Progresso social e desenvolvimento territorial, por Eduarda La Rocque, Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

Putnam afirmou que Estado e mercado, articulados através de políticas públicas, operam de forma mais eficiente em configurações cívicas.

Progresso social e desenvolvimento territorial

por Eduarda La Rocque, Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

Um debate instigante sobre as políticas progressistas de desenvolvimento no território diz respeito à importância do capital social. Compreendido como a capacidade institucional de associativismo que uma região possui, o capital social é o elemento-chave no processo de desenvolvimento das sociedades. Instituições, formais e informais, importam para a qualidade do desenvolvimento de sociedades, territórios e países.

O capital social desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de sociedades, territórios e países, pois está diretamente relacionado à capacidade de cooperação, confiança e solidariedade entre os indivíduos e grupos dentro de uma comunidade. Instituições formais, como governos e organizações não governamentais, e instituições informais, como redes sociais, normas culturais e valores compartilhados, desempenham um papel importante na construção e manutenção do capital social.

Nesse sentido, o instigante livro “Making Democracy Work” (1994), de Robert Putnam, professor da Universidade de Harvard, foi capaz de provocar boas reflexões. Ainda que o autor tenha se baseado nas tradições cívicas da Itália moderna, a argumentação básica é transladável para outros contextos, conforme apontam as literaturas institucionalistas. A história importa.

De acordo com Putnam, as associações locais e regionais representam estruturas sociais de cooperação relevantes. O associativismo deve ser visto como uma condição necessária para o efetivo exercício do autogoverno. Segundo afirmou o acadêmico, quanto maior o civismo em uma região, mais efetivo é o seu governo. Civismo, por sua vez, diz respeito à equidade e ao engajamento social. Grandes e históricas desigualdades sociais operam contra o desenvolvimento econômico por fortalecerem sentimentos de injustiças, frustração e exploração.

Importante ressaltar que o associativismo não se limita apenas à esfera política, mas também se estende para áreas, como economia, cultura e lazer. O engajamento ativo nessas associações oferece aos cidadãos uma plataforma para expressar suas preocupações, defender seus interesses e participar na tomada de decisões que afetam suas vidas. Dessa forma, o associativismo se torna um mecanismo crucial, no qual os cidadãos têm a oportunidade de moldar seu ambiente social, político e econômico.

Putnam argumentou que o associativismo é importante para o desempenho econômico de um território. O professor destacou que o sentido do impacto contemporâneo é do civismo para o econômico, não o contrário. Ele questionou no livro o motivo de tantos países terem se mantido subdesenvolvidos e argumentou que o caso italiano é bem rico em reflexões para explicar as falhas das políticas públicas, na medida em que as políticas tradicionais de polarização e incentivos fiscais também foram adotadas em diversos lugares.

A produtividade de um território está correlacionada com o seu capital social. Redes e arranjos horizontais de produção são capazes de construir cooperação entre as firmas de pequenos portes, providenciando recursos e superando inclusive dificuldades, que isoladas seriam difíceis de enfrentar. O associativismo encoraja a confiança social, a cooperação, a flexibilidade, a inovação, a produtividade e a elevação do desempenho econômico.

Entre as lições históricas da experiência regional italiana, Putnam afirmou que Estado e mercado, articulados através de políticas públicas, operam de forma mais eficiente em configurações cívicas. Portanto, mostra-se razoável e eficiente, ainda que complexo, articular a cooperação pelo desenvolvimento territorial através de políticas que estimulem o associativismo, pela construção institucional de laços sociais de confiança e de interesses comuns.

Desigualdades excessivas podem minar as bases do desempenho econômico. Afinal, desde a grande repercussão global da publicação do trabalho do economista francês Thomas Piketty, em 2013, ficou bem claro que quando a diferença entre o retorno médio do capital e o crescimento da economia é estruturalmente grande, desigualdades podem ser consideradas como disfuncionais para as democracias liberais. A concentração de riquezas em poucas mãos pode levar a distorções na alocação de recursos produtivos e reforçar aspectos perversos de preferência pela liquidez. Essa concentração excessiva de riquezas e poder no topo costuma distorcer os processos políticos nas democracias liberais, em detrimento dos interesses coletivos.

O célebre economista Joseph Stiglitz, professor da Universidade Columbia, em diversas manifestações públicas, vem ressaltando que estamos vivendo três crises existenciais – a crise climática, a crise da desigualdade e a crise da democracia. Estamos ultrapassando os limites do planeta? A economia política moderna oferecerá efetivamente prosperidade compartilhada? As democracias liberais resistirão, caso as economias fracassem para a coletividade? Essas questões estão entrelaçadas e exigem soluções abrangentes e colaborativas.

