Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Cristina Kirchner afastada da campanha e Javier Milei renova seus ataques ao Papa Francisco

Se Cristina não entrar na campanha, governo não chega a 30% dos votos. Mas se atacar Milei, isso pode fazer ele ficar com 50% dos votos.

Véspera de eleições: Cristina Kirchner afastada da campanha e Javier Milei renova seus ataques ao Papa Francisco

por Maíra Vasconcelos – Especial para o Jornal GGN

Até o momento, a vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner (CFK) está retirada dos cenários da campanha eleitoral. Um silêncio que se faz ouvir pelas consequências que sua presença política pode acarretar para a candidatura presidencial do ministro da Economia Sergio Massa. Caso Cristina Kirchner entre na campanha, isso somaria votos ao peronismo, mas, dependendo da estratégia, os votos iriam em favor do representante da extrema-direita Javier Milei. Considera-se que uma campanha que inclua CFK em confronto direto com o libertário, pode ser um tiro no pé pelo seu índice de rejeição. Assim, Cristina Kirchner pode significar ou não uma eleição favorável a Massa, mas também pode não alterar os rumos que o fenômeno Milei já tem alcançado, com chances consideráveis de ocupar a Casa Rosada, cogitado até para ganhar no primeiro turno. 

Por outro lado, também tem sido cogitada a possibilidade de que Cristina Fernández seja quase “obrigada” a entrar na campanha eleitoral, o que poderia ocorrer por esses dias. Já que a vice-presidente pode ser convocada para depor, em um julgamento oral e público, ainda sem data prevista, na causa chamada “Hotesur y Los Sauces”, que diz respeito aos hotéis de propriedade da família, no Sul da Argentina. Na mesma causa judicial, também seu filho e deputado nacional, Máximo Kirchner, poderá ser convocado a depor, ambos acusados de lavagem de dinheiro. A decisão judicial foi divulgada nesta segunda-feira, 19 de setembro, quando a Câmara Federal de Cassação, máxima instância jurídica, deu volta atrás e revogou a absolvição de Cristina Kirchner. A decisão inclui ainda, no caso da vice-presidente, uma acusação por um suposto pacto com o Irã, também com o suposto objetivo de beneficiar os suspeitos iranianos que explodiram o prédio da AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), em 1994, em um ataque terrorista que deixou 85 mortos.

Alguns analistas consideram que se Cristina Kirchner não entrar na campanha, o governo não chega a 30% dos votos. Mas se Cristina retornar à cena política para atacar Javier Milei, isso pode fazer com que o candidato libertário ganhe com mais de 50% dos votos. Essas são algumas das projeções que se tem feito na mídia local. De acordo com o jornalista Carlos Pagni, a palavra da ex-presidente é a única que teria peso suficiente para afirmar que com Sergio Massa a situação atual do país irá melhorar. Mas Massa não suscita paixão e o que tem para oferecer está associado a uma postura racional frente à condução política, comentou Pagni. Além do mais, o ministro não conta com uma boa imagem pública.

Fato é que com ou sem Cristina Kirchner na campanha de Sergio Massa, a novidade de uma extrema-direita com força eleitoral tem conseguido desequilibrar o jogo polarizado da política argentina, dos últimos 20 anos, entre o peronismo e a direita neoliberal do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019). A presença dos Libertários no cenário político nacional, também tem reestruturado a tão discutida “brecha” (“grieta” em español), divisão sobre a qual está assentada uma das lutas políticas do país, entre peronistas e anti-peronistas, nos últimos anos atualizada entre kirchneristas versus anti-kirchneristas, como destacou o jornalista Marcelo Falak em seu artigo, “El peronismo y la Argentina que ya no es”, no jornal LetraP, . “O minarquista reformulou drasticamente a grieta, mesmo que os “K” e o “anti-K” continuem a pensar em termos de “K” e “anti-K””, escreveu. Javier Milei também é chamado de minarquista na imprensa local, ideologia que defende que o Estado deve ocupar um espaço mínimo na sociedade.

Tal movimentação inusitada no tabuleiro da política local, que tende à extrema-direita, obrigaria os peronistas e macristas a mudarem suas estratégias de campanha e renovarem seus programas de governo. Com isso, Falak citou, entre aspas, uma crítica pública do governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, um kirchnerista autêntico, sobre a necessidade de recomposição das propostas de governo da coalizão “União pela Pátria” (UP). 

