Rio: os traidores das UPPs e da sociedade

Quando imaginamos que já vimos tudo em termos de indignidade e desvios de conduta, praticadas por agentes do estado, surge sempre um fato novo. Assim é que está sendo investigado, em caráter interno, por determinação do Comando da PM do Rio, através da Coordenadoria das  Unidades de Polícia Pacificadora,  um esquema de corrupção que envolveria agentes das UPPs dos Morros da Coroa, Fallet e Fogueteiro, no centro da cidade. A propina, que abastecia o bolso dos policiais,  provinha do dinheiro do tráfico. O acordo com o crime previa que a repressão fossei afrouxada nos plantões dos policiais investigados. Algo em torno de 30 agentes. O valor da propina seria fixado de acordo com a patente e a importância do agente na estrutura do policiamento. Na terça-feira passada um sargento e dois soldados já haviam sido sido flagrados na mesma região com um envelope contendo cerca de R$ 13 mil. Não souberam explicar a origem da quantia. Noticiou-se que o setor de inteligência, através escutas, teria detectado que o sargento negociava valores -pasmem com tanta traição- para a retirada do policiamento de áreas onde havia comércio de drogas. É o que se pode chamar de “proteção legal ao crime”. Uma versão tupiniquim – nem tanto sofisticada- do filme “Os Infiltrados”, estrelado por Leonardo Dicaprio e Matt Damon.
 
Tal fato obviamente que envergonha e entristece os dignos policiais. Enquanto integrantes da corporação, com o risco da própria vida, numa função de natureza estressante, doam o seu sangue em defesa da sociedade, como protagonistas de uma violenta, preocupante e permanente guerra urbana no Rio, outros  policiais militares, como estes, pela fraqueza moral, se vendem ao narcotráfico como autênticos traidores da sociedade  a quem juraram um dia defender com o sacrifício da própria vida. Registre-se o recente episódio,  na referida área de policiamento, onde um destemido soldado foi ferido em confronto com um grupo de dez traficantes. Corre o risco de adquirir graves sequelas para o resto de sua existência, face a gravidade dos ferimentos. Em junho, na mesma região, outro policial militar pedeu a perna num ataque de bandidos que contra ele lançaram uma granada. É a guerra do Rio que parece longe do fim.
As evidências indicam que os que trairam a sociedade o fizeram  escudados no poder de polícia, lhes conferido pelo Estado para defesa dos concidadãos, agindo para se locupletarem e escudados no uniforme policial, cometendo assim gravíssimo e desabonador desvio de conduta. Esqueceram-se do período de formação que lhes ensinara que o equilíbrio, a técnica, a probidade, o respeito à lei e a proteção ao cidadão são os requisitos indispensáveis aos policiais verdadeiramente vocacionados. Um golpe baixo desferido por quem deveria servir e proteger. É o poder da grana que atrai e corrompe seres humanos num país onde a propina, mesmo flagrada pelas câmeras, é absolvida pelo parlamento.
 
Ressalte-se aqui, no entanto, a imediata e correta intervenção do Comando da PM  do Rio, agindo com transparência, rapidez e a cautela necessárias diante do grave episódio de desvio de conduta, na investigação do lamentável fato, objetivando assim cortar o mal pela raiz e pela cabeça se necessário for, antes que cresça e contamine. O exemplo aos demais é absolutamente necessário, como frisou o Comandante Geral da PM do Rio, coronel Mário Sérgio. Sabe-se que a corrupção é a mais perigosa erva daninha que pode desvirtuar a finalidade precípua do projeto UPPs,  que se destina a combater, em sua área de atuação,  toda modalidade de crime, resgatar a cidadania e abrir o espaço para a inclusão social dos que até então viviam oprimidos pelo terror do tráfico.
Sem dúvida a fraqueza moral é um desafio a ser combatido constantemente nas instituições policiais em todo o país. As UPPs, já implantadas em alguns morros e favelas do Rio – um novo modelo de  policiamento comunitário no combate a uma criminalidade atípica- reduziu consideravelmente índices de criminalidade em suas áreas de atuação. Encontram-se em estágio probatório, em fase de aperfeiçoamanto, num processo de afirmação e confiabilidade perante a sociedade. O retrocesso pela contaminação da praga da corrupção seria drástico. Nesse caso o preço da paz e da liberdade será a eterna vigilância aos agentes da lei. Bandido é bandido, polícia é polícia. Ou se é policial ou se é bandido.
                                              
                                    Milton Corrêa da Costa é coronel da PM do Rio na reserva
 

Redação

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