A inveja, a vaidade e a felicidade alheia

Por Odonir Oliveira

Uma sugestão do Professor Luiz Jacob

Café Filosófico, com Leandro Karnal sobre  “A inveja e a tristeza sobre a felicidade alheia”

Sobre o tema Mathias Aires em “Reflexão sobre a vaidade dos Homens “, escreveu:

“Trazem os homens entre si uma contínua guerra de vaidade; e conhecendo todos a vaidade alheia, nenhum conhece a sua: a vaidade é como um instrumento, que tira dos nossos olhos os defeitos próprios, e faz com que apenas os vejamos em uma distância imensa, ao mesmo tempo que expõe à nossa vista os defeitos dos outros ainda mais perto, e maiores do que são. A nossa vaidade é a que nos faz ser insuportável a vaidade dos mais; por isso quem não tivesse vaidade, não lhe importaria nunca, que os outros a tivessem.”

Para mim é admirável essa possibilidade  de ruptura desta postura da alma! Ela tem intrigado filósofos, literatos, psicanalistas, pensadores e santos…

Gosto do texto de Ítalo Calvino que retrata com transparência as possibilidades da ruptura.

É um texto atualíssimo sobre os que roubam, os que não roubam…

A ovelha negra

Era uma vez um país onde todos eram ladrões. À noite cada um dos habitantes saía com uma gazua e uma lanterna para ir saquear a casa de um vizinho.

Ao regressar de madrugada carregado encontrava sua casa saqueada. E todos viviam em concórdia e sem briga porque um roubava do outro e este a outro e assim sucessivamente, até chegar ao último que roubava o primeiro.

Nesse país o comercio só se praticava de forma suspeita com corrupção, tanto por parte do que vendia como do que comprava. O governo era una associação criada para delinqüir em prejuízo dos súditos. E por seu lado os súditos só pensavam em fraudar o governo. A vida transcorria sem tropeços e não havia nem ricos nem pobres.

Não se sabe como apareceu no país um homem honrado. À noite, em lugar de sair com a bolsa e a lanterna, ficava em casa fumando e lendo romances.

Chegavam os ladrões, viam a luz acesa e não subiam. Isto durou um tempo; depois o fizeram entender que se ele queria viver sem fazer nada não era uma boa razão para não deixar fazer aos demais. Cada noite que passava em casa era uma família que não comia no dia seguinte.

Diante destas razões o homem honrado não podia ir contra. Também ele começou a sair pela noite para regressar com a Alba; Mas não ia roubar. Era honrado, não havia nada que fazer. Ia até a ponte e ficava olhando a água passar. Voltava par casa e a encontrava roubada.

Em menos de uma semana o homem honrado ficou sem um centavo, sem ter o que comer e com a casa vazia.

Mas até aí não havia nada a dizer por que era culpa sua; o mal era que com esse modo de proceder nascia uma grande desordem.

Porque ele se deixava roubar e, no entanto, não roubava ninguém; de modo que havia alguém que ao regressar encontrava sua casa intacta, a casa que ele deveria ter assaltado.

Certo tempo depois, os que não eram roubados chegaram a ser mais ricos que os outros e não quiseram continuar roubando. Por outro lado os que iam roubar a casa do homem honrado a encontravam sempre vazia; de modo que voltavam sem nada, pobres.

Entretanto, os que ficaram ricos se acostumaram também ir até a ponte à noite para ver a água correr. Isto aumentou a confusão, porque acabou que muitos outros ficaram ricos e muitos outros ficaram pobres. Mas os ricos viram que, indo de noite à ponte, em pouco tempo voltariam a ser pobres e pensaram: “Paguemos os pobres para que eles saiam roubando por nossa conta”.

Foram firmados contratos, se estabeleceram os salários, as porcentagens. Naturalmente continuavam ladrões e tratavam de enganarem-se uns aos outros. Mas, como sói suceder, os ricos se faziam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

Havia ricos tão ricos que já não tinham necessidade de roubar ou de fazer roubar para seguir sendo ricos. Mas se deixavam de roubar voltavam a ser pobres porque os pobres lhes roubavam. Então, pagaram aos mais pobres dos pobres para defender dos outros pobres suas próprias casas e assim foi como instituíram a Policia e construíram os cárceres.

Poucos anos depois do advento do homem honrado já não se falava de roubar ou de ser roubados, mas de ricos ou de pobres e, no entanto, todos continuavam sendo ladrões.

Honrado só havia existido aquele Fulano e não demorou a morrer de fome.

Redação

4 Comentários

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  1. E por falar em inveja…

    E por falar em inveja… estou aguardando o supremo Ministro Gilmar Mendes, do STF, expedir uma ordem de HC em favor de José Maria Marin para ser cumprida na Europa. 

    Ha, ha, ha… ele deve estar morrendo de inveja de seus colegas europeus.

  2. Que fique bem claro:
      Não

    Que fique bem claro:

      Não existe felicidade  duradoura.

      Goethe disse mais ou menos isso: ”Como é terrível ter uma semana de felicidade completa”

  3. Os pecados capitais

    Italo Calvino tem historias deliciosas, algumas me lembram os contos do oriente, sempre ricos em fabulas. A Ovelha Negra é perfeita no que quer demonstrar. E o Café Filosofico é sempre uma boa pedida, dependendendo do debatedor. O Leandro Karnal, nesse sentido, é muito bom, muito claro, com o pensamento bem organizado (como bom filosofo que é). Ele, Safatle, Janine Ribeiro, Flavio Gikovate são excelentes oradores. 

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