Tavares avalia que “As periferias são uma usina fervilhante de produção cultural”, por Arnaldo Cardoso

Uma das formas de combater a pobreza e a violência é dar voz às comunidades e aos seus artistas e uma das melhores formas de isso acontecer é através da arte.

Tavares avalia que “As periferias são uma usina fervilhante de produção cultural”

por Arnaldo Cardoso

Nesta terceira e última parte de entrevista com Márcio Tavares, historiador, curador e Secretário Nacional de Cultura do Partido dos Trabalhadores, esteve no centro da atenção as diversas manifestações da cultura popular, com destaque para aquelas nascidas nas periferias das grandes cidades e que com vitalidade, criatividade e incontornável sentido político vem ocupando espaços historicamente hostis às expressões da arte popular.

Por serem crescentes os exemplos de artistas nos campos da música, dança, literatura, artes plásticas e cênicas que tem rompido as fronteiras do preconceito de raça, gênero e classe social para expor uma arte representativa da realidade brasileira, não caberia aqui nomeá-los, inclusive pelo fato de que além daqueles que já ganharam a atenção das mídias, há muitos que mesmo no anonimato cumprem papel decisivo no atual contexto em que a democratização e descolonização do conhecimento e da arte se impõem como vontades imperiosas.

Iniciamos a conversa com Tavares observando que São Paulo, maior cidade da América Latina, território de contrastes, desigualdades e também nascedouro de importantes movimentos sociais, políticos e estético-culturais, integra com destaque um roteiro internacional de arte de rua, ao lado de outras grandes cidades do mundo, entretanto, já foi alvo de uma tentativa governamental de apagamento dessa tradição de arte de rua.

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Usina fervilhante de produção cultural

Sobre as intervenções artísticas no espaço público da cidade, inspiradas na tradição hip-hop como o grafite e o rap, Márcio Tavares fez as seguintes considerações:

“As periferias são uma usina fervilhante de produção cultural. O grafite, rap, hip-hop, funk ou mesmo o samba no começo do século XX surgiram da criatividade que se manifesta nas periferias brasileiras. A arte de rua atualmente é reconhecida mundialmente, estudada na história da arte e tem importância para a revitalização dos espaços urbanos. A incompreensão da potência dessas manifestações geralmente vem de gestões elitistas que desprezam aquilo que vem dos setores empobrecidos.

Uma das formas de combater a pobreza e a violência é dar voz às comunidades e aos seus artistas e uma das melhores formas de isso acontecer é através da arte. Quando se compreende a força desses movimentos há uma reconfiguração comunitária. Um exemplo disso é a cidade de Medellín na Colômbia que apostou na produção artística e a cidade se reconverteu em um polo dinâmico e criativo. Por isso, essas manifestações não devem apenas serem acolhidas, mas devem ter um lugar nas políticas públicas de cultura”.

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Reconexão Periferias

A partir dessa visão de “potência” da arte que vem das periferias, destacamos o papel das tecnologias digitais que, apropriadas habilmente por esses jovens, tem feito ecoar mensagens políticas em prol de justiça social e igualdade.

Alguns desses jovens artistas, tem conseguido por meios privados, expor seus trabalhos em espaços de grande visibilidade, inclusive no exterior e angariado elogios – merece nota a recente exposição “Novo Poder” no Palais de Tokyo, em Paris, do artista carioca Maxwell Alexandre (autor da obra que ilustra essa publicação) – perguntamos a Márcio Tavares se ele considera que os tradicionais partidos políticos do campo progressista estão preparados para dialogar com essas juventudes e incorporar suas demandas em programas de governo nas áreas de educação e cultura.

“Acho que os partidos estão se preparando, mas ainda é preciso avançar muito para compreender a dinâmica da juventude em especial da juventude periférica. O PT tem feito esforços nesse sentido, recentemente tem desenvolvido um projeto interessante chamado Reconexão Periferias, por exemplo. É preciso iniciativa e disposição política para trazer o protagonismo desses jovens para a cena política.

