Junho de 2013 não foi a raiz de todos os males, por Luís Nassif

Antes de junho de 2013, já havia uma nova militância digital, o ciberativismo, utilizando os recursos da Internet.

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

A piada é velha, mas cabe na nossa história. O japonês foi dar a descarga na privada. Quando puxou a cordinha, explodiu a bomba de Hiroshima. Morreu, pensando que foi o causador da tragédia.

É o caso das manifestações de junho de 2013, em defesa do “passe livre”. A tentativa de imputar aos jovens organizadores todas as tragédias políticas que se seguiram, não se sustenta. Há que se ter um mínimo de contextualização histórica.

Peça 1 – A nova militância digital

Antes de junho, já havia uma nova militância digital, o ciberativismo, utilizando os recursos da Internet. Em São Paulo, no início da Internet, houve o MMM, Marcha Mundial das Mulheres, de mulheres militantes de vários países que se comunicavam através da rede.

No sítio da MMM, há uma reconstituição histórica:

“A inspiração para a criação da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) partiu de uma manifestação realizada em 1995, em Quebec, no Canadá, quando 850 mulheres marcharam 200 quilômetros, pedindo, simbolicamente, “Pão e Rosas”. No final desta ação, diversas conquistas foram alcançadas, como o aumento do salário mínimo, mais direitos para as mulheres imigrantes e apoio à economia solidária”.

 Pouco antes de junho de 2013, houve uma motociata de entregadores na marginal Tietê. E houve outras tentativas posteriores, até explodir no inesquecível movimento de ocupação das escolas, em 2016, com estudantes exigindo serem ouvidos, rompendo a relação algo autoritária com professores, ainda perdidos no novo mundo de informações.

O dossiê  “Coletivos e o ciclo de protestos dos anos 2010: reflexões sobre horizontalidade e as tecnologias digitais da informação e comunicação”, de Caio Becsi Vallengo e Marília Jahnel de Oliveira, da Universidade Federal do ABC, levanta esse período:

“Nas décadas de 1990 e 2000, a luta de resistência à globalização neoliberal conferiu caráter internacional aos movimentos sociais. Seu repertório abrangeu desde o uso pioneiro das então novas tecnologias digitais, especialmente da internet, pelo movimento zapatista, à pluralidade de táticas do movimento altermundista e organizou a resistência ao processo de globalização capitalista articulando as singularidades de lutas locais com o global através da vinculação de aspectos neoliberais encontrados em diversos territórios com os impactos negativos na vida da população”.

Peça 2 – o Movimento Passe Livre

O Movimento Passe Livre surge nessa onda. Seu inspirador foi um grande urbanista, Lúcio Gregori, Secretário de Transportes de São Paulo na gestão Luiza Erundina. Em sua gestão lançou a ideia da “Tarifa Zero”, que enfrentou muita resistência e não chegou a ser votado.

O primeiro movimento em favor da ideia foi em Salvador, em 2003, a chamada “Revolta do Buzu”. O movimento ganhou expressão devido à reação violenta da Polícia Militar.

Em 2004, em Florianópolis, defensores da tese, fecharam duas pontes que dão acesso à cidade e desestabilizaram lideranças políticas locais.

Em 2005, no Fórum Social Mundial, houve a ideia de unificar nacionalmente o movimento, proposta pelo grupo Campanha do Passe Livre de Florianópolis. Ali foi inaugurado formalmente o Movimento do Passe Livre, com princípios típicos do ciberativismo:  movimento social autônomo, apartidário, horizontal (sem hierarquia) e independente de financiamento de partidos, ONGs ou instituições.

Peça 3 – a direita ganha as redes

No início de 2013, ocorreu um novo fenômeno nas redes. Os jovens progressistas, os movimentos populares – inicialmente principais protagonistas do debate em rede – perdem espaço para o discurso de direita.

Meses antes das explosões de junho, alertei pessoalmente a presidente Dilma Rousseff, em encontro para o qual fui convidado pela então Secretária de Comunicação Helena Chagas, após artigos alertando para o que poderia vir pela frente. Dilma vivia seu momento de maior popularidade. E disse-lhe que em poucos meses sua popularidade iria despencar.

