Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Reforma política e republicanismo, por Aldo Fornazieri

Não resta a menor dúvida de que o Brasil foi mal fundado nos momentos constitutivos de sua nacionalidade. A Independência foi um pouco mais do que um adeus de um colonialista que se ia para deixar o filho no comando do governo. A República foi proclamada com o concurso de um marechal monarquista através de uma passeata militar à qual o povo estava completamente alheio. A Independência veio sem nação e a República veio sem povo. 

Fundação (ou refundação) é inovação política. A fundação choca-se, por um lado, com as estruturas da realidade e do poder existentes e, por outro, com a própria indeterminação desta realidade para determinar o advento de uma nova nação. Inovação política se define por três condições: a) destruição da ordem política precedente; b) legitimação de uma nova ordem; c) conquista de um Estado com as armas próprias. A rigor, nenhuma das três condições estava presente, seja na Independência, seja na proclamação da República. A antiga ordem ficou preservada no novo arranjo, que expressou apenas uma mudança formal sem uma mudança substancial de conteúdo. Independência e República vieram sem o pronunciamento das armas, que geralmente expressa a violência necessária às boas fundações à medida em que liquida a velha ordem e impõe o medo e o respeito constitutivos da nação que nasce.

Independência e República validaram a antiga dominação e exploração sob uma nova roupagem e não trouxeram a liberdade e o equilíbrio internos, necessários às boas fundações. De acordo com Maquiavel, a mudança, principalmente das leis e da constituição, constitui o modo de ser das repúblicas ou nações mal fundadas. Desordenadas e desequilibradas, procuram um caminho sempre difícil de ser encontrado. Trata-se de mudança sem orientação de destino e, no essencial, de uma mera aparência de mudança, pois as sociedades desordenadas eternizam relações desequilibradas e injustas. O Brasil nasceu e se desenvolveu com esse déficit de republicanismo na medida em que o Estado, de modo geral, se tornou instrumento de interesses particularistas, carecendo daquele universalismo constitutivo da primazia do bem público comum sobre os interesses particulares que caracteriza as repúblicas bem fundadas.

 
Com dificuldades de encontrar-se com a igualdade, a justiça e o equilíbrio, o Brasil não consegue encontrar-se com um bom ordenamento legal e constitucional. A consequência disso é que o país carece de moralidade e eticidade internas e tende sempre a resvalar para a corrupção política, que se manifesta de diversas formas. A sociedade não está imune a práticas corruptas e corruptoras. 
 
Reforma Moral e Reforma Legal
 
Agora, na tentativa de encontrar algum caminho e pressionados pelas manifestações de junho, os políticos discutem a reforma política. Tema sempre posto sobre a mesa desde a Constituição de 1988 e classificada por Ulisses Guimarães como “a mãe de todas as reformas”, a reforma política está perdida e extraviada no cipoal comum da legislação ineficiente. Alguns observadores são céticos quanto à capacidade de uma reforma política melhorar as coisas da vida política. Esta descrença tem razão de ser: afinal de contas temos um rosário de leis que não funcionam. Julgam que uma reforma não será capaz de quebrar a blindagem que os políticos autocriaram para si e que é necessário o pronunciamento das ruas para que as coisas mudem. 
 
De fato, uma reforma não necessariamente mudará os usos e costumes políticos. É preciso recolocar aqui uma velha discussão no interior do republicanismo: como mudar instituições e sociedades mal formadas? Pela via da reforma moral e cultural ou pela via da reforma das leis e instituições? A história tem mostrado que são necessárias as duas vias – se combinadas, tanto melhor. Quando a mudança das leis e das instituições vem validada pela força das ruas e pela vontade cívica, a qualidade tende a ser melhor. O que se quer é criar um círculo virtuoso entre boas leis, bons costumes e boa educação, para que a sociedade brasileira encontre aquele pondo de liberdade e de equilíbrio necessários ao bom ordenamento. 
 
