Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Teoria da Terra Plana renasce mais uma vez em tempos difíceis, por Wilson Ferreira

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por Wilson Ferreira

A Terra é um disco plano e cercada por um muro de gelo que chamamos de Antártida. O Sol e a Lua são apenas discos luminosos que giram sobre o plano terrestre e os planetas não existem. São apenas estrelas firmadas em uma abóboda. E a NASA esconde tudo simulando viagens espaciais e fotos da curvatura terrestre. Acredite, essa teoria que cada vez mais ocupa espaço na Internet com textos e vídeos com um crescente número de seguidores. Mas teoria da Terra Plana não é nova na era moderna. É recorrente na História em momentos de crise política e econômica, como hoje. Por exemplo, teorias da Terra Oca e Plana foram adotadas pelo Nazismo para se opor à “ciência materialista” e injetar magia e misticismo na Política por meio de sociedades secretas como a Vril e Tule, antes da Segunda Guerra. A Ciência transforma-se em fundamentalismo religioso, expressão da polarização e intolerância política do momento. Mas os terraplanistas acertam em um ponto: toda cartografia é uma representação político-imaginária.

“Boa noite, senhoras e senhores… essa noite terei o privilégio de fazer uma estonteante revelação que mudará a maneira de compreender a natureza do Universo desde Newton e Einstein, uma descoberta que mudará radicalmente a percepção do tempo e do espaço, a verdade escondida por muito tempo pelo establishment da indústria militar e espacial: a Terra é… PLANA!”.

Essa era a abertura dos shows em 1984 do músico e produtor musical Thomas Dolby promovendo seu segundo álbum The Flat Earth. Com o seu “nerd sinthpop”, bem sucedido depois do sucesso de “She Blind Me With Science” do álbum anterior, Dolby abria os shows com essa parodia que procurava ridicularizar o criacionismo e as pseudociências.

Eram os anos 1980, tempos do triunfo do neoliberalismo da era Reagan-Thatcher. Época da retomada econômica dos EUA e da Inglaterra com as medidas neoliberais e da financeirização cujo maior ícone foram os jovens yuppies e o maquiavélico Gordon Geko no filme Wall Street. Tudo ia muito bem num confiante capitalismo que acreditava que a História tinha acabado na Razão. Restava parodiar no liquidificador da cultura pop tudo aquilo que era obscuro e anti-científico.

Mas tudo mudou: a guerra anti-terror e o derretimento dos blocos econômicos como a Zona do Euro trouxeram insegurança social, desemprego, crashs financeiros e a catástrofe humanitária dos refugiados. 

Thomas Dolby

Resultado: a ascensão da extrema-direita anti-imigração e anti-integração, fundamentalismo religiosos e o crescimento de uma percepção conspiratória de uma suposta ordem “politicamente correta”, uma bizarra conspiração gay-feminista-sionista-comunista que exigiria uma imediata intervenção militar ou mesmo a ação de milícias de “cidadãos de bem” armados.

Pensamento crítico cede ao ressentimento

Como nos ensina a História, nesses momentos o anti-intelectualismo, o irracionalismo e os fundamentalismos ganham força. Por trás de tudo isso, a desconfiança de que por muito tempo contaram somente mentiras para nós. O pensamento crítico cede lugar à fé cega e ao ressentimento.

A bizarra teoria da Terra Plana é um desses ao mesmo tempo curiosos e preocupantes fenômenos antropológicos. A paródia trash dos anos 1980 de Thomas Dolby foi substituída atualmente por um crescente números de adeptos fieis de uma visão do mundo que humanidade acreditou por muitos séculos. Até chegarem os filósofos e matemáticos gregos como Aristóteles e Eratóstones onde, através da lógica e trigonometria rudimentar, abriram o caminho para a comprovação da esfericidade terrestre.

Hoje, terraplanistas comprovam suas teorias da forma mais empírica possível: um homem que supostamente conseguir provar que a terra é plana com uma régua (sem comentários…); alguém que subiu num balão e, a 34 km de altura, não viu a curvatura terrestre (altitude insuficiente num planeta que possui 400.000 km de circunferência); os mapas de navegação são planos e não esféricos (o que ignora um simples princípio semiótico: o mapa nunca será o próprio território, é apenas uma representação) etc.

 

E a NASA é a agência que lidera a conspiração, divulgando fotos montadas sobre a curvatura do planeta e, principalmente, mantendo a farsa de que o homem pousou na Lua – na verdade, Lua e Sol são pequenos discos que giram sobre a superfície plana da Terra.