Na ocasião, tinha em mente a paralisia que tomava conta do governo. Nem imaginava que pudesse explodir algo com a intensidade ocorrida nas manifestações de 2013. Mas chamei a atenção para a perda de espaço da rapaziada. Na época, sem ideia sobre o uso dos algoritmos, atribuía a perda de protagonismo apenas à falta de bandeiras, o que era fato também.

O primeiro grande embate foi sobre os gastos da Copa do Mundo. Os críticos despejaram informações sobre a precariedade dos hospitais públicos, comparando com os estádios que estavam sendo construídos. Havia uma confusão óbvia entre gastos e financiamentos públicos.

Foi uma Copa muitíssimo bem organizada, com a criação de comitês envolvendo áreas de saúde, segurança, transportes das capitais que receberiam os jogos, mais Ministério Público e órgãos federais.

 Mas, no governo Dilma, o então Ministro dos Esportes Aldo Rebelo, já atuava como um autêntico quinta coluna, boicotando a defesa do governo. E, em cima desse boicote, houve decisões estaduais desastrosas de desapropriações e manobras para esconder a miséria dos visitantes estrangeiros.

Peça 4 – a frustração das expectativas

Há um fenômeno curioso, que certamente já foi estudado pelos especialistas em psicologia social. Pouco importa se determinada categoria melhorou de vida nos últimos anos. Seu estado de espírito é definido pelas expectativas dos próximos anos.

Era claro o que ocorreu com os metalúrgicos do ABC nos anos 70. Terminaram a década em muito melhores condições que no início. Mas as expectativas eram de anos duros pela frente. Ou seja, de interrupção da melhoria de vida. Explodiu um movimento que, para sorte do país, foi canalizado para a política graças à liderança de Lula.

O mesmo ocorreu em 2013. Havia uma nova classe média, incluída pelas políticas sociais dos anos anteriores. Mas não havia mais o sonho de crescimento, em parte pela ausência de um discurso público mobilizador, pela apatia dos partidos políticos e pelos efeitos da economia global no desaquecimento da economia interna.

Lembro-me bem de uma conversa com a Tita, nordestina dona do restaurante Canto Madalena. Ela foi ao nordeste. Os mais antigos idolatravam Lula, gratos pelo apoio dado aos pobres. Os mais jovens, não. Já se consideravam classe média e queriam mais.

Escrevi artigos na ocasião, tentando mostrar que os cidadãos pós-inclusão nada tinham a ver com os pré-inclusão. Depois que entram na classe média, passam a emular ideias e procedimentos da classe média. Tornaram-se críticos da má qualidade dos serviços públicos.

Parecia que tinha caído a ficha de Dilma para o tema. Na inodora gestão de José Eduardo Cardozo, na Justiça, havia uma Secretária do Consumidor que preparou um plano belíssimo de melhoria dos serviços públicos. O plano durou o tempo exato do dia do seu lançamento. Depois, nada mais se leu, nada mais se ouviu.

Além disso, o glorioso período de 2008 a 2012 criou uma nova geração de empreendedores, apostando que o ritmo de crescimento iria perdurar. Quando começou a crise, em 2013, começou também o processo de quebradeira e de fim de sonho. E aí, a frustração geral tem que se personalizar em uma pessoa: o presidente da República, seja qual for.

Lembro-se de um evento de resistência que fizemos, em contraponto às manifestações de rua pelo impeachment. A Laerte estava saudosista:

  • Nas diretas, o povo saía nas ruas para pedir democracia. Agora sai espalhando ódio.

A explicação era simples. Na crise dos anos 80, o presidente da República era um general; agora, era uma presidente, mulher e de esquerda.

Peça 5 – o início do movimento

O movimento começou repetindo os princípios acordados no Fórum Social Mundial. Era de jovens progressistas, em torno de uma causa social das mais relevantes, mas sem lideranças e sem envolvimento com partidos políticos.

Uma das cenas mais festejadas pela imprensa foi a de jovens do movimento expulsando manifestantes que carregavam bandeiras do PT.