Ao que parece, as discussões em torno da reforma política não enfrentam um problema preliminar básico. Partem de fórmulas prontas para impô-las à realidade brasileira. Estudar os avanços legais e institucionais dos outros países sempre é uma medida necessária para evitar incorrer em erros que outros já incorreram. Mas não se pode simplesmente copiar o que os outros já fizeram e deu certo, se acreditando que dará certo no Brasil também. O pressuposto de uma boa reforma política consiste em estudar as características da nossa sociedade e a história das nossas instituições e legislações políticas para compreender-lhes a natureza e a especificidade. Somente assim se terá o material básico para fazer, senão as melhores escolhas, as mais adequadas ou as menos piores. 
 
O que a Reforma Política deve mudar
 
Duas características básicas da nossa sociedade saltam aos olhos: a diversidade regional e o pluralismo social, étnico e cultural. Nenhuma reforma pode se chocar com a representação política dessas características, sob pena de criarmos exclusões e elevarmos os níveis das tensões no país. A segunda característica que os reformadores precisam observar é a corruptibilidade das práticas políticas seja já nas eleições, seja no exercício do poder. O combate à corrupção não se esgota na reforma política, mas a reforma política precisa dar uma efetiva contribuição para que a corrupção seja reduzida. 
 
O terceiro aspecto que será preciso levar em conta é a fraqueza endêmica dos partidos e sua dispersão. Será preciso encontrar os mais adequados mecanismos que tornem os partidos aquilo que eles deveriam ser: associações políticas de natureza coletiva. O elemento coletivo do partido deve se sobrepor aos elementos individuais ou grupais internos. Sem isso não há partidos. Quanto à dispersão, não se trata de restringir a liberdade partidária, mas de criar mecanismos que produzam agregação de interesses políticos eliminando o caráter negocista e corrupto das atuais alianças e junções partidárias. A dispersão de interesses políticos dificulta a governabilidade e eleva o custo da democracia. 
 
Um último aspecto que a reforma precisa enfrentar é o da participação política da sociedade e dos mecanismos de controle sobre o sistema político. Se é verdade que sempre houve uma defasagem entre o representante e o representado, o fato é que na democracia brasileira há um divórcio entre ambos, o que enfraquece a legitimidade dos políticos, dos partidos e das instituições. É necessário instituir mecanismos que garantam a participação dos eleitores nas escolhas dos candidatos e seu controle sobre os representantes. A discussão da possibilidade de candidaturas avulsas também entra aqui. Se este quesito for adotado é importante que ele venha acompanhado de mecanismos que garantam a representatividade, a legitimidade e a expressividade dos candidatos avulsos. 
 
Aldo Fornazieri é Cientista Político e professor da Escola de Sociologia e Política. 
Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

3 Comentários

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  1. As dificuldades de um país

    As dificuldades de um país como o Brasil em desenvolver a sua democracia se deve à forma como fomos “descobertos”.

    As invasões portuguesas em nosso território são a causa e consequência deste travamento tão bem expressado pelo professor Aldo Fornazieri.

    A imposição de uma cultura exógena limitou e conteve qualquer possibilidade de auto desenvolvimento, e desta forma fomos, e continuamos a ser,  frutos de imposições externas.

    É como se o Brasil fosse “criado” para ser mero produtor econômico de interesses externos.

    Foi assim na política do Brasil colônia, império e república. Galeano demonstra magistralmente estas condições em seu livro “As Veias Abertas da América Latina” ao fazer uma análise da situação do Brasil.

    Desde a invasão se loteou o Brasil em capitanias hereditárias que foi a base de uma elite arcaica, não inovadora e transmitida de “pai para filho”.

    No período da escravidão o modelo se aperfeiçoa, e a partir daí todas as mudanças tentadas pela base da sociedade foram assimiladas, distorcidas e devolvidas de forma homeopática.

    O Brasil onde a nossa independência foi feita na base de um “grito” para um rio, que a nossa república foi constituída por um “manifesto em praça pública.

    Um Brasil onde manifestações por cidadania mínima, como melhoria de transportes, educação e saúde, como as realizadas em junho, são consideradas atos extremistas, golpistas, fascistas, movimentos criticados pela esquerda, pela direita, pelos que estão no andar de cima e pelos de baixo.

    Nossa elite tem, e sempre teve, o controle absoluto das condições que regem nossa nação. 

