Medindo e implementando o progresso social no território: o caso do Rio de Janeiro, por Rodrigo Medeiros

Aqui, o Estado de bem-estar social teve início tardio, após anos de ditadura, sendo parcialmente implementado a partir da Constituição de 88

Agência Brasil

Medindo e implementando o progresso social no território: o caso do Rio de Janeiro

por Rodrigo Medeiros

O título deste texto é o mesmo do artigo acadêmico que escrevi com Eduarda La Rocque e Ana Clara Raft, e que foi recentemente publicado na Revista Interdisciplinar de Pesquisas Aplicadas (Rinterpap). Farei aqui um breve resumo do artigo em questão (https://journals.sespted.org/rinterpap/article/view/80/50).

A perspectiva metodológica do Índice de Progresso Social (IPS) é o destaque do artigo, que avalia criticamente como ela pode embasar políticas públicas democráticas e inclusivas, que sejam niveladoras de bem-estar social no território. O IPS representa a medida que avalia o bem-estar social e o progresso de uma sociedade em um território, indo além do Produto Interno Bruto (PIB) ou de indicadores econômicos tradicionais. Ele é capaz de medir e comparar o desempenho social e de qualidade de vida de diferentes regiões e países. O estudo de caso da cidade do Rio de Janeiro é apresentado no artigo, de forma a ressaltar as dificuldades de implementação de políticas públicas niveladoras de bem-estar social no território. Aspectos históricos e estruturais importam, porém eles não nos condenam eternamente. Investir no capital social é a linha de ação transformadora prevista na literatura acadêmica.

Enquanto o PIB é frequentemente utilizado como um indicador principal do sucesso de um país, o IPS reconhece que o progresso não pode ser resumido apenas por indicadores econômicos. O “progresso social” pode ser definido como a capacidade de uma sociedade satisfazer suas necessidades básicas para a vida de cada cidadão, de forma que as comunidades possam crescer e desenvolver-se de forma sustentável e criando condições para que os indivíduos alcancem o seu potencial.

O IPS se concentra em avaliar uma ampla gama de fatores que afetam a qualidade de vida das pessoas, incluindo saúde, educação, segurança, oportunidades econômicas, direitos individuais e muito mais. Ele oferece uma abordagem holística e equilibrada para avaliar o progresso de uma sociedade, reconhecendo que o crescimento econômico por si só não é suficiente para garantir uma vida satisfatória para todos os cidadãos. Ao considerar uma ampla variedade de indicadores em áreas-chave da vida, como saúde, educação, bem-estar ambiental, igualdade de gênero e inclusão social, o IPS fornece uma visão mais completa e precisa da qualidade de vida em um território.

Além disso, o IPS é uma metodologia valiosa para orientar as políticas governamentais e estratégias de desenvolvimento, direcionando recursos para áreas e regiões onde as necessidades são mais prementes. Ele é uma importante referência para a sociedade civil, organizações não governamentais e empresas que desejam contribuir para o progresso social em um território.

No Brasil, o Estado de bem-estar social teve o seu início tardio, após vinte e um anos de ditadura militar, sendo parcialmente implementado a partir da Constituição Federal de 1988, quando se buscou assegurar direitos sociais universais, tais como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, além da assistência aos desamparados. Entretanto, a tentativa política de consolidação social-democrática ocorreu em um período de crise financeira e alta inflacionária em toda a América Latina, que esteve sob as recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI). Reformas institucionais, estruturalmente regressivas, têm sido feitas desde então sem que tenha ocorrido uma transformação estrutural progressiva da economia regional.

Para o artigo, utilizamos a base de dados do Instituto Pereira Passos, órgão da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, para analisar as desigualdades entre os bairros da cidade do Rio de Janeiro, de forma a avaliar criticamente quais são as principais dificuldades de implementação de políticas públicas “niveladores” de bem-estar social no respectivo território. O IPS-Bairros do Rio de 2022 foi analisado a partir de três dimensões: Necessidades Humanas Básicas; Fundamentos do Bem-Estar; Oportunidades. Buscamos identificar o ponto fraco das suas três dimensões para analisá-lo criticamente em termos da articulação de políticas públicas niveladoras de bem-estar social no território.

O destaque negativo do IPS-Bairros do Rio foi a dimensão de Fundamentos do Bem-Estar, que pontuou 43,97 para a cidade, abaixo de 50 pontos em uma escala que varia de zero até 100, a pontuação máxima. Para o IPS, foram utilizados 158 bairros, tendo sido excluídos Paquetá, Lapa, Vila Kennedy, Jabour e Ilha de Guaratiba por falta de dados administrativos. O IPS-Rio oferece uma visão sobre a disparidade geográfica do desenvolvimento social dentro da respectiva cidade, indicando eixos prioritários de políticas públicas niveladoras de bem-estar social no território. No caso em questão, o Acesso ao Conhecimento Básico e o Acesso à Informação e Comunicação são os dois componentes que puxaram para baixo a dimensão Fundamentos do Bem-Estar dos bairros da cidade do Rio de Janeiro.

