Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Estudo explica quase um século de desigualdade no Brasil, por Rui Daher

Para esclarecer alguns sábios ou porta-vozes de interesses inconfessos da Federação de Corporações, felizmente, sempre aparecerá alguém que saiba desenhar, diferente de mim. Refiro-me à coluna de CartaCapital, reproduzida em meu blog neste GGN, “O acordo de elites trava o País” (19/12/2015).

O País é o Brasil não apenas em aspectos meramente macroeconômicos, mas o do bem-estar e desigualdade de seus residentes. Se dúvidas persistirem, o filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) e o economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) deixaram isso bem desenhado.

O desenhista que me ajuda, hoje, é o economista Pedro H. G. F de Souza, que orientado por Marcelo Medeiros, ambos do IPEA e da UnB, produziu o estudo Top Income Shares and Inequality (Renda do topo e desigualdade). http://diagramaeditorial.com.br/sid/index.php/sid/article/view/2

Tudo começa na falta de preguiça de Pedro e Marcelo em pesquisar assunto discutido há quase meio século. Internaram-se em bibliotecas fazendárias, a colher dados tributários, e construíram uma curva que mostra a participação na renda do 1% mais rico da população, no período 1928-2012.

Descobrem que após cair drasticamente entre 1942 e 1963, a desigualdade volta a subir a partir do golpe civil-militar de 1964. Vale dizer, mais um “Apesar de Você” da ditadura.

Os métodos usados pelos autores são próximos dos considerados por Thomas Piketty, para EUA e França. De 1976 até aqui, no Brasil, a desigualdade teve medição parcial através do PNAD, que mal captava a riqueza em bens patrimoniais, heranças e, principalmente, ganhos de capital.

Faço aqui um parêntese e justiça com o jornalista Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, que no período em que vibrávamos com a queda da desigualdade entre os 90%, ele reclamava os fatores acima, não observados.

Quando em determinado país é óbvia a existência de concentração de renda, é na fração mais rica (1%) da população que melhor se observam os movimentos de subida ou queda da desigualdade. No Brasil, o aumento persiste desde 1928 e, em 2012, esse grupo (idade acima de 20 anos) teve renda média estimada em R$ 552,9 mil anuais.

O gráfico, baseado na fração (%) de renda recebido pelo 1% mais rico, impressiona. Entre 1927 e o pico em 1942, a aquisição sai de 10% para quase 24%. A partir daí entra em descendência até os 6%, em 1963. O grande salto para cima começa exatamente em 1964, até em 1975 voltar ao mesmo nível de 1950, 16%.

Fazia-se o “bolo crescer”, nunca dividido para além dos que detêm entre metade e dois terços do PIB, em 84 anos um denominador fixo de 67%, definido pelos autores.

Assim, mais do que o aumento de emprego, renda do trabalhador e programas assistencialistas, que, reconheça-se, promoveram e deveriam continuar promovendo melhora nas condições de vida e inserção social nos 90% mais pobres, isso não significa queda na desigualdade.

Essa virá em medidas que intervenham nos ganhos do 1% mais rico. Progressividade tributária, combate à evasão de divisas, maior foco em redistribuição, educação e aparelhos socializados e, principalmente, draconiana ação regulatória sobre os ganhos financeiros.

Se o estudo de Pedro e Marcelo cair nas mãos de um historiador bom desenhista, ele perceberá entre 1927 e 1942 os efeitos do modelo exportador agrícola em bases feudais; depois, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o processo de industrialização acompanhado de reformas trabalhistas e sócias conduzido por Getúlio Vargas; enfim, a volta do modelo concentrador originado na vitória do golpe civil-militar que visava paralisar medidas que aprofundassem a queda na apropriação do 1% mais rico.

A partir de 1980, com o engodo da globalização e a supremacia dos mercados financeiros hegemônicos, virou tudo qualquer nota. No bolso do 1% mais rico.

Trava ou não trava o País, quando nele estão incluídos os pobres?

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

22 Comentários

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  1. ”’Refiro-me à coluna

    ”’Refiro-me à coluna de CartaCapital, reproduzida em meu blog neste GGN, “O acordo de elites trava o País” (19/12/2015).”

      É muito complicado seguir os conceitos da revista Carta Capital.

     Sendo generoso,muito generoso,pra dizer o mínimo, é arcaica.

       A velocidade do mundo é espacial, e da Carta Capital é de patinete.

