Entrevista com Ceres Hadich, da direção nacional do MST, por Marilza de Melo Foucher

De 2013 a 2022 assassinaram 424 pessoas em conflitos no campo. Em 2022, foram 2.018 conflitos, envolvendo 909.450 pessoas e 47 assassinatos.

José Cruz – Agência Brasil

Entrevista com Ceres Hadich, da direção nacional do MST

por Marilza de Melo Foucher

Apresentação

Hoje o MST é o maior movimento social da América Latina e adquiriu um reconhecimento dos órgãos de cooperação internacional que financiam muitos de seus projetos desde sua criação. São quase 40 anos de história popular de um movimento nascido em 1984.

Nas áreas de assentamentos e acampamentos do MST existem 1,9 mil associações, 185 cooperativas e 120 agroindústrias. Neste sentido, há 15 cadeias produtivas principais. Entre essas, os assentados do RS contribuem na produção de leite, arroz, mel, feijão, soja e frutas e sucos.  Hoje o MST é um dos maiores promotores e produtores da agroecologia; é o maior produtor orgânico de arroz no Brasil.

Objetivos do MST

O MST tem como função promover a organização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais (o que inclui camponeses, posseiros, pequenos agricultores, agricultores familiares), junto aos demais membros da sociedade civil, para a garantia do acesso à terra e da realização da reforma agrária no Brasil. Lutar pela terra; lutar por Reforma Agrária; lutar por uma sociedade mais justa e fraterna integram os principais objetivos desta organização.

Alguns dados dos conflitos de terra no Brasil

Depois do golpe contra a Presidente Dilma em 2016 os dados fornecidos pela igreja católica através da Comissão Pastoral da Terra (CPT) revelam que entre 2013 e 2022 foram assassinadas 424 pessoas em conflitos no campo. Só em 2022, foram registrados 2.018 conflitos, envolvendo 909.450 pessoas e 47 assassinatos. Essa situação mostra a importância e a necessidade de movimentos camponeses como o MST.

Questões formuladas pela entrevistadora

  1. No dia 17 de maio deste ano, a Câmara dos Deputados instalou uma Comissão Parlamentar de Inquéritos (CPI) para investigar o MST. Como explicar a aceitação de uma comissão de inquérito na câmara dos deputados oriunda da base parlamentar de ruralistas na sua maioria composta pela extrema direita brasileira?

CERES: A instalação da CPI contra o MST se dá por um conjunto de fatores, que permitiram sua instalação, entre eles: o posicionamento da extrema direita entorno da bancada ruralista e uma definição clara de enfrentamento em relação a temas da luta camponesa no Brasil, como é, por exemplo, a Reforma Agrária. Também se instala a CPI com o objetivo de intimidar e conter a luta social no país, claramente identificada pela capacidade de organização e articulação do Movimento Sem Terra. Nesse mesmo sentido, um terceiro objetivo da CPI era o de constranger o governo, chantagear e barganhar conquistas, em detrimento da perseguição e enfraquecimento da sua base de apoio social. Com o objetivo de criminalizar e deslegitimar a luta pela terra e a luta social no Brasil, também é salutar dizer que a CPMI se instala sob um olhar inicialmente desatento do próprio governo com a base aliada, que, ao não perceber seus verdadeiros objetivos permitiu que a oposição instalasse uma composição extremante desfavorável ao próprio processo de desenvolvimento da comissão.

  • Demonstre qual o interesse em criminalizar uma organização que vem atuando para diminuir a desigualdade social e econômica no Brasil, através de seu embate na luta pela reforma agrária, distribuição de recursos produtivos, justiça social e direitos dos trabalhadores rurais.

CERES: Essencialmente a tentativa de criminalização e perseguição do MST tem como pano de fundo a tentativa de descredibilizar o movimento social de maior visibilidade no Brasil. Em seus quase 40 anos de existência o Movimento Sem Terra tem lutado efetivamente para mudar a realidade das pessoas e do Brasil, promovendo a partir da luta fundamental que é a luta pela democratização do direito à terra, melhoria de vida de milhares de pessoas, sobretudo no acesso à educação, cultura, alimentação saudável, apontando esperança para o povo. Nos últimos anos, as ações de solidariedade do MST permitiram que milhares de famílias brasileiras tivessem acesso à comida e cuidados, e é isso que causa tanto temor às elites brasileiras: a capacidade de transformar a vida das pessoas e convertendo-as em sujeitas de sua própria história.