A recorrência da Terra Plana

A Terra Plana é uma recorrência histórica. Quando em 1925, na Alemanha e na Áustria, os carteiros entregaram uma carta a todos os cientistas e intelectuais avisando de que Hitler não só “limparia a política”, mas expulsaria a “falsa ciência” (e que eles deveriam escolher entre “estar conosco ou contra nós), surgiu o movimento de reação à “ciência sionista”, “burguesa” ou “materialista”. Uma nova Astronomia, Cosmologia e Física que demonstravam que a terra era oca (e que nós habitamos o interior iluminado por um “Sol interno”) e de que era plana, contida por uma abóboda da qual jamais sairíamos.

Os alemães seriam descendentes da raça-mãe da Atlântida e que recuperariam essa ascendência superiora através de uma guerra contra a conspiração das teorias científicas das raças inferiores – e os alemães recuperariam os antigos poderes que os homens somente atribuíam aos deuses.

Teorias pseudocientíficas e antigas concepções místicas alimentaram o nazismo em um momento de polarização política e catástrofe econômica com a hiperinflação e desemprego pós-guerra.  Em momentos como esse, sempre o intelectualismo surge de forma franca. E na época, sociedades secretas como a Vril, A Loja Luminosa e a Tule se transformaram em seitas que misturavam Teosofia, magia neopagã com uma solenidade oriental e terminologia hindu – um vasto movimento de renascimento do mágico no interior da própria Política – leia PAUWELS, Louis e .BERGIER, Jacques. O Despertar dos Mágicos, Difel, 1990 e AMBELAIN, Eobert. Os Arcanos Negros do HisterismoJosé Olympio, 1995.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

23 Comentários

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  1. Medindo a “planitude” da Terra com uma régua escolar:

    [video:https://youtu.be/IObbK3a9dvU%5D

    Devia ser para rir, mas é pra chorar. Está certo que a Internet deu voz a imbecis e alucinados. A questão não é essa, imbecis e alucinados sempre aconteceram, o problema é que ela permite aos embusteiros, os charlatões, os picaretas, os aventureiros o arrebanhamento e a organização ultra-rápida e fulminante de alienados, numa sociedade que cria alienação na mesma escala industrial do seu aparato de produção; é essencial produzir alienação suficiente para alimentar o aparato, que permite que esta sociedade alienante se reproduza.

    1. O micróbio, a alguns

      O micróbio, a alguns kilometros de distância das cidades que tomou como referência, colocou sua réguinha na linha do horizonte e constatou que a terra é plana.

      O próximo passo é fundar uma igreja, ter isenção de impostos que de outros é cobrado, cobrar “dízimo”  e eleger uns políticos ladrões e junto com outros ladrões,aplicar golpes e mais golpes em quem é obrigado a suportar o peso de ladrões.

      Deveria existir uma TEORIA CIENTÍFICA HONESTA, que impedisse tuda essa CANALHICE. 

  2. elementar.

    Elementar meu caro Wilson: O médico disse que não se deve contrariar esse tipo de gente.

    Daí ele saem por ai falando o que querem sem serem contestados.

    Culpa dos médicos.

    Só uma correção, se me permite, a circunferencia da terra é 40 mil km.

    1. À sua correção aponto uma outra

      Além desse lapso, outropassou batido pelos leitores. É que Wilson Ferreira, ao falar da nave estacionária, diz que após a Terra girar o bastante, ela posaria no local desejado, na mesma longitude. Iso não faz sentido, pois hipoteticamente o que poderia permanecer constante quando essa “nave estacionária” se elevasse da superfície terrestre não seria a longitude, mas a latitude.

  3. Se eu tiver tempo mais tarde,

    Se eu tiver tempo mais tarde, de ler todo o artigo, talvez tenha tempo de voltar e comentar mais, sobre maneiras de ladrões fazerem outros de idiotas, e conseguirem pregar o conto do vigário em um país inteiro, como se roubassem um pirulito de criancinhas idiotas.

  4. E ainda tem os “nibirutas”…

    Pra completar ainda tem os nibirutas, aqueles malucos que juram que Nibiru (um planeta do tamanho de Júpiter) está em rota de colisão com a Terra e vai acabar com a humanidade. Defendem isso há uns quarenta anos, e todo ano juram que “será em 20xx”, que daquele ano a Terra não passa. E todo ano a Terra passa, e todo ano eles desenvolvem uma teoria “científica” pra explicar a sobrevivência da Terra, e juram que do ano seguinte não passa. 

    Tem gente que jura que já viu Nibiru a olho nu, e até que já o fotografou com o celular. E uma penca de gente, na casa dos milhões, acredita piamente…

    1. tem os “hercolubistas” também

      Fazem uns 20 anos que vi numa banca de revista um livrinho de capa vermelha alertando para a chegada do planeta “Hercolobus”, e que essa era uma previsão de “curto prazo”.

