Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Com o kirchnerismo fora do centro, qual peronismo poderá surgir com Sergio Massa?

Independentemente, se mais ou menos à direita ou ao centro, fato é que a fórmula Massa-Rossi não é uma candidatura “puro sangue”

Com o kirchnerismo fora do centro, qual peronismo poderá surgir com Sergio Massa?

por Maíra Vasconcelos

Especial para Jornal GGN

Talvez, como torcedores de times de futebol, poucas vezes se tenha visto uma festa tão emocionante como a que o Boca Juniors e a Seleção Argentina de Lionel Messi ofereceram como despedida ao ídolo Juan Román Riquelme, domingo, 25 de maio, no La Bombonera — num 11 de maio de 2014, Riquelme pisava no gramado do “Templo de La Boca”, pela última vez, como jogador. Mas esse domingo, “muy bostero” para alguns, foi também o primeiro domingo após o anúncio da fórmula presidencial da coalizão de governo “União pela Pátria” (UP), que apresentou o já cotado ministro da Economia Sergio Massa como pré-candidato a presidente para as eleições de 13 de agosto, votação prévia às eleições gerais de 22 de outubro. Pela primeira vez, desde que o kirchnerismo chegou ao poder com Néstor Kirchner (1950-2010), em 2003, não há um kirchnerista na chapa presidencial. Os analistas locais afirmam que o kirchnerismo se concentrou em buscar a reeleição na província de Buenos Aires, com o atual governador Alex Kicillof.

Após meses sem se falar, a vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner e o presidente Alberto Fernández puderam acertar cada qual a sua indicação, respectivamente, Sergio Massa e como pré-candidato a vice-presidente, Agustín Rossi, com larga trajetória dentro do peronismo e hoje atual chefe de Gabinete do presidente.  

Foi assim que no último dia 23 de junho, data limite para o fechamento das listas dos pré-candidatos, às 20h49, a conta de Twitter do “União pela Pátria” anunciou suas candidaturas. Imediatamente, os programas de televisão local, dependendo da linha editorial, festejavam sem ponderação crítica a escolha da fórmula peronista ou levantavam especulações mal intencionadas, e evidentemente não baseadas em informações. Apresentadores do canal anti-peronista La Nación+ chegaram a  especular que a escolha da fórmula presidencial era um desejo de Alberto Fernández de acabar com o kirchnerismo. O discurso da oposição, que também é um discurso midiático, de “acabar” ou “terminar” com o movimento kirchnerista, alimenta o ódio e responde aos anseios dos anti-kirchneristas. Vale lembrar que a balança dos meios de comunicação na Argentina pende, com ampla vantagem, para a mídia conservadora, que, assim como no Brasil, é maioria e detém o maior número de veículos de imprensa. 

Para a ala mais kirchnerista, o atual ministro representa um peronismo de direita ou um peronismo neoliberal, ou em opiniões menos abanderadas, um típico peronismo de centro. Independentemente, se mais ou menos à direita ou ao centro, fato é que a fórmula Massa-Rossi não é uma candidatura “puro sangue”. Quer dizer, nenhum dos dois são kirchneristas. Por isso, se Massa chega ao poder, é de se perguntar se o atual ministro irá cumprir com as pautas do espaço liderado por Cristina Fernández. Além do mais, em um passado não muito distante, Massa rompeu com o kirchnerismo, ousou inaugurar seu próprio espaço, Frente Renovador, e se lançou a presidente como oposição, em 2015. Logo, em 2019, abriu mão de sua candidatura em favor da unidade peronista, quando  Cristina e Alberto ganharam a presidência. Então, qual tipo de peronismo poderá surgir com Sergio Massa?

Esse tipo de pergunta foi feita pelo diretor do “Le Monde Diplomatique” – edição Cone Sul, Jose Natanson. “Se Perón era a expectativa de justiça social para os migrantes internos excluídos, Menem a possibilidade de estabilidade econômica e o kirchnerismo a reparação social após a explosão de 2001, para onde o peronismo irá desta vez em busca de sua utopia? Talvez a linha passe por um peronismo modernizador, pró-exportação e antidogmático, um peronismo de soluções no estilo proposto pelo cientista político Federico Zapata ou pelo ex-ministro Matías Kulfas. Se o peronismo é sempre um cover de si mesmo, qual será a versão de Massa?”, ponderou Natanson.

O palanque e as emoções

Ainda sem poder dimensionar o que poderá vir com a pré-candidatura de Sergio Massa a presidente, resta a pergunta de como o atual ministro da Economia administrará sua campanha, tendo o desafio de subir no palanque enquanto tenta controlar uma inflação de mais de 100% anual. Após o anúncio de Massa como pré-candidato a presidente, Cristina Kirchner e o ministro da Economia apareceram juntos, pela primeira vez, nesta segunda-feira, 26, no evento de repatriação do avião Skyvan-51, usado nos chamados “voos da morte”, quando pessoas eram sequestradas, sedadas e jogados ao mar, prática de extermínio utilizada pela ditadura cívico-militar argentina (1976-1983) – o GGN noticiou a chegada do avião com exclusividade.  E o que era uma cerimônia voltada à causa dos direitos humanos acabou virando, praticamente, um ato de campanha.  

Durante o evento no Aeroparque, com “palanque” montado em frente ao avião, a vice-presidente falou em “emoções muito fortes”, pelo retorno do Skyvan-51, que ficará exposto na Ex-Esma (Escola de Mecânica da Armada), antigo centro de detenção e extermínio, hoje, um museu da memória. Mas, no dia anterior ao evento de Cristina e Massa, em alto e bom som ecoaram no La Bombonera as palavras emocionantes do ídolo “bostero” Román Riquelme, enquanto as emoções proclamadas por CFK aconteceram em um ato onde o uso político-partidário dos direitos humanos deixou algo fora do lugar, ou o partidarismo ou as emoções. Quando no La Bombonera, emoção, paixão e bandeira coincidiram perfeitamente no exato devido lugar, sem sombra de dúvidas. 

Maíra Vasconcelos – jornalista e poeta, publica artigos sobre política argentina no Jornal GGN e cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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