  • Soube da inauguração da Escola popular de agroecologia e agroflorestal Egídio Bruneto no Sul da Bahia. Explique o papel desempenhado por esta escola de capacitação dos membros do MST.

CERES: A Escola Egídio Brunetto é fruto do esforço da construção da educação popular e da agroecologia nos territórios de Reformas Agrária. Reflete a busca coerente por unir nossa proposta para o campo brasileiro à conhecimentos que possam ser trocados, aprimorados e construídos a partir das próprias mãos das famílias camponesas e replicadas, a partir de cada realidade. Ter uma escola camponesa, popular, dentro de um assentamento, atuando para o desenvolvimento e a capacitação da nossa base acampada e assentada, no extremo sul da Bahia, e em cada bioma brasileiro, é fazer chegar mais perto, o direito fundamental ao acesso à informação, ao conhecimento, à tecnologia, e fundir, no diálogo dos saberes, entre os sujeitos que por ali passam, essa qualidade do conhecimento produzido a partir de experiências e realidades concretas. Confere autenticidade e autonomia ao conceito da agroecologia e da reforma agrária popular.

  • O que ocorreu com a diligência da CPI no Sul da Bahia? Eles assistiram a esta inauguração?

CERES: Foi mais um episódio de uso indevido do dinheiro público, do abuso de poder, da tentativa de criminalização do MST e da luta popular, e mais um dia de agressões aos trabalhadores. O objetivo das diligências é desmoralizar, sob uma visão preconceituosa, elitista, racista e machista a luta pela terra. Mais uma vez isso se deu, na Bahia. Com tentativa de invasão de lotes, de casas e até mesmo de uma comunidade indígena, a diligência evidenciou o despreparo e o autoritarismo de seus responsáveis, que com desconhecimento e violência, mais uma vez atacaram o povo e suas conquistas. Eles foram embora justamente na véspera da inauguração das estruturas da escola.

Sobre o papel das mulheres no MST

Entrevistadora: Faço aqui uma breve contextualização

Todas as lutas sociais que tiveram emergência nos últimos tempos, levando em consideração a diversidade de realidades, as mulheres tiveram um papel central no processo de transformações sociais ocorridas, seja na luta pela terra, na organização da agricultura familiar e na questão de gênero. Vale destacar que atualmente a questão de gênero, se integra na programação dos cursos de capacitação realizados pelo MST.

Hoje as mulheres estão ao lado dos homens na ocupação, na produção e na resistência. Porém, temos que sublinharque estas conquistas não foram fáceis no contexto de uma arraigada organização patriarcal familiar típico da zona rural brasileira que sempre as considerou como dona de casa, esposa dedicada, senhora do lar, mãe, entre outras conotações.

  • O papel das mulheres no MST adquiriu grande relevância, hoje elas estão lutando lado a lado, desfrutando dos mesmos ideais e objetivos. Como explicar esta evolução em um meio considerado como machista?

CERES: Ao longo de nossa construção, foi ficando casa vez mais claro, no MST a necessidade de romper com todas as formas de violência e opressão. O machismo, fruto do patriarcado é uma batalha longa, que temos enfrentado   inclusive no interior do Movimento. Trata-se de um longo processo de compreensão e entendimento de que só teremos uma sociedade livre e emancipada quando todos e todas assim o forem. Por isso, a participação das mulheres, mais que uma definição política, é para nós, parte de um esforço na construção dessa emancipação, que temos tratado, com muito cuidado e coerência dentro da organização. Hoje, olhando os passos da caminhada, podemos perceber com grande altivez os frutos dessas reflexões que, ao longo do tempo, foram se incorporando no interior do Movimento. Sabemos que ainda temos muito por fazer, mas decisões importantes, como a paridade de gênero nas instâncias de deliberação e o incentivo à formação das companheiras, tomadas há mais de duas décadas, tem nos permitido colher frutos de um processo de fortalecimento de identidade e autonomia de nossas mulheres.

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