Passa-se o ponto, por Paulo Kliass

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Carta Maior

Passa-se o ponto

A economia sofreu enormemente e as consequências vieram. Aumento do desemprego, falência das empresas e redução no nível geral da capacidade de demanda

por Paulo Kliass

As faixas espalhadas pelas grandes cidades espelham de forma trágica a realidade dura e crua de nossa crise profunda. A recessão provocada de forma intencional pela política econômica do austericídio só poderia mesmo ter conduzido a esse quadro. A opção deliberada foi pela combinação explosiva de uma política monetária de arrocho com uma política fiscal de cortes draconianos nas despesas. Ou seja, juros campeões do mundo com redução de gastos sociais. 
O resultado foi alertado há muito tempo pelos economistas que não comungávamos com essa alternativa conservadora da ortodoxia. A atividade econômica sofreu enormemente e as consequências vieram a cavalo. Aumento do desemprego, falência das empresas e redução no nível geral da capacidade de demanda agregada.
 
O outro aspecto dessa empreitada criminosa do financismo foi a diminuição drástica na capacidade arrecadatória do Estado brasileiro. Nossa estrutura tributária é bastante regressiva, uma vez que os impostos incidem muito mais que proporcionalmente sobre as camadas da base da pirâmide social. Os setores do topo da estrutura da desigualdade pagam menos imposto, recebendo uma penca de benesses como as isenções e as desonerações.
 
Outra característica de nossa tributação é o fato da oneração se concentrar sobre produção e consumo, com pouca incidência sobre o patrimônio, a renda elevada e a propriedade do capital de forma geral. Assim, a sequência de 3 anos de recessão provocou uma queda brutal na arrecadação tributária. Como a estrutura das despesas orçamentárias se manteve relativamente constante, abriu-se um rombo fiscal na forma do déficit orçamentário anual. Afinal, as despesas com pessoal, com previdência social, com saúde, com educação, com investimentos não deveriam cair por conta da recessão. Ainda bem!
 
Austericídio e rombo fiscal.
Mas a cegueira do povo que só raciocina de acordo com as maldades dos números das planilhas não pensa dessa forma. E dá-lhe a obstinação com a obtenção de mais cortes, baseado no argumento da falácia de uma suposta explosão de despesas. Mentira! O déficit fiscal surgiu por conta da queda nas receitas. E só poderá ser resolvido, a partir de uma perspectiva sustentável e desenvolvimentista, com a retomada do crescimento da economia brasileira. Além de uma mudança na estrutura de tributos, que passe a exigir também a contribuição do capital, do lucro, dos dividendos, da movimentação financeira, das heranças, entre outras fontes até hoje intocáveis.
 
Ocorre que o time dos sonhos do comando da economia de Temer está se revelando um engodo. A promessa de que bastaria tirar a Dilma por meio de um “golpeachmente” revelou-se um estelionato. Nem a condução da política fiscal a cargo dos liberalóides está dando certo. O fracasso de Meirelles & Goldfajn em cumprir as próprias promessas efetuadas perante a fina flor do financismo revela-se como inevitável.
 
Assim, o governo sai desesperadamente em busca de outras fontes de receita para tentar fechar o caixa do Tesouro Nacional nos próximos meses de 2017 e para as perspectivas nada otimistas para o ano que vem. E vejam que não se fala em buscar algum resultado positivo ou equilíbrio. Nada disso. Trata-se tão somente de minorar o desastre do déficit primário superior ao anunciado e já majorado – R$ 159 bilhões. Como a demagogia oportunista e liberal sempre pregou contra os impostos, Temer e Meirelles não encontram espaço para aumento de tributos. Ao menos, por enquanto.
 
Assim, o recurso desesperado para o artifício da privatização cai como sopa no mel para o povo do mercado financeiro. Não se menciona mais aqui uma estratégia mais elaborada de transferência de setores e empresas do Estado para o setor privado em alguma narrativa coerente e convincente. O escândalo é declarado: precisamos vender patrimônio público para fechar as contas do exercício fiscal. E ponto final.
 
Privatização e Casa da Moeda.

Com isso, lança-se mão de um caminho que qualquer economista recém formado sabe ser o mais inadequado possível. Vender ativo econômico em momento de recessão é a pior opção. Os bens estão depreciados e desvalorizados. Esse é o momento perfeito para quem quer comprar e o mais inadequado para quem está na posição de vendedor. Dessa forma, o patrimônio público bilionário construído ao longo de décadas corre outra vez o risco de ser vendido a preço de banana para o capital privado.

