Elon Musk vs Alexandre de Moraes: a esquerda em meio a uma polêmica vazia, por Eduardo Borges

Mesmo funcionando a serviço do estado liberal as Supremas Cortes têm servido como último grande obstáculo a ensaios de autocracias

Elon Musk vs Alexandre de Moraes: a esquerda em meio a uma polêmica vazia

por Eduardo Borges

Desde já antecipo ao leitor que este artigo não pretende fazer uma simetria negativa entre Alexandre de Moraes e Elon Musk. O primeiro é um cidadão brasileiro, ministro de nossa Suprema Corte e o temos somente como um adversário no campo das ideias. O segundo, não passa de um bilionário mimado e hipócrita o qual o temos como adversário e como inimigo. Portanto, cada um receberá o tratamento que condiz com sua condição. O que vou fazer nas páginas que se seguem é uma análise alternativa, sob a perspectiva de esquerda, a esse que se transformou no grande tema da semana.

Publiquei recentemente um livro em que apresento pequenas narrativas sobre os diversos momentos em que se tentou uma ação golpista no Brasil. Analisei tanto os golpes tentados, mas malogrados, quanto os que triunfaram. Como base teórica do livro propus entendermos o modelo de democracia que se estabeleceu no Brasil desde o fim da monarquia (logicamente que levei em conta as diversas conjunturas históricas do Brasil republicano) como uma democracia de baixa densidade popular, cujas grandes decisões são tomadas sempre pelo alto. Em síntese, o chamei de democracia pelo alto. Apresentei no livro que a nossa democracia pelo alto sempre foi regida por uma elite dirigente formada por diversos setores da classe dominante e entre estes setores está o judiciário. Esta breve introdução sobre nosso modelo de democracia e sua vinculação com o judiciário já explica minha posição crítica em relação ao ministro do STF popularmente conhecido como Xandão. Porém, logicamente que isto não significa que eu esteja automaticamente ao lado da malta de tresloucados bolsonaristas como pode pensar algum hater desavisado.

Entendo que um olhar de esquerda sobre esse caso Musk versus Xandão não pode se restringir a apoiar acriticamente o ministro do STF. O fato de ter sido sempre um crítico do sistema judiciário representativo do estado burguês brasileiro, me deixa à cavaleiro não só para afastar-me do famigerado oportunismo bolsonarista (que transformou em heróis Joaquim Barbosa e Sergio Moro quando estes faziam o trabalho sujo de combater o PT), como também me distanciar de um setor da esquerda (ou somente petista) que enxerga nas ações jurídicas do ministro Moraes a melhor forma de jogar o jogo político contra a direita. Chega a ser certa ingenuidade achar que Xandão e o próprio STF vão decidir sempre por pautas favoráveis a esquerda. Ainda que, justiça seja feita, Alexandre de Moraes tenha agido de forma consequente quando presidente do TSE para assegurar o pleno exercício da democracia brasileira nas eleições de 2022, isso não faz dele um aliado de um projeto de sociedade minimamente de esquerda. Portanto, tomar o partido de Xandão é tão somente utilizar a justiça burguesa para nos livrar de um inimigo maior. Por outro lado, tomar o partido do bilionário americano, mais do que entregar de bandeja nossa soberania nacional a um representante do imperialismo, é não entender o próprio jogo que ele está espertamente nos propondo a jogar.

O que este fanfarrão e bravateiro do Elon Musk está fazendo é transformando os conflitos políticos internos do Brasil em um grande tabuleiro de WAR digital e nos tratando como uma verdadeira república de bananas. Ao contar com o apoio dos “patriotas” bolsonaristas, ele está somente reproduzindo (em formato 3.0) a lógica do velho imperialismo americano do pós guerra que contou passivamente com o entreguismo de nossa elite dirigente tão bem representado por nosso voluntário complexo de vira-latas. Em meio a tudo isso, uma parcela da esquerda brasileira aparenta não ter percebido a armadilha que representa para o próprio projeto de esquerda tomar partido entre Musk versus Moraes.

Ao intencionar apoiar medidas extremas como o banimento do Twitter (X) do Brasil, com uma ação judicial que pode vir, inclusive, de uma decisão monocrática (logo de perfil autoritário) de Alexandre de Morais, a esquerda não só abdica de enfrentar essa questão com os instrumentos da política, como também, entrega de bandeja para a direita bolsonarista (ou não) a bandeira da defesa da liberdade de expressão. É certo que gostemos ou não o STF segue sendo o guardião de nossa Constituição. Não é de graça que ataques a Supremas Cortes têm feito parte de um grande projeto de poder da extrema direita mundial. Mesmo funcionando a serviço do estado liberal as Supremas Cortes têm servido como último grande obstáculo a ensaios de autocracias como a que vivenciamos recentemente no Brasil. Podemos não ter a democracia dos nossos sonhos, mas temos que defender e preservar essa sob a qual vivemos. Não é cabível, nesse caso, que um estrangeiro tente tripudiar sobre as decisões judiciais do estado brasileiro. Mas a resposta a isso deve ser ponderada sob o risco de atingir a população como um todo. Se o Brasil não tem cacife para criar sua própria rede social, como o fez a China a Rússia e o próprio Trump, tem que buscar alternativas para conciliar o combate ao cometimento de crimes nas redes sociais ao respeito à liberdade de expressão em nossa sociedade. Talvez a melhor alternativa seja a punição financeira a Musk e a qualquer outro que ouse desrespeitar o ordenamento jurídico brasileiro.

