STF: Tribunal de Justiça ou de Direito?

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“Conta-se que Holmes, comprovando seu apego à autocontenção judicial (judicial self-restraint), cansado da retórica de um jovem bacharel, que insistia que a Corte desconsiderasse o que expressamente dispunha a lei e “fizesse justiça”, teria interrompido a oratória do inexperiente jurista para adverti-lo de que estava num tribunal onde se aplicava o direito, e não onde se “fazia justiça”: “Meu jovem, este é um tribunal de direito, não uma corte de justiça””. Causo narrado pelo desembargador Néviton Guedes, do TRF da 1 região e doutor em direito pela Universidade de Coimbra.

Oliver Wendel Holmes, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos entre 1902 e 1932 e um dos patronos da noção de autocontenção judicial, pela qual os juízes deveriam fazer o possível para aplicar a lei em vez de tentar fazer justiça.

Lembrei-me deste trecho do livro “A outra História do Mensalão”, de Paulo Moreira Leite, após ouvir outro bate-boca entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowisk durante o julgamento dos recursos dos condenados no processo 470.

Lewandowisk, percebendo a impaciência de Barbosa em terminar o tópico discutido, perguntou: “Presidente, nós estamos com pressa do quê? Nós queremos fazer Justiça”.

Joaquim Barbosa retrucando disse: “Nós queremos fazer nosso trabalho, e não chicana, ministro”.

Um quer  fazer o trabalho, aplicar a lei, e o outro fazer justiça.

Para mim este é o grande ponto da discussão: fazer justiça ou cumprir a lei (autocontenção judicial)?

Há de ser muito bem debatida esta questão. Pois atinge diretamente todo sistema judiciário. Além do que, os ministros não estão julgando, por exemplo, questões trabalhistas e sim corrupção, o que pode levar ao cerceamento da liberdade, o bem mais valioso que o ser humano tem.

Então, pergunto: será que o STF ou qualquer outro tribunal existe para fazer justiça ou apenas para cumprir o que determina a lei? E se for assim, será que nossas leis são por elas mesmas justas? Será que não partem de premissas injustas? E por isso mesmo, temos aquela eterna sensação que não foi feita justiça? De que faltou algo?

Ou talvez este seja mais um daqueles impasses que ninguém deseja resolver, por ser mais confortável? Sim, porque dependendo de quem está sendo processado o tribunal pode decidir por um ou outro lado, sem peso na consciência. Neste país, rico não vai para cadeia? Não é assim que dizem?

O que mais vale: a justiça ou a lei? E, digamos, se decidirem por uma corte apenas de Direito onde iremos procurar por justiça? Um não anda de mãos dadas com o outro.

É o mesmo caso do chamado “Domínio do Fato”. O STF fez uso dessa teoria para condenar pessoas já condenadas por parcela da população e pela mídia. Foi aplaudido. Agora, no caso do “propinoduto” do metrô os tucanos, um dos que aplaudiram, não querem nem ouvir falar disso. Claro, porque se usarem a teoria do mesmo jeito que usaram no mensalão Alckmin, Serra serão condenados, num possível julgamento.

O reflexo dessa discussão (levantada, sem querer, pelos dois ministros), justiça ou direito, recai sobre o cidadão comum. Lembremos um dia podemos ser vítimas de injustiças também.

Que o diga David Miranda, companheiro do jornalista Glenn Greenwald: ficou detido por nove horas no aeroporto, em Londres, baseado numa lei antiterror.  Os policiais agiram dentro da legalidade, se forem julgados serão inocentados. Porém, não foi justa a detenção. Por que não foi justa? Porque os agentes partiram de uma alegação errada, a de ele ser terrorista.

Então que filósofos, juristas, historiadores e cientistas vários ponham em debate esta questão. Já se passaram mais de oitenta anos depois da história relembrada acima.

Os povos indígenas já solucionaram esse problema, num certo trecho de uma poesia eles escreveram:

“… quando os nossos chefes e anciãos eram grandes líderes,

quando a justiça dirigia a lei e sua aplicação,

Depois vieram outras civilizações!“.

Redação

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