do Observatório de Geopolítica
O Trono em Disputa
por Felipe Bueno
Cinquenta é um número que, em termos de moeda local, significa nada na Argentina. No momento em que escrevo este texto, cinquenta pesos correspondem a vinte centavos de real. Ou menos, dependendo de onde se faça o câmbio.
Já em termos de quantidade de anos, o número leva os argentinos a 1973, que traz lições úteis considerando-se que o país se prepara para novas eleições presidenciais.
Lanusse, Cámpora, Lastiri e Perón: não se trata de um talentoso quarteto de meio-campistas adeptos de la nuestra, a clássica filosofia local de futebol, mas sim os sobrenomes dos quatro cidadãos que ocuparam a cadeira presidencial no ano supracitado. Bem antes do episódio trágico e famoso do corralito, em 2001-2002, a Argentina já tinha experimentado o caos da presidência vaga mesmo tendo quem a ocupasse – algo que diz muito se pensarmos que, em 2023, há tantos concorrentes ao cargo quanto políticos que preferem manter distância da disputa.
A história política da Argentina é algo extraordinário até para brasileiros que estamos acostumados com os nossos próprios sistemas de alianças e traições. Voltemos a 1973: resumindo a sequência de fatos, o general Alejandro Agustín Lanusse, que ajudou a derrubar Juan Domingo Perón quando este era presidente nos anos 1950, duas décadas depois, em 1971, puxou o tapete de seu antecessor, o ditador (também militar, também general) Juan Carlos Onganía.
Lanusse, inspirado por sabe-se lá que ventos democráticos, comprometeu-se a convocar eleições para 1973. De fato, cumpriu. Mas como os ventos não eram tão fortes, o pleito teve uma condição: Perón, exilado na Espanha, não poderia participar. Vence Héctor Cámpora, civil e… peronista.
Cámpora permanece menos de quatro meses no poder. Convoca novas eleições. Sim, aconteceu exatamente o que você imagina. Perón vence e é novamente presidente. Cámpora renúncia. E entre sua renúncia e a posse de Perón (vale lembrar, outro militar, outro general), ainda há tempo de Raúl Alberto Lastiri, então presidente da Câmara dos Deputados, ocupar o posto.
Se tudo isso é pouco para demonstrar que foi marcante, vale lembrar que 1973 marcou o reaparecimento de um ídolo nacional: o corpo de Evita, depois de quase duas décadas “desaparecido”, terminava seu tour europeu para voltar finalmente à Argentina no ano seguinte.
Mas se todos os fatos citados acima envolviam políticos e políticas, baseados em decisões tomadas em gabinetes, passando pelas mãos e pelas canetas de poucas pessoas, o mesmo ano foi marcado também por um enorme ato popular: uma tragédia que poderia ter sido maior do que apontam os números oficiais – e sabemos como os números oficiais tendem a ser questionáveis em determinadas circunstâncias na América Latina.
O chamado Massacre de Ezeiza se deu em 20 de junho, dia em que Perón voltou a Buenos Aires de seu exílio de quase duas décadas na Espanha.
O general retornava ao país para ser presidente de novo, embora as eleições estivessem marcadas para setembro. O universo do caudilho, porém, já dava a vitória como garantida, e, variando de acordo com a fonte, um, dois ou três milhões de argentinos – ou mais – ocupavam o entorno do aeroporto internacional de Ezeiza naquele dia.
O movimento peronista, no entanto, não tinha pensamentos e interesses únicos. Dos radicais de esquerda, certos de que o general voltava para estabelecer a Pátria Socialista, aos representantes do outro extremo do espectro político, cada peronista – de coração ou de interesse – tinha expectativas diferentes para o porvenir.
E como nenhuma investigação oficial foi concluída, ficou para a história o que foi documentado e nos contaram depois: treze mortos e mais de trezentos feridos, resultados de trocas de tiros que teriam sido disparados inicialmente pela ala direita peronista e dos tumultos subsequentes.
Não houve festa e não houve Perón – que desembarcou em um local alternativo, foi eleito em setembro e morreu no ano seguinte. Vieram então Isabelita e, em 1976, uma ditadura assassina e repressora que durou até 1983.
Se seguimos acreditando que uma das funções da História é ajudar a compreender o passado para não repetir erros, é fundamental que eleitoras e eleitores argentinos invistam alguns momentos para refletir sobre o que aconteceu em 1973 e suas consequências para o país até hoje.
Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.
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O que o argentino tem de bom é que não perde o moral. Arrogante por natureza, só vê tragédia na política alheia. Não paga suas dívidas e não se envergonha disso;
não tem complexo de vira latas e se orgulha de ser um povo branco; faz guerra para ganhar eleições e se vende como a capital do brasil. Ah! e pune os seus militares.