      Acho que o cara queria aproveitar o clima de fim de mundo da virada do milênio.

      mas o curto prazo já chegou aos 20 anos e nada…

      1. Os dois são mais ou menos a mesma coisa

        Nibiru foi uma criação de Zecaria Stichin, um jornalista inglês, num livro de 1976. Hercolubus de VM Rabolu (um ocultista colombiano que se intitulava “instrutor de gnose”), em 1998. São a mesma ideia, a mesma fantasia, com contornos diferentes.

  5. A popularização de absurdos

    A popularização de absurdos científicos e políticos apenas confirma uma coisa: o conceito de entropia também se aplica à sociedade e à ciência. 

     

  6. Esfericidade: não precisa subir alto para ver

    Vi num documentário.

    Colocaram um laser nas margens de um lago no EUA, com o feixe paralelo à superfície da água.

    Um barco navegou pelo lago.

    Quando o barco estava na margem perto da laser, o feixe acertava um ponto cerca de 1 metro acima da água.

    Quando o barco chegou na outra margem, alguns quilômetros de distãncia, o feixe atingia um ponto bem acima do pont inicial.

    Se a terra fosse plana isso não aconteceria.

    isso só se explica se a terra for esférica.

     

     

      1. Einstein

        Einstein mostrou que a luz pode se curvar sim, mas precisa um campo gravitacional muito forte para fazer isso.

        Não se encaixa no caso que citei acima.

  7. perguntinhas…

    Nessa representação da terra plana, como os caras explicam o dia e a noite em horarios diferentes ao redor do mundo?

    Como eles explicam as mudanças de estações?

    Como eles explicam a fonte de energia do sol, se ele é apenas um disco?

    1. So fiquei surpreso que o

      So fiquei surpreso que o Wilson nao mencionou um filmasso chamado “Dark City” (thriller fantasia), onde o mundo eh, de fato, uma unica cidade em um disco solto no espaco.

    2. Sendo FUNDAMENTALISTAS,  eles

      Sendo FUNDAMENTALISTAS,  eles sequer pensam, muito menos explicam. Mas o seu exemplo é ótimo para desqualificá-los logo de cara. Só que os mesmos não têm vergonha nas fuças.

      O que importa para os mesmos é inventar uma birutice qualquer para chamar atenção, mesmo que seja crítica (como a operação lava jato, que não combate corrupção de maneira alguma), e usar isso para ter o controle dos outros. Coisa de  zumbis nazistas, como disse o texto.

  8. Existe vida fora da… tecnologia?

    Acertou em cheio, Wilson. O que tem de nego tentando disseminar a idéia de que estamos loucos, para que duvidemos de nós mesmos e da crítica que fazemos, já virou carne de vaca. As histórias mais comuns são as de viagens interplanetárias, viagens no tempo, colonização de planetas distantes, quase sempre algo a que se tenta dar o ar de “científico e tecnológico”. Aliás o mesmo “científico e tecnológico” que serve para aprisionar pessoas em seus celulares, computadores e outras bugigangas que-tais, o mesmo “científico-tecnológico” que nos impõe que pensemo-nos superiores e desenvolvidos a quem não se escraviza a essas bobagens, essas contas de vidro colorido que tanto encantam a quem não consegue se livrar do pensamento mágico.

    Mas se a turma que pretende poder já cria essas fantasias em tempos de prosperidade democrática, em tempos de violência, golpes e concentração de poderes econômico e político, aí é que aquela turma capricha.

    Agora, não é preciso muito esforço para se livrar dessas alienações, basta olhar-se no espelho com sinceridade, humildade e, assenhorando-se de si mesmo, optar por entrar na onda ou não.

  9. Teoria ou tese?

    É bom empregarmos os termos corretos.

    Usas-se muito o termo “teoria” quando deseja-se falar em “tese” ou “hipótese”.

    Por isso abundam por aí os que afirmam que “a teoria” criacionista é uma “teoria” como outra qualquer e que, portanto, deveria ser ensinada nas escolas em igualdade de condições com a teoria da evolução de Darwin.

    Ao chamarmos de “teoria” a tese criacionista ou, ainda, a tese da Terra plana, estamos dando uma estatus de seriedade que nenhuma das duas possui.

  10. eles existem !

    Recebi na minha linha de tempo do facebook uma mensagem politica , bem humorada e espirituosa, de um  grupo autodenominado “terra plana”, pensei tratar-se de um grupo de politica sofisticado. Pedi adesão . Na sequencia passei a receber teorias sobre a tal terra plana. Questionei sobre qual o significado daqueles absurdos e o lider  me questionou do por que da minha adesão. Expliquei o engano mas não deixei de taxa-los de medievais e ridiculos. Me excluiu do grupo. Acho que deveriam nomear o Olavo de Carvalho como presidente de honra .

  11. Acreditar que a terra é plana é tão ridículo quanto achar que o

    Acreditar que a terra é plana é tão ridículo quanto achar que o homem não foi à lua

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