A Polícia Militar investiu com uma ferocidade sem precedentes. Na época, eu tinha um escritório perto da Paulista e tive que abrir os portões para abrigar jovens fugindo da violência policial.

A violência despertou a solidariedade de outros setores. E o clima de mal-estar começou a levar para a avenida outros grupos, empregados de multinacionais, classe média alta. Sem apoio dos partidos da esquerda, apanhando da PM, sem lideranças – já que se apresentava como movimento horizontal -, o MPL perdeu o controle sobre as manifestações, que foram assumidas pela direita.

Em 18 de junho de 2013, em plena efervescência, o GGN publicou o artigo “Não tenham medo dos jovens. Apenas os escutem”.

“Era um oceano de jovens. No meio, os não jovens sumiram – estavam lá como lembrança de ontem, com suas convicções democráticas intocáveis, indignados com a violência policial da semana anterior, com o conservadorismo político e com a pesada herança do passado autoritário que estava por trás de cada bomba de efeito moral e cada bala de borracha atirada pela polícia contra um jovem. Mas aquele não era o lugar para pessoas maduras. As ruas de São Paulo foram o endereço dos jovens na última segunda-feira – e naquele palco, o recado que deram em cada pedaço de papel empunhado como cartaz, cada um como parte de um mosaico caótico de miríades de reivindicações e protestos, é que o sistema político está velho. Estava velho antes. Envelheceu ainda mais, com maior velocidade, nas últimas semanas em que os jovens ocuparam as ruas”.

No dia 18 de maio de 2014, insisti no tema, no artigo “O PT e o movimento dos sem partidos”.

“Nas manifestações de junho, a primeira reação do PT foi de quase pânico, como se intrusos ousassem questionar seu predomínio sobre as manifestações de rua. Depois, as principais lideranças entenderam o fenômeno. Mas entre entender e definir formas de abrigá-los há uma enorme distância.

Há uma dificuldade de ordem interna do partido, de conseguir se arejar, o que significa os setores tradicionais abrirem (seu) espaço para os novos atores. E outra de ordem institucional: o governo Dilma é impermeável até ao PT tradicional, mas ainda aos novos movimentos”.

Já contei a história de minha ida para Guaranésia, trabalhando no computador enquanto a companheira dirigia. Lá pelas tantas fui dar em uma página com o comentário de Arnaldo Jabor, tratando o movimento como “trinta centavos de merda”.

Disse para a Eugênia: quer apostar que, daqui a poucos dias ele começará a elogiar o movimento?”.

Peça 6 – a direita toma conta

Não foram poucos dias. Foi no dia seguinte. Em pouco tempo, o Ministério Público Federal saiu a campo contra um Projeto de Lei que impedia que atuasse nas investigações. Fechava-se o pacto com a Rede Globo. De um lado, o MPF poupava a emissora nas investigações sobre a corrupção na FIFA e na CBF. De outro, fariam a parceria para a derrubada do governo.

ONGs ligadas aos “bilionários do bem”, do Partido Democrata, e à ultradireita do Partido Republicano, também vieram se somar aos manifestantes.

No artigo “Xadrez das insurreições bolsonaristas”, de 19 de novembro de 2022,  levantamos os fatores externos.

“Em 2015, o livro “Guerras Híbridas: Das Revoluções Coloridas aos Golpes”, de Andrew Korybko, traduzido para o português pela Expressão Popular, sistematizou os pontos em comum entre as diversas “revoluções coloridas”.

Um dos diagramas mostra o funcionamento desses movimentos.

No comando da organização, há os ideólogos fornecendo o cimento que juntará todos os tijolos. Abaixo deles, os financiadores e o social – os institutos e ONGs que passaram a organizar movimentos jovens por vários países, dentro das chamadas “revoluções coloridas”.

Essas ONGs, das quais a mais notória é a Atlas Network, monta treinamentos para jovens atuarem politicamente nas redes sociais e na vida real. A partir daí geram um conjunto de informações, fatos e teorias conspiratórias que alimentam a mídia”

O artigo mostrava os braços da Atlas Network no Brasil:

Houve o caso do Viva Rio, um movimento da cidade que recebeu o apoio de uma agência de publicidade ligada ao Partido Democrata, que se especializou em estimular ciberativistas em outros países.