Os debates sobre as crises atuais e o papel fundamental da economia política contemporânea na busca por soluções efetivas ressaltam a importância de uma governança sólida e íntegra em todos os níveis da sociedade. Nesse sentido, gostaríamos de destacar o artigo de opinião publicado na Revista RI, na edição 268, de fevereiro de 2023, de Eduarda La Rocque, que refletiu sobre as boas práticas de governança contemporânea. Ela começou o artigo abordando o caso das Americanas, que diz respeito, de acordo com a economista, ao problema típico da falta de governança corporativa no seu pilar mais básico, que é o de ética, integridade e transparência. La Rocque destacou três elementos no seu artigo de opinião sobre o caso: i) governança corporativa, seja pública ou privada, começa por integridade e a regra básica de um modelo de gestão de riscos é “não deixar a raposa tomar conta do galinheiro”; ii) o eixo econômico não pode estar separado do socioambiental, tanto nos governos quanto nas empresas (nas políticas ditas relacionadas ao ESG, sigla em inglês que corresponde aos aspectos ambiental, social e governança); iii) precisamos, portanto, de melhores processos, controles e indicadores de performance das empresas e de desenvolvimento para países e entes subnacionais.

A economista apresentou o índice de progresso social (IPS), já implantado na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de uma abordagem direta de mensuração do desenvolvimento humano a partir de indicadores selecionados em três dimensões e doze componentes definidos globalmente, conforme consta na metodologia exposta no site do IPS-Rio. O indicador é usado a nível global, em algumas cidades e regiões – a Amazônia é um exemplo. Algumas empresas privadas usam o indicador para mensurar de uma forma holística o impacto social e ambiental da sua atuação em uma determinada região geográfica.

Necessidades humanas básicas, fundamentos do bem-estar e oportunidades representam as três dimensões do IPS, que têm um olhar sobre o cidadão. Nutrição e cuidados, água e saneamento, moradia, segurança pessoal, educação básica, acesso à informação, saúde e informação, meio ambiente, direitos individuais, liberdades individuais, tolerância e inclusão, educação superior são os componentes das três dimensões citadas. Essa abordagem multidimensional é fundamental, pois o desenvolvimento humano vai além do crescimento econômico. A prosperidade de uma sociedade não pode ser medida apenas pela quantidade de riqueza gerada. Ela deve ser capaz de atender às necessidades básicas da população, garantir a justiça social, promover a equidade e preservar o meio ambiente.

Em relação ao ano de 2022, o ranking dos bairros da cidade do Rio de Janeiro encontra-se disponível online para consultas. Segundo Eduarda La Rocque, o IPS representa “o conceito de comunitarismo e o modelo de desenvolvimento territorial”. Ela acrescentou ainda que precisamos de indicadores que meçam os resultados das políticas públicas, tais como o IPS, para que um país “construa consensos mínimos para o futuro, com responsabilidade fiscal, social e acima de tudo, ética e transparência”.

La Rocque propôs um modelo de desenvolvimento territorial de três etapas, que são: 1) a composição de um conselho de atores envolvidos e comprometidos com o desenvolvimento do território; 2) a pactuação de metas de desenvolvimento humano holísticas, tais como o IPS; 3) a construção da matriz de responsabilidades para se alcançar e monitorar as metas. A qualidade dos trabalhos do conselho citado depende do seu empoderamento, da representatividade dos atores e de informações qualificadas.

O ranking do índice de progresso social de 2022 dos países também está disponível online. Com a mesma metodologia do IPS-Rio, o Brasil ficou na posição de número 62, atrás do Chile, da Argentina, da Rússia e do Uruguai, por exemplo, em um total de 169 países avaliados. A Noruega lidera esse ranking, seguida por Dinamarca, Finlândia e Suíça. Esse ranking global mostra que há uma correlação positiva e forte entre o IPS e o PIB per capita dos países.

Eduarda La Rocque propôs, ao final do seu artigo, “que indicadores de resultados das políticas públicas, como o IPS, sejam usados nas estatísticas junto aos indicadores econômicos usuais, tais como renda, inflação, PIB, nível de atividade e desemprego”. Poderíamos pensar em construir o IPS para as cidades brasileiras? Esse índice poderia ajudar a gerar ganhos de eficiência e redução de desigualdades na alocação de recursos públicos escassos nos territórios.

Eduarda La Rocque é doutora em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria são professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

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Rodrigo Medeiros

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  1. Capital social – expressão que conjuga pessoas como bens materiais fungíveis, passíveis de manipulações e trocas, tal como se pode utilizar o dinheiro – ” O capital é definido como ativos que podem trazer retornos financeiros a longo prazo, como por exemplo, os investimentos e os estoques.

    Sendo assim, ele pode ser financeiro, produtivo ou especulativo.” (essa é a definição clássica do capital)
    Não se conjugará capital e cooperativismo ou associativismo como elementos desenvolvimento territorial. O capital tende a corromper o associativismo e o cooperativismo na medida em que cresce, tornando o progresso e desenvolvimento territorial em predação, ambiente próprio para a criação de desigualdades.

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