         Por isso que comparações são impossíveis.

             ps: Mino Carta deve ser o único jornalista do planeta que ainda escreve em máquina de escrever.

                Sintetiza tudo .Não preciso acrescentar mais nada.

  2. Tradução do arquivo

    Será que já existe esse material em Português? Pensei em traduzi-lo para partilhar com alguns amigos, mas encontrá-lo pronto, obviamente, me pouparia desse trabalho. Grato.

    1. Nahum,

      o texto é de brasileiros. Entre no link de meu artigo ou nos sites do IPEA e UnB. Confirmo: é um achado no assunto, Todos nós sabemos, com exceção de alguns aqui, que a desigualdade não vem apenas da renda do trabalho. Abraços

  3. Não se pode dividir o que não tem existência material

    A ideia de reduzir o índice de desigualdade brasileira “dividindo o bolo” parece óbvia, mas assenta-se em uma concepção simplória do conceito de riqueza, a qual é vista como sendo uma coisa pré-existente, tangível, que não é criada nem destruída, só repartida de várias formas, assim como uma pizza em uma bandeja, onde quem pega uma fatia grande para si deixa fatias pequenas para os outros.

    Riqueza é algo muito mais complexo do que uma pizza, e pode nem ter existência material. Por exemplo, como se divide uma consulta médica em trinta partes iguais? Para o pobre, só importa aquilo que ele pode efetivamente consumir em sua pessoa física, ou em outras palavras, a riqueza absoluta, e não a relativa. Essa última é apenas uma curiosidade estatística, e um aumento na concentração de renda não é uma coisa intrinsecamente má, a menos que você continue com o modelo da pizza na cabeça e assuma que quando os ricos se tornam mais ricos, os pobres necessariamente se tornam mais pobres. Não é o que acontece na realidade. É comum que em periodos de rápida expansão da economia ocorra um aumento na concentração de renda, mas em termos absolutos, tanto os ricos quanto os pobres estão aumentando sua quantidade de renda. Se a renda dos ricos aumenta mais rápido, isso é normal: ganhar dinheiro é mais fácil para quem já tem dinheiro, assim como um atleta anda mais rápido que uma pessoa comum.

    Quem acha que para diminuir a concentração de renda basta taxar os mais ricos, com certeza acredita que o dinheiro dos ricos está debaixo da cama, prontinho para ser confiscado e transformado em escolas, estradas e hospitais. Acontece que o dinheiro dos ricos está aplicado de várias maneiras, e quem confisca esse dinheiro joga na pobreza todos aqueles que dependem direta ou indiretamenteda forma como esse dinheiro está aplicado. É preciso ser muito ingênuo para acreditar que a população será beneficiada se a riqueza existente for tirada das mãos de quem sabe montar empresas e gerar oportunidades, e passada para as mãos de políticos que só sabem dar emprego a parentes e contratar empresas de compadres.

    Quando neles serão incluídos os pobres? Quando a economia crescer e os pobres tiverem mais oportunidade de trabalhar e melhorar sua renda. Se esta renda será 10% ou 1% da renda total do país, isso continuará a ser apenas uma curiosidade estatística.

    1. Prezado,

      o que compra alimentos de maior valor agregado, induz a melhor educação e saúde se não a diminuição da desigualdade. Voc~e acha isso imaterial? Te diria que é pizza, sim. Shitake ou mozzarella? 

      “Riqueza existente for tirada das mãos de quem sabe montar empresas e gerar oportunidades”. Quem nega não ser esse o caminho? Aqui se constata realidade secular. Já trabalhou com patrões tão edificantes, empresas tão socializáveis? Parabéns! Há décadas elas desapareceram. Leia o estudo a fundo. É inquestionável, mas nesta época, quem sabe Papai Noel mude tal status.

      1. O absoluto e o relativo

        O que compra alimentos de maior valor agregado, induz a melhor educação e saúde é o aumento da renda em termos absolutos, e não relativos. Para o pobre, importa o que ele efetivamente consome, e não a curiosidade estatística de saber que aquele total corresponde a 10% ou a 1% da renda total do país. Julgar que o relativo é mais importante que o absoluto é um engodo em matéria de planejamento, e pior, pode servir de desculpa esfarrapada para a incapacidade de fazer a economia crescer – quantos populistas já não vieram com aquela de que dividir o bolo é mais importante do que crescer o bolo? Esquecem-se que só pode ser dividido aquilo que já foi criado. Empobrecer os ricos não enriquece os pobres.