Passo 6 – o desfecho de tudo

Estava tudo preparado para a explosão posterior. O discurso de ódio da mídia, o jornalismo de esgoto, o ativismo político do Supremo e do MPF a partir do “mensalão”, o afastamento do PT e do governo dos movimentos populares, o início da crise mundial refletindo-se no país.

Os efeitos da incompreensão sobre os eventos de 2013 vieram depois. O midiativismo que tomou conta da política, que elegeu Bolsonaro e um grupo enorme de filhos do imbecil coletivo, eram de direita. Os jovens progressistas, precursores do ciberativismo, foram atirados ao mar. E ainda hoje pagam a conta de terem gerado o bolsonarismo.

Luis Nassif

15 Comentários

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  1. Estão tentando reescrever a História e desqualificar os Black Blocs, responsabilizando-os indiretamente pelo golpe jurídico-político-midiático de 2016, pela eleição do Bolsonaro e pela invasão de Brasília pela ralé. Segundo Eduardo Paes, “o que saiu dali, (Junho 2013), não melhorou nem qualificou a política’. Ora, se a política continua péssima e desqualificada, a culpa não é dos Black Blocs. Ademais, o golpe foi um processo e só não aconteceu antes e com consequências mais graves por causa da (re)-ação dos Black Blocs. Em suma: se o Movimento de 2013 não melhorou nem qualificou a política, essa (in)-ocorrência não foi por causa dos Black Blcs, mas apesar deles.
    O que aconteceu após Junho/2013 decorreu da inércia dos que agora acusam os Black Blocs.
    Desde que o Aldo Rebelo ajudou os latifundiários a reformar (para pior) o Código Florestal já tava na cara, prá quem não fosse míope e quisesse ver, que ele já era quinta coluna. Não sei como a Dilma aceitou aquele traíra como Ministro.