E assim surge o pacote do desespero e da falta de vergonha na cara. O governo lista um sem número de propostas de privatização, que vão das rodovias às empresas de eletricidade, passando por aeroportos estratégicos e rentáveis. E no meio de tudo isso, fica piscando o item que talvez mais bem simbolize a aventura criminosa e irresponsável. Refiro-me à privatização da Casa da Moeda. Uma loucura!
 
Qual o sentido de privatizar uma instituição que é secular e pública por sua própria natureza? A Casa da Moeda tem como seu cliente único e exclusivo o próprio Estado. Produz cédulas de dinheiro, moedas, passaportes e outros tipos de documentos oficiais. Ora, o eventual consórcio privatizador vai então receber encomendas desse mesmo setor público e vender a ele aquele tipo de produto que hoje já é produzido pelo próprio Estado.
 
O Brasil tem tecnologia reconhecida nesse tipo de atividade e até presta serviços para outros países. Não existe razão alguma para que esse tipo de relação industrial e comercial passe a ser exercida pelo capital privado. Afinal, a própria Constituição define essa área como sendo de natureza exclusiva do Estado, em razão de suas características intrínsecas de segurança nacional e de extrema sensibilidade estratégica.
 
Mas esse pacote não é apenas o sintoma de desespero. Ele vem junto a uma estratégia de desmonte de tudo o que possa ser assemelhado a setor público. É o caso da privatização de áreas inteiras da Petrobrás, da entrega do futuro do Pré Sal, das privatizações em infraestrutura, da tentativa da privatização da Eletrobrás, da abertura da agricultura ao capital internacional, da abertura da exploração de áreas imensas no coração protegido da Amazônia, da ameaça de privatização do Aquífero Guarani, entre tantos outros.
 
Tudo se desenrola como se o governo Temer estivesse mesmo disposto a liquidar e entregar o nosso País ao capital internacional. Desse ponto de vista, a atual visita oficial à China deve ser carregada de significado e de bons negócios para os orientais. Afinal, nesse momento de crise e indefinição em escala global, os chineses estão comprando de tudo pelo mundo afora.
 
“Passa-se o ponto!”
 
 
Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. Conjuntura econômica – o que está ruim sempre pode piorar

    A política e a economia são interdependentes e autoinfluenciáveis, logo, uma depende da outra, são vaso comunicantes.. Cedo ou tarde se equalizam, situação politica e economia saudáveis ou situação política e economia deterioradas. A presente conjuntura nacional é resultado de uma situação política fora de controle que levou a uma situação econômica arruinada.

    O nível da crise está perto do ponto de saturação e, é evidente, que, em um horizonte próximo, não há cenário para recomposição da situação política nem da conjuntura econômica. A ação combinada desses dois eixos de orgnização e funcionamento da sociedade traz resultados cuja progressão mostra, inequivocamente, crescente deteriorização.

    Concretamente, no plano econômico, há um cisma em franca formação. Em julho, o defícit acumulado em 12 meses no resultado primário do governo central bateu em R$ 183 bilhões. Se analisarmos o comportamento histórico desse resultado constata-se que as despesas do segundo semestre usualmente são maiores e o défict tende a aumentar. O novo pressuposto orçamentário, em aprovação pelo Congresso, é de um resultado negativo de R$ 159 bilhões. Considerando que as receitas não reagiram como o previsto e que esse ano não é possivel contar com os R$ 45 bilhões extras, vindos da repatriação de recursos e que auxiiaram o resultado de 2016, é bastante provável que o essa nova meta seja atropelada.

    Isso trará novo desgaste para o Governo, tanto no terreno político quanto na esfera econômica. O efeito direto de déficits seguidos e crescentes se dá pelo aumento da dívida pública. Assumindo os números do Governo, teremos até fim de 2018, uma divida bruta batendo a casa de 80% do PIB e, possivemente, mais perto dos 90%. Esse número ou, melhor, a tendência ora apontada, resultará em um aumento do risco potencial de default. A consequência lógica é que haverá pressão para aumento na taxa de juros implícita na dívida com efeito proporcional no custo do dinheiro e consequente reversão na tendência de queda da Selic, o que matará qualquer possibilidade de recuperação consistente da atividade econômica.

    O que deveremos ver até que o atual governo encontre seu ponto de total ruptura é uma série de tentativas desesperadas, tomadas de improviso e com todas as consequencias nefastas que resultam dessas situações extremas.

    O fator tamponante que tem sustentado o governo mais instável que me recordo e uma politica econômica que nos devolve ao governo Sarney é ter sido útil para entregar o que o “mercado” pede, mas, até isso vai encontrar limites.