  2. Uma análise muito superficial

    Uma análise muito superficial e óbvia do que acontece no país. O autor faz um diagnóstico e propõe “passos” para se conseguir uma reforma política que funcione, em ambas as etapas recorrendo àquilo que todos sabemos. Dentre outras coisas, dizer que nossos partidos políticos são dispersos e não representam o que pensa e acha uma parte da sociedade é de uma obviedade que chega a ser constrangedora.

    Ele só não diz como fazer, nem avança uma mínima ideia sobre como virão as transformações que diz – como se não soubéssemos – necessárias.

    Meu pai teve uma loja, durante certo tempo, e vivia dizendo: a loja não vai bem porque não vende o suficiente. Eu ainda era criança, mas já olhava para ele muito espantada por alguém querer manter um negócio e não conseguir ir além disso.

    É mais ou menos como fiquei ao ler o texto.

  3. Quanta tolice…

    Titia ia tentar ler o resto, mas o começo já foi de doer

     

    (…)Não resta a menor dúvida de que o Brasil foi mal fundado nos momentos constitutivos de sua nacionalidade (grifo nosso). A Independência foi um pouco mais do que um adeus de um colonialista que se ia para deixar o filho no comando do governo. A República foi proclamada com o concurso de um marechal monarquista através de uma passeata militar à qual o povo estava completamente alheio. A Independência veio sem nação e a República veio sem povo. (…)

    Este mito “desfundador”, que nos diz mal nascidos é uma tolice! Não dá para engolir!!!

    O que dizer da Austrália, uma colônia-prisão?

    Ora bolas, os EEUU, eles mesmos, até 1860 não haviam se decidido se iam seguir como um grande Brasil (escravocrata, monoculturista e agroexportador) ou se passava a investir em modelos industriais de acumulação capitalista…

    Por óbvio, a escolha custou caro ao resto do mundo(inclusive nós) e aos curarachos mexicanos..pobresitos…

    Ou seja, tanto aqui, como nos EEUU, os movimentos autonomistas não significaram altreração das estruturas vigentes de poder, ao contrário!!!!

    Muito menos a escolha pelos modelos industriais, que se deram à base do massacre de enorme contingente de negros, só incorporados a vida nacional em pequenas faixas de tempo (logo após 1865-1880) e depois, só em 1960.

    Talvez a única nação que tenha arriscado um modelo “revolucionário” tenha sido o Haiti…putz, olha só o que deu…

    O que o pobre Aldo não enxerga é que o papel das nações já estava dado, ou ao menos, desenhado…E não tem nada a ver com “nacionalidade”, “replubicanismo”, ou outros slogans que mais parecem saídos do Estado Novo…

    ‘Violência das armas” como prenúncio de bom nascimento…????

    Então a América Latina é um sucesso! A exceção do Brasil, nuestros hermanos “nasceram son a égide do confronto libertador…

    ……………………………………………………………..

    Não há uma sentença, um determinismo histórico que determine que este ou aquele povo será mais ou menos bem sucedido (outro valor relativíssimo) em correspondência ao grau de violência que incidiu sobre suas transições institucionais…Isto é, titia repete, uma baboseira grave…

    Há uma série de outras injunções, senão o Coréia do Norte seria um sucesso, bem como o Vietnã…

    Fraqueza endêmica dos partidos?

    Mas onde eles estão fortes? Na Itália? Nos EEUU, onde o presidente e seu partido reinam mas não governam…? Ou na Inglaterra, onde a prinicipal marca do trabalhismo da bruxa de blair foi ser lacaio dos EEUU e dos humores neoliberais????

    É esta a firmeza conceitual e dogmática????

    O Brasil tem o maior partido de esquerda do mundo, ai jesus…

    E uma oposição orgânica, ainda que midiática, que se coloca como antagonista da agenda do governo, que permite, SIM, PERMITE ao eleitor enxergar formas distintas de gestão do Estado e dos Orçamentos, e que tem feito suas escolhas…

    Titia não defende que o Brasil é um exemplo, mas quem o é?

    Ah, e se é violência que o Aldo deseja, é bom lembrar: matamos 50 mil jovens por ano, cada revolta brasileira, desde as mais “politizadas”, até as messiânicas (como Canudos) foram brutalmente esmagadas…E quando fomos a guerra, revelamos sadismo e sanguinolência incomuns, até para os povos mais “guerreiros”…

     

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