  2. Protestos: da origem democrática à tragédia e à barbárie II
    A transformação e evolução trágica dos protestos, que tinham em sua gênese, cunho de manifestação democrática, e eram contra o império do poder econômico e político, o qual, mantém até hoje suas estruturas oligárquicas e exploradoras do povo brasileiro.
    No caso, o protesto do movimento passe livre contra as condições do transporte coletivo em São Paulo – por ocasião do aumento da passagem dos ônibus.
    Como é que, no desenrolar destes movimentos, a mídia subverteu tais manifestações e as transformou em um instrumento destinado a atacar o governo federal, o PT de Dilma Rousseff -, culminando como um instrumento indutor da barbárie e da violência.
    O porque de uma parte da esquerda, neófita em guerras hibridas, ter se lançado açodadamente neste movimento, acerca do qual, muitos, ainda hoje, não tiveram a necessária compreensão para perceberem como foram efetivamente usados para destruir a democracia, quando acreditavam estar ajudando a construí-la.
    Uma breve remissão histórica.
    No combate ao regime militar, o protesto, sem sombra de dúvida, ainda que violento e ainda que destrutivo, dirigia-se contra o aparelho de Estado, tinha sua razão de ser, destinava-se a dar visibilidade a uma forma de pensar que levaria a democracia e a liberdade de expressão.
    Em síntese, os que participavam dos protestos durante o período da ditadura militar, queriam a volta da democracia e da livre expressão e pelo término da repressão policial.
    Todos que participavam tinham plena consciência do que significava a manutenção da ditadura em detrimento da população em geral.
    Neste ponto, faço uma breve remissão, ao movimento que foi um dos maiores protestos, o das DIRETAS JÁ.
    NO caso, todos que lá estavam (no movimento das diretas) sabiam aonde estavam, com quem estavam, contra o quê e contra quem estavam lutando… e, fundamentalmente, porque estavam ali.
    Quem promovia o vandalismo era a polícia que atacava todos os movimentos, ainda que pacíficos. Era a repressão pura, oriunda da forma de pensar dos governantes de então.
    Mas, eis aí a grande diferença, neste período tais atos geravam politização, cidadania, liberdade.
    ….
    Em contrapartida, os protestos de junho de 2013, que começaram com a mesma motivação, ou seja, contra a truculência da polícia do governo do Estado de São Paulo, ou seja, contra a repressão policial… em razão do oportunismo midiático, em pouco tempo se transformaram em uma manifestação que não tinha mais norte. Passou a ser contra tudo que esta aí.
    E neste tudo que está aí estavam no movimento, desde skinheads, fascistas, minorias lgbtqia+(contra o Feliciano), movimento passe livre, sem teto, grupos de esquerda (psol e pstu), justiceiros, grupos contra a corrupção, black blocs…
    Exatamente pela diversidade, não se sabia a favor do que ou contra o que estavam se manifestando/apoiando. Daí surgiu o mote: estamos protestando contra tudo isso que está aí…
    E vieram cenas lamentáveis. o Congresso foi atacado, pequenos comerciantes tiveram suas bancas incendiadas, cidadãos comuns tiveram seus carros incendiados e pequenos lojistas viram suas lojas serem saqueadas.
    E aí, em todo este desenrolar, a grande mídia, que sempre condenou tais vandalismos e censurava toda e qualquer manifestação. de uma hora para outra passou a cobrir de forma incessante as manifestações, ainda que violentas, quase que transformando-as em manifestações cívicas, tudo com o propósito de imputar responsabilidades e acusar o governo, um governo de centro mas com ênfase nos direitos sociais.
    Em termos claros: mostrar e insuflar , pontualmente, a insatisfação do povo brasileiro, para depois editar os motivos da insatisfação.
    E muitos foram iludidos e defenderam a manifestação popular, direito fundamental da democracia.
    Esqueceram que esta somente é fundamental quando é livre, e estas manifestações, a partir do momento que foram aparelhadas pela mídia perderam sua essência, viraram joguete nas mãos de seus piores inimigos. Viraram instrumento da Globo, da Folha de São Paulo, do Estadão, da Veja, de todo este grupo conservador e antipopular.
    Passou-se a defender a violência e a depredação feita pelos black blocs como fenômeno democrático.
    A polícia e o patrimônio público passaram a ser atacados.
    Esqueceu-se que, num regime democrático, a polícia tem a função de defender a liberdade, ao contrário do regime militar. São servidores públicos iguais a tantos outros.
    Ressalvo que, como todo aparato militar de segurança, pode ter sua atuação desvirtuada pelo governante de ocasião (exatamente o que aconteceu). Quando Geraldo Alckmin (PSDB) reprimiu com o uso da policia as manifestações, .
    …as manifestações eram contra o aumento das passagens dos ônibus e pela instalação de uma CPI para averiguar desvios no transporte coletivo (metrô de São Paulo e o cartel, corrupção, propina…e o sucateamento dos trens como resultado deste descalabro).
    Pois bem.
    Em linhas gerais, bem amplas, estes são alguns dos aspectos que compuseram tal cenário.
    Houveram várias outras componentes, mas, nesta análise, que não tem a mínima pretensão de ser exaustiva, prendo-me a estas diretrizes.
    …..
    De tal cenário, como erroneamente apregoaram diversos analistas políticos(da grande mídia), não surgiu uma maior politização, entendida como um espaço maior na liberdade de expressão e manifestação em busca de objetivos comuns à sociedade em que vivemos.
    Ao contrário, resultou em um aumento da barbárie e proporcionou o surgimento de ícones fascistas (justiça pelas próprias mãos, repressão aos pobres da periferia pelos rolezinhos, vandalismo, e a toda hora manifestações que resultavam em depredações várias, ou no trancamento puro e simples de vários acessos vitais).
    Com o tempo, os protestos, com tal falta de unidade de desígnios, que uniam manifestantes de shopping centers a jovens da periferia e militantes de esquerda, etc , que passaram a ter apenas o mote midiático “de contra tudo que esta aí”,enquanto manifestações massivas, se tornaram insubsistentes e definharam, .
    A ânsia em participar de manifestações coletivas, a adrenalina do protesto em si mesmo, a catarse coletiva, logo consumiu seu fôlego, cedeu ao apelo da razão na maior parte dos coletivos e movimentos de esquerda, passou a ser um imperativo a pergunta: porque estou aqui? E, a palavra de ordem, “contra tudo isso que está aí”, por ser vazia de sentido e não ter objetos definidos e claros, deixou de ter apelo determinante.
    Aqueles chavões genéricos – contra a corrupção, a juventude se manifestando, o povo na rua, contra a repressão, etc, eram amplos demais e, ao mesmo tempo que diziam tudo, não se referiam a nada, eram pura manipulação. Passaram a soar como discursos de outros Demóstenes, ou Collors de Mello, paladinos da Justiça e caçadores de marajás, já desmascarados, ou por desmascarar.
    A maior parte dos participantes não se identificava com os black blocs, que participavam vandalizando, destruindo e sendo protagonistas na arte de hostilizar os policiais.
    Aos poucos a desilusão, a noção de terem sido manipulados, a sensação de serem objeto da mídia passou de forma subliminar a tomar conta. Não, não foi e, não é ainda hoje, uma coisa consciente. Muitos destes, apenas se sentem incomodados quando se veem ou veem isso na mídia. Mas, ainda é tempo de compreensão, principalmente porque somente restou a barbárie.
    De outro lado, movimentos sem conotação partidária expressa, como a Marcha das Vadias, ou com objetivos definidos como o MST ou até mesmo o Movimento Passe Livre e os de militantes de partidos políticos, aos poucos voltaram a ter sua real representação e a ter suas manifestações e movimentações excluídas da informação midiática nos grandes jornais.
    Ficou somente o rescaldo do aumento da barbárie como resultado dos movimentos de protesto, que deveriam ser manifestações de apoio e construção da democracia, e que por motivação expressa dos donos da mídia tradicional transformaram-se no oposto.
    Mais uma vez criaram um monstro.
    Foi o primeiro teste no Brasil da forma híbrida de insuflar e pautar movimentos sociais de massa, e naquele momento a hegemonia das grandes redes de comunicação, jornais e televisão, se mostraram e toda sua extensão, e não se fale em redes sociais, as quais incipientes aqui no Brasil, eram alimentadas, justamente por este monopólio das comunicações.
    Fundamentalmente, foi uma demonstração soberba do poder da mídia de alterar a motivação geral dos manifestantes nos protestos, de editá-la, e, pior, de redirecioná-la no sentido que eles quisessem.
    Tais forças destrutivas, depois de liberadas, fogem ao controle.
    Neste compasso, tenham muito cuidado, as forças da destruição e da barbárie todos os dias ecoam nos grandes jornais e televisões, e, agora, com força nas redes sociais, seu canto de sereia, querendo levar à perdição quem acreditar em seus porta-vozes.
    Depois deste primeiro período, houve a perda de poder da mídia tradicional, mas, o modus operandi, continuou o mesmo, só que através do aparelhamento das redes sociais, como o que levou, em 2018, um obscuro político de conotação fascista e antidemocratica e seu grupo, ao poder maior, a Presidência da República e a hegemonia política.

