Pequenos atos de solidariedade que fazem a diferença

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de Vânia

Da Carta Capital

Façamos pouco pelos moradores de rua

Às vezes estão lendo um desses jornais distribuídos gratuitamente na rua (sim, eles querem saber o que rola no mundo). Às vezes ganham um café quente de moradores ou transeuntes
por Fabiana Motroni 

Bom dia pra você que amanheceu de mau humor porque está fazendo 15 graus em plena primavera paulistana.

A Taísa, o Tiago e o seu Francisco também amanheceram nessa mesma São Paulo. Eles são meus vizinhos aqui na Paulista, mas, diferente de mim, não dormem dentro de um apê quentinho. Eles dormem ao relento numa esquina, na frente de um Mc Donald’s. São moradores de rua na avenida mais importante da cidade.

Mesmo assim, toda manhã, não importa se quente ou fria, eles acordam de bom humor. Sorriem pra mim, me dão bom dia, e fazem festa com o Bob, meu cachorro. Às vezes estão lendo um desses jornais distribuídos gratuitamente na rua (sim, eles lêem e querem saber o que rola no mundo). Às vezes ganham um café quente de moradores ou transeuntes (sim, eles tomam café da manhã). Mas às vezes só estão olhando para as milhares de pessoas que andam pela avenida, contabilizando quantas delas os enxergarão de verdade, quantas os olharão como se fossem apenas paisagem (sim, eles existem, e sentem).

Quando paro pra conversar com eles, algumas dessas pessoas me olham, incomodadas. Tanto as que vão e vem, quanto as que trabalham nos prédios ao lado. Incomodadas por eu atravessar a faixa imaginária que separa esses moradores de rua da sua humanidade, diariamente negada, faixa metafórica e conveniente que separa pessoas por suas supostas relevâncias humanas. Incomodadas porque se eu falo com um morador de rua, é porque ele é visível, então o incomodado se sente despido na sua farsa do não-enxergamento.

Me lembro de uma entrevista que eu dei tempos atrás ao lado de um grupo de ativistas contra o sexismo na mídia, do qual faço parte, na qual o jornalista nos perguntava porque o ‘militante’ incomoda tanto. “Porque a gente obriga algumas pessoas a se repensarem, a reverem suas posições, saírem da inércia, e mudar incomoda… porque a gente insiste em lembrar de coisas que todo mundo tenta desesperadamente esquecer, mas que todos sabem, no fundo, que são as coisas certas a serem feitas.”

É muita coisa a ser feita pra mudar a situação de moradores de rua — ou ‘pessoas em situação de rua’, como são eufemisticamente classificados. E já tem muita gente boa, tanto na sociedade civil organizada quanto no governo, agindo para mudar isso, trabalhando em soluções a médio e longo prazo. Podemos nos juntar a elas. Mas individualmente também podemos fazer um pouco. Podemos ao menos reconhecer as suas existências, respeitar suas presenças no local que ficam ou dormem, tratá-los com afeto, saber seus nomes, ajudá-los pontualmente quando possível.

Isso é muito pouco e muito fácil de ser feito por quem tem onde dormir todo dia. Mas é muito, muito, para a auto-estima e a dignidade da Taísa, do Tiago e do seu Francisco. É o suficiente para fazê-los acreditar em mudanças e em dias menos frios. E é o bastante para fazê-los sorrir todo dia.

Façamos pouco.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Na contramão

    Bradesco ocupa calçada com pedras pontiagudas para evitar mendigos

    Bradesco resolve “jogar duro” com mendigos e ocupa calçada com pedras pontiagudas. Medida também prejudica trânsito de idosos, cadeirantes e pessoas com problemas de acessibilidade

    bradesco pedras calçada

    A direção da agência Bradesco Parque 10, Conjunto Castelo Branco, zona centro sul de Manaus, tomou uma medida drástica para acabar com o “conforto” dos mendigos que se abrigavam em frente à agência durante a noite. Colocaram pedras pontiagudas em toda a extensão da calçada da agência bancária.

    As pedras foram colocadas num espaçamento menor do que vinte centímetros. Ou seja, o trânsito dos clientes da agência também está prejudicado. Idosos, cadeirantes e pessoas com problemas de acessibilidade também sofrem com a medida tomada pelo Bradesco em Manaus.

    Pablo, um morador de rua que dormia no local, estava triste e resumiu a situação com uma frase: “eles querem que a gente se f…”, disse o mendigo, em entrevista ao Portal do Holanda. A calçada, com sombra o dia todo, agora é privilégio das pedras e não das pessoas.

    O lucro líquido do Bradesco no ano passado foi o maior já registrado na história do banco e o 4º maior do setor no país.

    bradesco calçada pedras(Foto: Portal Holanda)

    http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/10/bradesco-ocupa-calcada-pedras-pontiagudas-evitar-mendigos.html

  2. Gentiliza gera gentileza

    Que texto emocionante!

    Faz repensar de quão o ser humano é rotulista e quanto precisa evoluir nesta curta existência.

    Ainda bem que existe muita gente boa por aí, precisamos nos contagiar com estas ações solidárias para construímos uma sociedade mais harmoniosa.

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