        Os patrões edificantes não desapareceram. Eles estão nos demais países emergentes, fazendo crescer a economia e gerando oportunidades para a população inteira, ainda que o propósito deles seja apenas enriquecer a si próprios e suas famílias, tal como qualquer patrão no mundo. São eles os donos das empresas que produzem dos celulares que você usa até os guindastes do porto de Santos, passando por plataforma petrolíferas. Já ouviu falar de Samsung, LG, Kia, JAC?

        Quando será que finalmente deixaremos para trás utopias fuleiras dos anos sessenta e adotaremos o modelo dos demais países emergentes, que antigamente eram mais pobres do que nós, e hoje nos fazem comer poeira?

    1. Só faltava, Jorge

      entre no link e leia o estudo completo. Se for assinante, dia desses o Valor publicou matéria a respeito. Aí não tem nada de confuso, a desigualdade caía até o ano do golpe, pô, e depois não parou mais, porque o referido estudo, incluiu os ganhos patrimoniais na conta. Quer dizer, pra você, precisa mais que desenhar.

      1. Daher

        Lembra dos desenhos do Picasso. Aquilo ali é “mais que desenhar”.

        Às vezes, eu preciso do “mais que desenhar”

        Não havia percebido o link do estudo completo.

        Irei lá.

        Grato.

  4. heranças da sociedade escravocrata

    rui, triste ambas,  minha família e a empregada doméstica (a ideologia compartilhada por ambas), os eufemismos de secretária, a trabalhadora que estranha muito (e suspeita de assédio ) se a gente trata de modo humano. Uso desktop e digito rápido, desconte as falhas.

    ao pessoal: O HOMEM CORDIAL – os equívocos do senso comum – e a intelectualidade brasileira imitadora, o pai do chico deita e rola nos últimos capítulos – (gostoso de ler)

    http://www.usp.br/cje/anexos/pierre/holanda_sergio_buarque_raizes_do_brasil.pdf#page=1&zoom=auto,-192,111

  5. taí o caminho das pedras pra

    taí o caminho das pedras pra quem quiser se aprofundar nessa

    questão vital (ou de morte?) da desigualdade social no brasil…

    por falar em clóvis rossi, ele falou algo correto, mas à época,

    parecia querer criticar o governo popular e não explicar

    um processo histórico.

    pelo menos não percebia isto nos textos dele.

  6. o governo militar acabou em

    o governo militar acabou em 1985. depois o governo federal retornou para os civis. nesse periodo houve concentração de renda. e não acabou no periodo seguinte, com a globalização. é estranho isso. o governo militar acabou em 1985 e a globalização da economia, começa na decada de 1980, quero dizer, a que prioriza o capital financeiro.

    1. Prezada Rita,

      creio que na 1ª fase da concentração, ela veio com a industrialização para o processo de substituição de importações e depois enganchou na globalização do sistema financeiro. Gente muito melhor do que eu poderá aprofundar a questão, mas a origem já está montada com esse estudo. Diz aí, Nassif e historiadores. 

  7. Seja o governo civil ou

    Seja o governo civil ou militar, nossos problemas NUNCA VÃO SER RESOLVIDOS SE continuar tendo um excesso de intervencionismo estatal na economia. Como podemos ver isso “daqui de baixo”? é simples: PELA  OBSCENA CARGA TRIBUTÁRIA ATIRADA NAS COSTAS DO CONTRIBUINTE. O brasileiro trabalha quase meio ano só para pagar tributos aos governos municipais, estaduais e federal. As empresas são “enforcadas” geram menos emprego; o povo é enforcado e paga preços proibitivos por tudo (exemplo: para tirar uma CNH o brasileiro precisa desenbolsar dois salarios minimos) Sem falar das empresas que fecham por conta da pesada carga de impostos e deixam centenas de pessoas na rua… SE HOUVESSE MENOS ESTADO (menores impostos) HAVERIA MAIS EMPRESAS, mais EMPREGOS, talvez maiores salários, UM MAIOR CONSUMO, e consequente MAIOR PRODUÇÃO logo, haveria MAIOR IGUALDADE. Distribuir bolsa merreca só vai aumentar a dependencia de milhoes de pessoas à miséria. Tem que investir, empregar, produzir…

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