  3. Plenamente de acordo, Nassif. Jamais concordei com a tese ‘2013 foi manipulação das redes’, e sigo discordando.De fato, as grandes redes, impulsionadas e financiadas pela extrema-direita global, se apropriaram das subjetividades que deflagraram as manifestações, mas apenas depois delas terem se iniciado, e não antes.
    Perceberam que havia ali uma enorme massa de manobra sem liderança, à esquerda ou direita, e galvanizou insatisfações dirigindo-as, aí, sim, à Direita. E nosoutros cá em Fortaleza, onde aconteceram as maiores manifestações depois de São Paulo, sentimos no lombo e nas narinas o porrete e o gás lacrimogénio e de pimenta da PM, brava defensora das cercanias de um estádio de futebol.
    E o motivo por cá não era o preço da passagem de ônibus, pelo menos não prioritariamente. Escrevi bastante na época, inclusive por ter participado de três das quatro grande manifestações que aconteceram na capital cearense, só para lembrar cito este artigo no Viomundo, dando conta da ferociade policial militar autorizada por governos de esquerda e centro-esquerda, a quem as próprias PMs têm hojeriza: https://www.viomundo.com.br/denuncias/tulio-muniz-em-fortaleza-quando-a-policia-e-o-bando.html
    Sobretudo na primeira das manifestações, na qual, estima-se, talvez tenha reunido uma centena de milhares de pessoas, era só olhar para o lado para constatatar que a insatisfação era geral.
    O mais periféricos dos moradores do entrono do estádio Castelão (que depois abrigou a Copa das Confederações e o Mundial) recebeu e perfilou-se, no bairro onde mora, com a classe média mais ‘dondoca’ e shoppinzeira que, em circunstancias ‘normais’, jamais poria lá os pés ou seus carros importados.
    Há muito ainda a se compreender do Junho de 2013, que não teve a pomposidade do apelido ‘Jornadas de Junho’, mas tampouco foi um movimento completamente orquestrado pelas bigtechs. Seguir afirmando isso é desconsiderar o potencial de revolta que a população brasileira têm desde o séc. XIX, pelo menos, contra tantas e tandas determinações e omissões que vêm de governos exercidis na base do ‘de cima para baixo’.