“Coisas novas e complicadas estão acontecendo (…) Não vamos nos entusiasmar demais apenas com um discurso nostálgico e uma proposta nostálgica. Não tenho dúvidas de que os tempos de Perón, Evita, Néstor e Cristina foram os mais gloriosos que nosso país viveu, mas acho que temos de (buscar) um novo caráter de época (…). Já há um cheiro daquelas bandas de rock que tocam os maiores sucessos antigos. Vamos ter que compor, pessoal”, disse Kicillof.

Já a candidata da coalizão de Macri, “Juntos pela mudança”, Patricia Bullrich, tem sido criticada, justamente, por insistir em polarizar com os anti-kirchneristas, quando a situação pré-eleitoral exige novas propostas frente ao fenômeno da extrema-direita. Bullrich se preparava para ocupar o lugar da direita, não apenas neoliberal, mas também radical e antipopular, mas o aparecimento de Milei captou os votos que a candidata pensava alcançar com um discurso mais truculento e repressor, por exemplo, na área da segurança pública. Mesmo que tenha apresentado propostas, tituladas, “Um país em ordem”, que incluem livre circulação do dólar, em base a um “bimonetarismo”, redução do número de ministérios, redução da idade penal, novas funções para as Forças Armadas e de Segurança, e “revisão” do Mercosul, entre outras; e que cumprem com certa pauta que parte do eleitorado busca em Milei. No entanto, hoje, Bullrich está perdida em suas estratégias erráticas de oposição e entre a possibilidade de um segundo turno que a exclua.    

Milei: o Papa Francisco e sua “afinidade com comunistas assassinos”

O candidato presidencial Javier Milei, mais uma vez, atacou Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, afirmando que “ele está do lado das ditaduras sangrentas”. Em nova entrevista, na semana passada, para o jornalista estadunidense, Tucker Carlson, o libertário foi questionado por seus comentários a respeito do Papa, e voltou a atacar o pontífice: “O papa faz política, tem uma forte influência política e também demonstrou uma grande afinidade com ditadores como (Raúl) Castro e (Nicolás) Maduro. Em outras palavras, ele está do lado de ditaduras sangrentas”. E continuou: “Ele tem afinidade com comunistas assassinos (…) Ele é condescendente com todos os esquerdistas, mesmo que eles sejam verdadeiros assassinos”.

Em outra ocasião, o libertário já tinha atacado o Papa: “um personagem vergonhoso, nefasto, representante do maligno na Terra”. Logo após os insultos, os padres das favelas e bairros populares de Buenos Aires, os padres “villeros” (villa no espanhol argentino é o mesmo que favela), organizaram uma missa pública na Villa 21, no bairro portenho de Barracas, no último dia 5 de setembro, como resposta ao candidato e a favor da justiça social e da “presença inteligente” do Estado. Milei usa a figura do pontífice para calibrar sua campanha de ódio a determinados grupos, como todos aqueles que o candidato chama de “socialistas”, um “excremento humano”. Logo após a missa, os “padres villeros” se reuniram também com a candidata presidencial Patricia Bullrich, e dias anteriores já tinham conversado com Sergio Massa, para transmitir aos candidatos presidenciais as demandas dos bairros pobres de Buenos Aires.

A sequência argentina: ajuste econômico, resistência e repressão

Caso o candidato liberal ganhe as eleições de 22 outubro na Argentina, o país poderá voltar a vivenciar a já conhecida sequência: ajuste econômico, resistência e repressão. A conclusão faz parte do editorial do mês de setembro, do Le Monde Diplomatique, “Escenas de conflicto y represión”, de José Natanson.É comum ouvirmos em conversas sobre política em Buenos Aires: voltaremos às ruas, vamos protestar, paramos tudo, e como sempre acontece também haverá mortos e feridos. Talvez, a Argentina seja o país latino-americano com maior vocação para insurreição social e mobilização da sociedade civil. Historicamente, o país vive processos de convulsão social ante momentos de políticas antipopulares. Quer dizer, se todos os governos, desde Cristina Kirchner, e inclusive o atual governo de Alberto Fernández, que conta com maioria no Congresso, enfrentaram mobilizações massivas, ruas interrompidas, greves gerais, minisaqueios, esses também mais recentes, um plano de ajuste de choque impopular, como promete Milei, é algo “diretamente explosivo”, afirma Natanson.

Maíra Vasconcelos – jornalista e poeta, mora em Buenos Aires, publica artigos sobre política argentina no Jornal GGN e cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. 

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Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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