Seria cômico, se não fosse trágico, ver viúvas da ditadura de 64, apoiadores de tortura e reivindicadores de intervenção militar, estarem hoje cerrando fileiras em favor da liberdade de expressão. Essa farsa do bolsonarismo defensor de liberdades, juntamente com a farsa do Elon Musk libertário (alguém já ouviu ou leu alguma crítica dele aos regimes autoritários da China e da Arábia Saudita, seus parceiros comerciais?) poderia ser refutada facilmente pela esquerda se ela não optasse em terceirizar a Xandão e ao STF a luta política, em detrimento de um enfrentamento no campo das ideias. A esquerda não pode ter vergonha de debater publicamente a questão da liberdade expressão, mas, principalmente, a esquerda não pode ter vergonha de enfrentar publicamente o debate sobre liberdades, seja ela em qualquer instância. Contudo, debater liberdade sob o ponto de vista da esquerda, tem que significar debater um projeto popular e inclusivo para o Brasil. Mais do que pregar distribuição de renda, deve se debruçar sobre a existência da própria pobreza. Mais do que tentar resolver tudo pela canetada da letra fria da lei (aqui me refiro à questão da regulação da internet), é necessário patrocinar um amplo debate na sociedade sobre o papel da internet (seus méritos e deméritos) na constituição das relações sociais e de poder no Brasil.

Portanto, já caminhando para o final do texto, entre Xandão e o mimado bilionário americano devemos ficar com a soberania popular brasileira. Não seremos reféns nem do sistema judiciário burguês (representado por Alexandre de Moraes) e, muito menos, do projeto de poder do capitalismo imperialista representado pelo dono da Tesla. Como disse um certo economista caro aos nossos liberais, no capitalismo não existe almoço grátis e o “bondoso” e “altruísta” Elon Musk vai cobrar o dele em algum momento.  Ofender publicamente um ministro da suprema corte brasileira e ameaçar descumprir decisão judicial dessa mesma corte é, para Elon Musk, tão somente uma grande performance no teatro de sombras do capitalismo do século XXI. Se Alexandre de Moraes nada fizer contra ele, cria um herói todo poderoso, mas se tomar alguma medida mais extrema o transforma na grande vítima mundial de uma suposta ditadura judiciaria brasileira. Eis o grande dilema de nosso tempo.

O movimento de Elon Musk representa claramente dois grandes interesses, a saber: A) liderar um projeto de poder reacionário da extrema direita mundial (nas Américas muito bem representado por Bolsonaro, Milei e Trump). B) assegurar um projeto pessoal de poder econômico que passa por controlar países da periferia do sistema (como Brasil e Bolívia), mas com enormes mananciais de riquezas naturais tais como as reservas de lítio (o Brasil produz lítio, porém, mais de 50 % dos depósitos globais estão no “Triangulo do lítio” formado por Argentina, Bolívia e Chile) vital para seus carros elétricos. A lógica nesse século XXI (representada pelo misancene “libertário” de Elon Musk) é a mesma que as potencias capitalistas usaram no século XIX ao ocupar a África e a Ásia, e ao invadir os países produtores de petróleo no século XX. Mudaram somente as armas, hoje o X (uma plataforma comprada por Musk com preço bem acima do mercado, logo a intenção não era financeira) representa uma espécie de vírus ideológico que penetra nos países, plantando, através de seus algoritmos e de forma subliminar, as pautas que interessam aos donos do poder que o controlam. Ou seja, como dizem no meu interior, o velho Musk não dá ponto sem no.

Entretanto, com base no nível intelectualmente raso (nível FLA-FLU OU BA-VI) em que a extrema direita bolsonarista (com certo beneplácito oportunista de uma certa esquerda) transformou o debate político público hoje no Brasil, não tenho esperança de que muito cedo podemos avançar além do “grande debate” Xandão versus Musk. Esse debate é somente o sinal de nossa mediocridade.

A título de conclusão, relembro ao leitor esquecido e que está tomando as dores de Musk, que em 2020, esse “libertário e defensor da democracia”, em resposta a um tuite que o questionava sobre um possível interesse dos EUA em derrubar do poder o presidente boliviano Evo Morales, assim escreveu com a parcimônia que caracteriza os cretinos: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”. Por outro lado, Xandão não quer dar golpe em ninguém, até nos ajudou nos salvando de um, mas está longe de representar (é só ver os recente elogios a Michel Temer) as ideias de um Brasil mais igualitário que tanto sonhamos.

Eduardo Borges – Doutor em História e professor na UNEB

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  1. Elon Musk virou um clone híbrido do Pastor Malafaia com genes do general Heleno, véio da Havan e Olavo de Carvalho turbinado por cocaína e movido bilhões de dólares que recrutou um exército de canetas na imprensa. Bolsonaro virou um submito do empresário mitômano e viciado em maconha, LSD e cocaína.

  2. Elon Musk virou um clone híbrido do Pastor Malafaia com genes do general Heleno, véio da Havan e Olavo de Carvalho turbinado com cocaína e movido por bilhões de dólares que recrutou um exército de canetas na imprensa. Bolsonaro virou um submito do empresário mitômano e viciado em maconha, LSD e cocaína.

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