    1. Jamais pega fogo onde não há combustível; mas, para provocar um incêndio, especialmente um de proporções cataclísmicas é preciso bem mais que fogo pequeno e previsível.

    2. Alguém me explica por que motivo as manifestações por tarifa zero tinham de radicalizar e ganhar as ruas exatamente no momento em que houve negociações para subsidiar as tarifas para usuários mais carentes no município de São Paulo, após anos de intransigência dos governos anteriores, de direita,sem que houvesse tal comoção? Não haveria aqui uma maior disposição à radicalização, à esquerda, quando uma “esquerda moderada” assume o “poder”, do quando a direita é quem manda? Qualquer paralelo com a briga entre socialdemocratas e comunistas quando das ascensão do nazismo não será mera coincidênci, penso. Sem prejuízo de erros dos governos petistas.

  4. Luiz Nassif,
    Considero um tanto confusa a sua análise. Você tenta ver do alto as manifestações como se fossem uma só coisa.
    Creio que a análise de junho de 2013 ainda está pendente. Sobre as manifestações seriam necessárias duas tarefas. A primeira consistiria em fazer a distinção entre as primeiras manifestações que eram puxadas por setores radicais de esquerda e as segundas manifestações que eram de direita e ao expulsar os partidos políticos – o fundamento da democracia moderna – tinham mesmo uma vertente fascista.
    E a segunda tarefa seria dimensionar o efeito da segunda etapa das manifestações na economia. A segunda etapa teve um efeito desproporcional na popularidade de Dilma Rousseff. Nunca em tempo de paz um chefe de Estado teve uma queda tão grande de popularidade em tão pouco tempo. Em maio a popularidade de Dilma era de quase 70% e em julho era de menos de 40%.
    Para a segunda tarefa é preciso considerar que a economia foi arrumada para voltar a crescer em 2013 e crescer pela via do investimento sendo que no ultimo trimestre de 2012 e nos dois primeiros trimestre de 2013, quando anualizado o crescimento dos investimentos de um trimestre com o trimestre anterior apontava para percentuais de 2 dígitos.
    E do 3º trimestre de 2013 em diante o crescimento estancou.
    Há outras tarefas também pendentes. Um exemplo seria saber o que levou a segunda etapa das manifestações a ter tamanho assombroso. A meu ver o grande fator de motivação da segunda etapa das manifestações foi o julgamento da Ação Penal 471 no STF.
    De todo modo, imagino que instituos de pesquisas sempre fazem levantamentos mais completos em manifestações e eles podem ter muitas respostas a perguntas que hoje podem ser formuladas: O que levou a participar das manifestações? Qual a faixa de renda do participante e outras que tais.
    Clever Mendes de Oliveira
    BH, 20/06/2023

  5. FOI UMA INSANIDADE E FIM ! NÃO HAVIA MOTIVOS PRA TANTA BURRICE DESSA MOLECADA. APONTEM UM MOTIVO OS QUE DEFENDEM ESSA MOLECADA BURGUESA.

