Desenvolvimento e expectativa de vida
por Gunter Zibell
Recentemente me deparei com duas discussões interessantes. Uma foi iniciada em artigo recente de Krugman, onde ele comenta que, apesar da maior riqueza média dos EUA em relação à Europa, houve o surgimento de um gap de expectativa de vida, que não existia nos Anos 1950.
Outra era se vale a pena adotar um regime i-liberal, ou seja, abdicar da democracia e do estado de direito, se esse for o caminho para melhorar as condições de vida de uma população.
As Nações Unidas usam 3 indicadores para medir o IDH: renda, expectativa de vida e anos de escolaridade para adultos. Como eu acredito que saúde e educação são correlacionados, e como é difícil avaliar a qualidade de educação (a não ser com testes tipo PISA, que são muito limitados), eu prefiro considerar a liberdade política como um indicador relevante de desenvolvimento humano. (Obs.: eu tenho um viés pessoal para valorizar liberdades civis e direitos humanos, apesar de não abdicar de progresso material também.)
A segunda discussão foi apresentada aqui: https://www.facebook.com/gunter.zibell/posts/pfbid0XSces5k1sUNcVxrin6vySNZfYkbFvB2jkAstbCp8wyAmVJxMYYnsbcBNUZyVUsol
(E não é possível dizer o que vem primeiro, riqueza ou liberdade, apenas sabemos que há grande correlação entre essas duas condições e que as únicas autocracias de renda média-alta, e que não são apenas exportadores de petróleo ou gás, são a China e Rússia.)
Já a discussão sobre saúde e riqueza é parecida. Há claramente uma correlação entre esses indicadores. As democracias desenvolvidas (basicamente a OCDE ou países candidatos, bolinhas cor de rosa) claramente apresentam as maiores expectativas de vida. E as democracias em desenvolvimento (bolinhas em roxo) seguem uma mesma linha de tendência. Então, claro, quanto mais rico for um país, melhores as condições de saúde (e acesso a várias coisas associadas),
Mas há várias nuances. O enriquecimento de uma nação parece muito relevante até cerca de US$ 40 mil de renda. A partir daí é esperado, quase uma regra, que se viva entre 80,0 e 85,0 anos.
A discussão EUA x OCDE é relevante. Porque não havia gap nos Anos 1950 (a expectativa de vida nos EUA era de 68 anos, a média entre Reino Unido – 69 – e Alemanha – 67). Mas já nos Anos 1950 e seguintes décadas de recuperação pós-IIGG os EUA eram muito mais ricos que Europa e Japão. E ainda são, pois desde +/- 1990, e ainda após expressivos ganhos de produtividade nas economias que não são os EUA, estão consistentemente com renda média 30% maior que o conjunto dos países da Europa Ocidental.
Hoje a média Alemanha e Reino Unido é de 82,2 anos e a dos EUA é de 79,8. O Japão foi de 61,0 para 85,0 no período de 70 anos, mas com renda ainda menor que a europeia. O “problema americano” (na saúde) existe, pois (com uma exceção) todas as democracias ricas com renda superior a US$ 50 mil (e são 26 países) apresentam expectativa de vida superior à dos EUA, com uma média de 82,8 anos, ou seja, três anos a mais.
Isso é fácil de verificar no gráfico com a distribuição dos estados americanos. Todos são “ricos”, indo de US$ 55 mil a US$ 102 mil, com média de US$ 79,2 mil. E há também um efeito-renda, aparentemente mais intenso que o verificado para a OCDE. Para as mesmas faixas de renda há uma distância de 2 a 6 anos em expectativa de vida. Mesmo que haja alguns erros nos dados, a diferença entre “bolinhas rosa” (países mais ricos da OCDE) e “quadrados vermelhos” (estados dos EUA) é perceptível. Cabe avaliar as razões (sistema de saúde? criminalidade? hábitos?)
Não é muito fácil distinguir o impacto de ausência de liberdades políticas na expectativa de vida das nações. A maioria dos países em desenvolvimento (Europa Oriental, América Latina, Oriente Médio, Sudeste Asiático) está entre U$ 9 e US$ 35 mil de renda, e entre 70 e 80 anos de expectativa de vida. Sejam democracias (bolinhas roxas) ou autocracias (quadrados cinza). Mas dá para calcular médias. Nessas faixas há 37 “democracias” (excetuando a Índia), com médias de 74,2 anos de EV (Brasil 76,2) e US$ 19,4 mil de renda (Brasil US$ 18,9 mil). O Brasil tem desempenho acima da tendência desse grupo. E 19 “autocracias” (excetuando a China), com médias de 71,8 anos de EV e US$ 17,4 mil de renda. A Rússia, que em 1950 tinha 5 anos a mais de EV que o Brasil, hoje tem 1,6 a menos. Já a China foi de 7 anos a menos para 2,6 a mais. (E esse maior desenvolvimento se verifica em relação às médias da América Latina.)
Uma última curiosidade: não se trata de uma amostra significativa, e não faz diferença acima de US$ 35 mil de renda, mas nas 19 “ilhas-países” (com renda entre US$ 9 e 35 mil) vive-se em média 77 anos, quase 4 anos a mais que os 73,4 de média para os outros 56 países “continentais” (ou em ilhas com mais de 2 milhões de habitantes). Também acontece na faixa inferior de renda (até US$ 9 mil): nos 10 países-ilha para os quais há informação vive-se 70,8 anos, 6,1 anos a mais que nos (também) 56 países continentais dessa faixa. No gráfico as ilhas são triângulos verdes.
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