válidos.
Se é pra falar de porcentagem, vamos falar do índice de aprovação dele?
Hahahahah.
Acorda, gado.
Dom Casmurro, então fala o tanto que foi roubado …
Estou com esse fundo suspiro de alívio preso na garganta. Esperançoso de poder soltá-lo em breve.
Compartilho esse sentimento! Espero soltar esse suspiro de alívio.
Existem coisas mais sérias para publicar, mas vem de um sujeito que gosta de fazer arte com porcaria em vez de falar sobre coisas sérias que acontecem neste país como o assassinato de uma criança no Rio com um tiro de fuzil pelas costas. A esquerda Brasileira perdeu a noção do que pode fazer por este povo sofrido. Vai levar décadas para aprender a ser oposição pois perdeu o diálogo com o povo sendo sua única aposta Lula que sabe-se lá se vai sair de onde está com vida.
Um texto de um escritor de talento, o Agualusa.
Sensacional! Um texto maravilhoso. Descreve de forma muito criativa os pesadelos com que terá de conviver o dirigente do desgoverno neste “planeta” chamado Brasil.
Muito bom! Como seria bom.se nao fosse apenas ficção. Mas amanhã vai ser outro dia, há de ser!
Não pode nem ficcionalizar que os Minions ficam nervosos. Hahahaha
Fiquem calmos, é só literatura, e ela não faz mal a ninguém.
Salve, Agualusa. Obrigado por nos dar esperança.
Engraçado é Minion achando que literatura é como as merdas que consome. Literatura não está a serviço do nosso gosto. Pra isso existem as novelas e o sertanejo universitário que vocês ouvem.
http://insensatanau.blogspot.com/2019/07/as-divindades-sequestradas.html
Sensacional nuno gonçalves, nuno g. contundente, ´muito bom escritor, genial.