    Logo, vai piorar e somente irá melhorar quando uma sáida politica for encontrada. 

  2. Me lembrei do apelo do Nassif
    Me lembrei do apelo do Nassif aos brasileiros….. Não é possível que empresários sejam tão toscos a ponto de seguirem apoiando esse desmonte……. A não ser que tenham se rendido também ao capital e se mantêm nos negócios apenas para não fecharem as portas, por qualquer motivo que seja, tirando seus lucros da especulação, como os outros…….

    1. A assimetria da crise

      Quando se fala em crise insistentemente e com constância, frente à uma depressão (não recessão) como a de agora, assumimos, de forma automática, que todos são afetados. Não é bem assim, há os muito afetados, os menos afetados e os que lucram na e com a crise.

      No caso das empresas, as que se mantém acima da linha d’água, em menor ou maior grau, se  beneficiam da crise ou dela poderáo se beneficiar na sequência.

      Há as que pelo seu porte, estrutura societária e de capital, por posição de mercado monopolista ou de nicho conseguem passar ao largo dos efeitos da crise ou, mesmo, usá-los a seu favor.

      Há outro grupo, mais numeroso que o primeiro, que até se ressente da conjuntura, mas, de seus efeitos futuros irá se beneficiar. Lembremos qu a crise, afetando o nível de atividade, levou à eliminação de milhões de postos de trabalho e com eles salários, benefícios e direitos trabalhistas. Também, criou a necessidade de maior extração maior produtividade dos demais fatores e pressionou ao máximo cada elo das cadeias de logística e suprimentos.

      Assim sendo, em fase posterior à crise, durante a recuperação da atividade, essas empresas “sobreviventes” irão operar em uma condição concorrencial mais favorável. Parte de seus competidores ficaram pelo caminho ou se retraíram ao ponto de deixarem de ser concorrentes diretos. Em segundo lugar, irão estar posicionadas para extrair margens maiores da operação. Entre o aquecimento das vendas e a pressão para aumento de custos há um descompasso. O incremento das vendas, obviamente, é o primeiro fator da recuperação da atividade econômica. Em segundo momento vêm alguma pressão sobre o preço de aquisição dos insumos. Mas, nesse meio tempo, entre os dois momentos, as “sobreviventes” agregam margem de resultado. Como o emprego reaje mais tarde, háverá um grande estoque de mão-obra-ociosa a absorver com, reflexo nulo ou irrelevante nos salários. Além disso as empresas já terão se apropriado em definitvo das perdas estruturais aplicadas aos benefícios e direitos dos trabalhadores sacrificados no altar da crise. Este componente do ganho poderá trazer algum efeito colateral indesejado sobre o consumo. Isso poderá representar uma redução da demanda que, a princípio anularia a ampliação da extração de mais valia obtida com a crise. Mas, há que se ponderar os efeitos da retração da oferta pela eliminação permanente  da capacidade produtiva, o que equilibraria a conta.

      O consumo se acomodando em um patamar inferior ao do período anterior à crise, mas, em contrapartida, a redução da oferta global abrindo, mais do que prorpocionalmente, espaço de mercado para as empresas que restaram.

      A ampliação dessas vantagens, com o argumento de preservar o que sobrou e sustentar um movimento de recomposição, será tentada pela demanda por menos regulamentação, redução dos número e peso dos tributos incidentes sobre a atividade empresarial e por mecanismos de proteção contra novos entrantes. Essa barreira de entrada se dará, de início, pela redução na oferta e condições do crédito oficial, mais propenso a assumir riscos na criação de novos emprendimentos, como em projetos de implantação de empresas. Será reforçada por um menor potencial de expansão do consumo e pela própria reconfiguração das forças em cada segmento de mercado,   

      Resultado esperado pelos que apostam nesse governo e em sua politica econômia : menor regulação, maior proteção, menor pressão concorrencial, maior facilidade para a venda, maior capacidade para fixar preços e para obter lucros, com menos esforço.

      Resta ainda outra consequencia a considerar. Em um primeiro momento há uma seleção, onde são eliminados os mais fracos ou os relativamente menos preparados para o enfrentamento do crise. Mas, em momento seguinte, promovendo alguma concentração empresarial em um ambiente com menor concorrência poderá haver incentivo à ineficência.

      Esse desfecho e suas consequências, além de possível, tem boa probabilidade de vir a ocorrer, senão em todos os setores da atividade econômica, mas nas maioria. Para ter certeza, vamos aguardar.

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