Problemas com a qualidade da educação básica e acesso igualitário à tecnologia de informação e comunicação afetaram os Fundamentos do Bem-Estar nos bairros da cidade. As desigualdades se manifestam estruturalmente entre os bairros, desnivelando o bem-estar social ao longo da cidade do Rio de Janeiro. Medido e avaliado tecnicamente o problema, o que dificultaria o encaminhamento de recursos através de políticas públicas niveladoras de bem-estar social?

A base de dados World Inequality revela a extrema desigualdade estrutural brasileira, pois o 1% mais abastado concentra 49% da riqueza nacional. Dificilmente se pode alegar que esse seria o retrato de uma suposta meritocracia em um território que conviveu com quase quatro séculos de escravidão e ciclos econômicos extrativistas predatórios. Nossas transições de regimes, pelo menos desde o golpe militar que proclamou a República, em novembro de 1889, foram negociadas por cima, preservando a parte estrutural do atraso e das pactuações oligárquicas.

Desde a inauguração do republicanismo restrito e excludente, passando pela hegemonia de um liberalismo econômico darwinista, que conviveu com a contravenção, até chegar ao controle de territórios por milícias e organizações criminosas, a cidade do Rio de Janeiro exemplifica, de forma dramática e trágica, como é bem difícil encaminhar soluções progressistas através de políticas públicas niveladoras de bem-estar social no território brasileiro.

Episódios ocorridos na cidade do Rio de Janeiro, no dia 23 de outubro de 2023, mostraram o tamanho do pesadelo carioca. Trinta e cinco ônibus foram queimados, afetando passageiros e gerando um prejuízo patrimonial de mais de R$ 35 milhões. Escolas foram fechadas, não puderam funcionar regularmente. Milicianos da Zona Oeste atacaram a cidade em represália à morte do sobrinho do chefe do grupo. Esse cenário de guerra urbana reflete o dramático quadro de avanço do crime organizado, que extrapolou os limites geográficos da cidade do Rio de Janeiro.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulga rotineiramente estatísticas de violência. O Brasil, historicamente, possui uma das maiores taxas de homicídio do mundo, com várias de suas cidades enfrentando altas taxas de assassinatos. Esses números ruins podem até ser comparados com áreas em conflito de guerra, realidade que afeta negativamente o capital social no território, as oportunidades de crescimento profissional de indivíduos e as perspectivas econômicas para a população. Compõem a trágica normalidade nacional as operações policiais e militares em algumas áreas urbanas brasileiras, que se assemelham a ações em zonas de conflito, devido ao uso de armamentos pesados e ao número de baixas. No Brasil, a trágica violência cotidiana está imersa em contextos de problemas sociais, econômicos e criminais, como o tráfico de drogas, a desigualdade estrutural, a falta de oportunidades e a fragilidade das instituições de segurança pública. A politização das forças da segurança pública coloca em risco a própria democracia.

Onde a violência e a desconfiança imperam, as instituições são frágeis e tal fato inviabiliza não só a democracia, como também o desenvolvimento econômico. Confiar nas expectativas de reciprocidade é fator relevante para o desenvolvimento econômico. A confiança é a base do capital social (associativismo, civismo), que tem potencial transformador em um território.

A violência tem efeitos prejudiciais sobre o capital social, pois gera medo e desconfiança entre os membros de uma comunidade. Ela é capaz de destruir relações interpessoais e provocar a redução da participação cívica, diminuindo o envolvimento social e a capacidade das pessoas de trabalharem juntas para melhorar as suas comunidades. A violência afeta negativamente a educação, uma vez que escolas em áreas afetadas pela violência podem enfrentar dificuldades em fornecer um ambiente seguro e eficaz para a aprendizagem. Ela reduz as oportunidades de sucesso no futuro, prejudicando o crescimento econômico e a criação de empregos.

Em síntese, a violência muitas vezes leva a um ciclo de retaliação e violência contínua, um ciclo vicioso de mal-estar social no território, que pode corroer ainda mais o capital social, tornando a resolução de conflitos e a construção de relações pacíficas ainda mais difíceis. Portanto, a promoção da paz, da justiça e da segurança é fundamental para preservar e fortalecer o capital social e a democracia em qualquer sociedade. Esse é um dos grandes desafios brasileiros em termos de bem-estar social.

Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Rodrigo Medeiros

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