Falta de chuvas, o fator desprezado no debate econômico aqui dentro, por Lauro Veiga Filho

Analistas não conseguem incluir a equação ambiental, como se o lado real e concreto da vida das pessoas pouco tivesse relevância

Fernando Frazão – Agência Brasil

Falta de chuvas, o fator desprezado no debate econômico aqui dentro

por Lauro Veiga Filho

A instabilidade climática e os níveis reduzidos de precipitação nos últimos anos, fenômenos associados às mudanças no clima mundial, mas fortemente relacionadas à condução errática das políticas ambientais aqui dentro, especialmente entre 2016 e 2022, ao avanço desnaturado do desmatamento, a queimadas, invasões e grilagem de terras, resultando na espoliação desavergonhada dos povos originários, têm imposto um custo elevado à economia brasileira. Além dos custos sociais e humanitários de todo esse processo. Um fator, de resto, solenemente desprezado no debate econômico doméstico, que escolheu como foco único a política fiscal, mais claramente, o desequilíbrio entre receitas e despesas no setor público, com o objetivo claro de criar o “ambiente” favorável à redução do tamanho do Estado, obrigando os governos a cortarem despesas indiscriminadamente.

Analistas, consultores e economistas ligados a departamentos econômicos do sistema financeiro, altamente especializados, em teoria, não conseguem incluir em seus modelos macroeconômicos a equação ambiental, como se o lado real e concreto da vida das pessoas pouco tivesse relevância. Mas há exceções. Desde 2021, o economista Bráulio Borges, economista-sênior da área de macroeconomia da LCA e pesquisador-associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), tem produzido trabalhos mostrando os impactos de anomalias climáticas, sobretudo no caso do regime irregular de chuvas observado nos últimos anos, sobre a produtividade na economia e, portanto, sobre a capacidade de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) – um dado que tem gerado estudos e discussões lá fora, chamando a atenção até mesmo do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Segundo Borges, choques (climáticos) ou anomalias no regime de chuvas “correspondem, na prática, aos desvios das chuvas (em relação) àquilo que seria ‘usual’ para cada região ou país”, considerando-se a média histórica de cada período analisado. Adicionalmente, acrescenta Borges, “o impacto dessas anomalias das precipitações sobre o desempenho do PIB é cumulativo”, vale dizer, um período de seca, na sequência de anos de boas chuvas, terá menor impacto negativo sobre a economia do que uma fase mais alongada de falta de chuvas.

Três vezes mais

Esses impactos têm sido dramaticamente negativos, minando as bases do crescimento econômico no País e limitando o avanço da atividade econômica. Num exercício publicado em 16 de janeiro deste ano no Blog do Ibre, Borges observa que o “déficit crônico de chuvas”, na média de 2012 a 2023, “teria gerado um impacto negativo de 1,7 pontos percentuais ao ano sobre a taxa de variação do PIB brasileiro”. Considerando-se que a taxa média de crescimento potencial da economia naquele período teria sido de apenas 1,0% ao ano, segundo estimativas do economista, pode-se inferir, por conta e risco desta coluna, que o PIB poderia ter avançado a uma taxa média de 2,7% ao ano, caso as chuvas tivessem seguido tendência normal – uma velocidade quase três vezes maior. Borges assinala que a atividade econômica de fato poderia ter crescido mais, sem gerar pressões inflacionárias, já que chuvas em níveis normais teriam favorecido uma melhora na chamada “Produtividade Total dos Fatores (PTF)”, quer dizer, na eficiência da economia no uso do capital e da força de trabalho disponíveis. “O Brasil está passando por uma estiagem crônica e severa desde 2012”, anota ainda o economista.

Numa fase mais recente, Borges observa que “alguém poderia estranhar esses resultados, apontando que o PIB brasileiro cresceu razoavelmente bem em 2022-23, cerca de 3% ao ano, a despeito das chuvas continuarem muito abaixo da média histórica (ainda que tenham melhorado bastante na margem ante o quadro dramático observado em 2021)”. Ele assinala, “em primeiro lugar”, que o crescimento relativamente elevado nos dois últimos anos “foi possível porque estávamos consumindo o excesso de ociosidade da economia até meados do ano passado”. Mais claramente, sob efeito da pandemia e as medidas adotadas para enfrentar o vírus, que desarticularam cadeias produtivas e redes de suprimento de matérias primas e insumos em todo o mundo, a economia mergulhou em 2020.

Boa parte da reação observada a partir do final de 2021, portanto, correspondeu a uma retomada da produção e das vendas aos níveis anteriores à pandemia. Reconhecidamente, setores da economia conseguiram mesmo superar os níveis registrados em fevereiro de 2020 (que já não eram assim tão elevados). A partir da segunda metade de 2023, no entanto, a atividade econômica iniciou um processo de esfriamento relativo, com redução no ritmo de crescimento.

Descolamento

Ao mesmo tempo, prossegue Borges, “houve um certo descolamento” entre o PIB e o nível de precipitações nos dois últimos anos, o que estaria relacionado, na sua avaliação, ao “processo de adaptação da economia brasileira a uma menor disponibilidade de chuvas”, que teria sido acelerado “consideravelmente, sobretudo no setor de energia”. Entre janeiro de 2019 e novembro do ano passado, segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), a geração hidráulica, incluindo as pequenas centrais hidrelétricas, reduziu sua participação na capacidade total instalada d praticamente 68% para 58%, com avanços para a geração eólica e solar fotovoltaica, que praticamente dobraram a geração efetiva de energia desde 2019.

Parte dessa mudança na matriz elétrica, retoma Borges, “pode ser atribuída a uma ‘política industrial’: a introdução do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), em 2002, que criou incentivos, válidos por 20 anos, para geração eólica, pequenas centrais hidrelétricas e térmicas a biomassa”.

Falta muito

As adaptações ocorridas, de toda forma, não serão suficientes para enfrentar o risco climático. Na visão de Borges, será preciso reduzir ainda mais a vulnerabilidade do País “às oscilações das chuvas” ou mudar “radicalmente nossa política ambiental, não somente reduzindo a zero os desmatamentos, mas também regenerando áreas degradadas (já que parte da estiagem crônica no Brasil pode ser explicada pelo elevado desmatamento acumulado na região da floresta amazônica nas últimas décadas, afetando negativamente o fenômeno dos ‘rios voadores’, que determinam boa parte das chuvas na região Centro-Sul do País)”. E o agronegócio, afetado mais diretamente pelas “anomalias das chuvas”, está mais atrasado nesse processo, registra o economista.

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

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Redação

1 Comentário

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  1. Infelizmente essa questão da instabilidade climática é tratada de forma parecida com a questão da fome. Todos sabem que há fome no mundo, e poucos se empenham de fato em resolver o problema. Ao contrário, o sistema capitalista só faz provocar o aumento da fome. Mas para a questão do clima devemos acrescentar a existência de um fenômeno nada natural e nada fatalista chamado geoengenharia do clima.

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