  6. O que faltou mesmo e muito foi trabalho doutrinário, para mostra a quem subiu na vida que isso não se deu apenas tão somente a suas custas, mas graças a uma política de governo e de partido. Mas não são poucos dentro do partido e da esquerda em geral, e são imensa maioria, que se eu falar em doutrinação me chamam de estalinistas. Cuba só resiste graças a doutrina e ação. Pronto, falei. Até os dias de hoje a doutrinação é um palavrão…a direita agradece.

  7. Com ou sem culpa pelas consequências, os movimentos tinham uma grande característica em comum: irresponsabilidade dos líderes e manifestantes da esquerda. É preciso lembrar que Boulos gritava “não vai ter copa” e “fora Dilma” antes de se dar conta das jornadas/cagadas. Com o jornalismo vendido, ninguém chamou à atenção aos que acusavam a velha política de que estavam promovendo a velhíssima política, que levou ao miliciano e até agora ao parlamento reacionário que domina o cenário. Em lugar de procurar gatilhos pequenos deveríamos buscar quem manejava os cordéis e continua rindo até hoje.

  8. Vou continuar estranhando aquela movimentação da noite de 20 de maio, em boa parte dos estados, nas agências da Caixa Econômica, numa época em que os usuários de redes sociais eram mínimos, e menos ainda os smartphones. Quem espalhou, tão convincente e eficientemente o boato que o GOVERNO DO PT iria tirar todo o dinheiro do Bolsa Família das contas?
    Para mim foi um teste do modelo aplicado, a partir de 13 de junho, a seguir.
    E aí foi só enfiar os “Black Blocs”.
    “Tudo vigiado por máquinas de adorável graça”

  9. Se as Forças Armadas fazem parte e estão subordinadas ao Poder Executivo, como elas podem ser um poder moderado?
    Se querem saber a resposta, procurem ao asqueroso Ives Golpista Gandra

  10. Acho que o jogo ainda está rolando e só acabou o 1o tempo. Vale lembrar que a crise de 2008 afetou os EUA e sua estratégia. A entrada dos BRICS acelerou os grandes choques e primaveras hibridas. Declínio e queda do Império Romano do Gibbon apontou o dedo para os cristãos que amoleceram os escravos e entraram na casa dos patricios ou quase isso. Há permanência dessa civilização na cultura e valores de hoje no mundo ocidental. Lula tá conversando com Francisco sobre o conflito na Ucrânia que aliás viveu sua primavera no ano de 2014.
    Ainda estamos dentro do furacão. Romario dizia “passa a bola pra mim que eu faço…”. Tenho a impressão que um gol não resolve a partida então todo mundo junto e bola pro mato

  11. Alguém me explica por que motivo as manifestações por tarifa zero tinham de radicalizar e ganhar as ruas exatamente no momento em que houve negociações para subsidiar as tarifas para usuários mais carentes no município de São Paulo, após anos de intransigência dos governos anteriores, de direita,sem que houvesse tal comoção? Não haveria aqui uma maior disposição à radicalização, à esquerda, quando uma “esquerda moderada” assume o “poder”, do quando a direita é quem manda? Qualquer paralelo com a briga entre socialdemocratas e comunistas quando das ascensão do nazismo não será mera coincidênci, penso. Sem prejuízo de erros dos governos petistas.

  12. No Brasil foi em junho de 2013. Na Ucrania o Euromaidan foi em novembro de 2013.

    Ambos os países foram dominados pelos nazistas e acabaram bombardeados, cada qual do seu jeito, pelos mesmos motivos. Lula está totalmente certo em defender a paz, antes que a guerra chegue aqui. Os brasileiros que foram lutar na Ucraina morreram ou correram.

    Quem quer guerra que escolha o seu front e vá pra lá.

  13. Tem muita gente alinhada com o Arnaldo Jabor/Pig: “Eles são a caricatura violenta do socialismo dos anos 50 que a velha esquerda ainda defende aqui. Realmente, esses revoltosos de classe média não valem nem 20 centavos”.
    A ação dos Baderneiros por uma vida melhor provocou a reação dos parasitas sociais e dos seus lambe-botas. Dessa forma, os Baderneiros são culpados por ação. Deviam continuar omissos para sempre, a fim de não provocar a reação dos parasitas sociais e da sua imprensa golpista

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