Videla, o símbolo da ditadura militar argentina

Jorge Rafael Videla, ex-ditador argentino, falecido esta manhã na cadeia de Marcos Perez, na província de Buenos Aires, foi um dos mais sanguinários ditadores latino-americanos, num período em que a democracia da região foi desfigurada por golpes militares. O golpe de março de 1976 na Argentina, que derrubou a presidente Isabelita Perón, implantou um regime que se estendeu até 1983. Nos seus cinco primeiros anos esteve sob o comando de Videla, que era anteriormente ministro do Exército de Isabelita. Seu período no comando do governo fez dele “um dos personagens mais nefastos da história argentina”, nas palavras do historiador Felipe Pigna.   

Condenado a várias prisões perpétuas por crimes de lesa humanidade, declarou-se “preso político” ao se negar a depor no julgamento da operação Condor. O ex-militar afirmou que os delitos pelos quais era julgado, cometidos durante a cooperação repressiva entre as ditaduras da região, já haviam sido julgados em 1985. Lendo lentamente um memorando durante dez minutos, Jorge Videla assumiu “integralmente” a responsabilidade dos delitos cometidos por seus subordinados durante a “guerra antiterrorista”.

Videla

Assim era Videla, um homem que nunca se arrependeu de nada, e sempre reivindicou sua atuação. Quando recebeu, em julho de 2012, a notícia de que suas sentenças foram unificadas em uma única prisão perpétua, ele se levantou encurvado, estendeu as mãos para que o algemassem e voltou para sua cela.

Nascido em 2 de agosto de 1925, em Mercedes, Videla iniciou sua carreira militar no exército em 1942. Em 1975, a então presidenta de Argentina, Isabel Perón, o nomeou comandante do Exército e decretou que as Forças Armadas aniquilariam a “subversão”, referindo-se às guerrilhas que surgiram inclusive dentro do peronismo e da própria direita. Videla e os comandantes da Marinha e da Força Aérea derrubaram a viúva de Juan Domingo Perón em 1976 para implantar, então, o terrorismo de Estado.

Ditadura

Durante todo o período da última ditadura militar da Argentina (1976-1983), que contou com o forte apoio do poder econômico do país, desapareceram 30 mil pessoas, de acordo com diversas organizações de defesa dos direitos humanos – o correspondente a 1% da população argentina da época. Muitas delas, depois de torturas, foram jogadas nos “voos da morte” ao Rio de la Plata, ou ao mar. Outros acabariam fuzilados. Milhares tiveram que se exilar ou foram sequestrados, torturados e depois liberados. Além disso, 400 bebês que nasceram durante o cativeiro de suas mães foram roubados e entregues a militares ou a pessoas que apoiavam o regime. Precisamente por esse crime Videla foi condenado a 50 anos de prisão em 2012, porque a justiça considerou que ele foi o responsável por um plano sistemático de roubo de crianças.

Nos tempos de Videla, a política econômica incluiu o fechamento de sindicatos, a deterioração dos salários e o fomento da especulação financeira, a liberalização comercial e o endividamento público. Parte desse passivo decorreu da decisão do governo de sediar o Mundial de Futebol de 1978.

Volta da democracia

Quando voltou a democracia, em 1983, o governo do radical Raúl Alfonsín impulsionou os julgamentos contra a cúpula da ditadura recém derrubada. Videla foi condenado pela primeira vez à prisão perpétua em 1985, por dirigir a repressão ilegal no seu governo. Em 1990, o então presidente Carlos Menem, um peronista que permaneceu durante muitos anos preso durante a ditadura, indultou os militares condenados e também os líderes guerrilheiros da década de 70.

Nos anos 90, o juiz espanhol Baltasar Garzón reiniciou as investigações contra Videla na Espanha, partindo do princípio de que não há prescrição de crimes contra a humanidade. Em 2003, com a chegada do peronista Néstor Kirchner à Presidência da Argentina, foi declarada a inconstitucionalidade dos indultos de Menem. Em 2010, o ex-ditador foi condenado outra vez à prisão perpétua por crimes cometidos na província de Córdoba. Além disso, ele teve que responder uma longa lista de acusações, entre elas a de ter participado, como governante, do acordo de cooperação entre os regimes militares da América Latina, nos anos 70 e 80, para a eliminação de adversários nos países vizinhos – uma operação batizada de Condor, a ave que é o símbolo do Chile, país naquela época governado pelo também sanguinário Augusto Pinochet.

Videla estava preso em uma seção de condenados por delitos de lesa humanidade na cadeia de Marcos Paz, cuja unidade hospitalar, que tinha condições de atendê-lo, o impediu de usufruir o direito a prisão domiciliar, garantido pela legislação argentina aos maiores de 70 anos.

Repercussões de sua morte

O secretário de Direitos Humanos da Argentina, Martín Fresneda, afirmou a uma rádio local que está orgulhoso “de que a Argentina tenha conseguido prendê-lo com justiça antes que fosse a outro lugar. O governo argentino não comemora a morte de ninguém, mas o fato de ter feito Justiça”.

O vencedor do premio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, o qualificou como “um homem que passou pela vida causando muito dano e traiu os valores de todo um país”. No entanto, o dirigente de Direitos Humanos afirmou que não se alegra “com a morte de ninguém”.

O Exército argentino se recusou a comentar o assunto.

Redação

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