Em termos artísticos e culturais, há uma cena efervescente nas periferias e que tem brotado no vácuo do apoio de políticas públicas. É preciso inverter a lógica e passar a considerar esses jovens como uns dos maiores ativos que o país tem. A sua inserção no ambiente artístico e cultural, presencial e digital, considerada na formatação dos programas a serem desenvolvidos. Inclusive, para um ambiente digital mais poroso para a participação da produção periférica é fundamental uma regulamentação dos serviços de streaming no país, a exemplo do que a União Europeia fez recentemente”.

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Acesso a equipamentos culturais

Emendamos a seguinte pergunta: De modo geral, você considera que os jovens das periferias das cidades brasileiras são prejudicados pela pouca oferta de equipamentos artístico-culturais em seus territórios? Em caso afirmativo, essa é uma situação que pode ser revertida?

“Sem dúvidas. A concentração dos espaços culturais nas áreas centrais e privilegiadas é dramática no Brasil. Um jovem de periferia tem muito menos oportunidades de acesso a equipamentos culturais qualificados. Ainda há um problema com muitos dos que existem e que muitas vezes não tem uma relação prolífica com o entorno, levando a que a comunidade não tenha referência. É preciso instalar mais equipamentos nas áreas periféricas e é preciso que esses equipamentos sejam construídos em diálogo com as comunidades em que vão estar situados. No Brasil, o que falta em estrutura nas periferias abunda em criatividade. Se construirmos políticas no território, inclusive com mais equipamentos, certamente veremos florescer uma produção artística e cultural gigantesca e de uma potência tremenda”.

Lembrando de outros momentos críticos da história brasileira em que o autoritarismo se impôs através de censura e perseguições a artistas e que, como expressão de resistência e revolta, algumas obras emergiram e marcaram época como disto é sempre citado o movimento da Tropicália (1967) perguntamos a Márcio se ele vê algum paralelo com o atual momento vivido no Brasil de investidas autoritárias do governo Bolsonaro.

“Certamente hoje vivemos um momento de rebaixamento democrático e de perseguição à cultura que nos coloca sempre a fazer comparações com o período da ditadura. Hoje vemos os artistas reagirem com atos políticos e com obras de arte. Assim como no período dos anos de chumbo, a comunidade cultural está mostrando que a arte e a cultura são imortais. Mas, o preço pago na resistência tem sido duro e, por isso, não podemos romantizar momentos trágicos como o atual e como o período da ditadura. A resistência dura causa impacto nas condições de vida e psíquicas dos fazedores de cultura atualmente. Mas, venceremos.

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Guerra cultural

Partindo do conceito gramsciano de “guerra cultural” que alguns analistas tem usado para caracterizar o que temos vivido no Brasil, indagamos o Secretário Nacional de Cultura do PT sobre quais são, em sua avaliação, as melhores ferramentas que uma política cultural pública pode utilizar para desmontar a cultura de ódio que foi fomentada nos últimos anos no país.

Márcio Tavares foi bastante assertivo em suas afirmações, fortalecendo a esperança por mudanças num futuro próximo desejado por milhões de brasileiros e brasileiras.

“A boa política cultural é aquela que oferece condições para o florescimento livre da arte e das expressões culturais. Em primeiro lugar, temos de dar um basta à censura que retornou ao Brasil. Mas, também precisamos retomar a formação em cultura e arte desde a escola. Isso é fundamental para a cidadania democrática e deve fazer parte das políticas culturais. As políticas de valorização da diversidade cultural são outro vetor estratégico, pois a cultura de ódio se baseia no desrespeito às diferenças.

Investir pesadamente no acesso aos bens culturais também é fundamental, um país que conhece e valoriza sua história e sua produção artístico-cultural é menos permeável à tentação autoritária”.

As duas partes anteriores da entrevista com Márcio Tavares estão disponíveis neste Jornal GGN, nos links abaixo:

“A recriação do Ministério da Cultura é medida fundamental para um governo democrático”, diz Márcio Tavares

“A política de cultura, construída em ambiente livre, fomenta a criatividade e o pensamento crítico”, avalia Márcio Tavares

Arnaldo Cardoso, sociólogo e cientista político formado ela PUC-SP, escritor e professor universitário.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Redação

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