2019: O risco da “esquerda McNamara”, por Ricardo Capelli

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Ricardo Cappelli 
 
“A coisa humana normal a se fazer é pensar que seu inimigo pensa como você. Há uma história, apócrifa, que quando McNamara queria saber o que Ho Chi Minh estava pensando, ele entrevistava a si mesmo.”
 
“Então se torna um problema porque você tenta enviar mensagens que são racionais baseadas na sua noção de racionalidade, mas que nada têm a ver com a definição de racionalidade do outro lado. Então o que é irracional para nós, é totalmente racional para o outro lado.”
 
Estas palavras são de James Willbanks, conselheiro do exército norte americano, sobre os problemas enfrentados pelos EUA na Guerra do Vietnã e os limites do raciocínio do então secretário de defesa norte americano, Robert McNamara.
 
A eleição de Bolsonaro é uma ruptura com o sistema de símbolos, códigos e valores que prevaleceram na política nas últimas décadas. Foi a derrota do “politicamente correto”. Suas atitudes, que parecem escandalosas, são consumidas com naturalidade por seus eleitores. “Ho Chi Minh e McNamara” vivem em racionalidades distintas.
 
O Capitão rompeu com o presidencialismo de coalizão tão criticado pela esquerda “raiz-cheirosa”. Sinaliza ainda o fim do tripé macroeconômico criado por FHC e mantido por Lula e Dilma. 
 
Paulo Guedes defende privatizar a saúde e a educação e distribuir vouchers para os excluídos. Os mais pobres vão achar ruim cobrar mensalidade da classe média que pagou caros cursinhos e ocupa as vagas mais disputadas das universidades federais?  
 
O Czar da economia diz também que vai acabar com o bolsa empresário, com as desonerações e subsídios. Afirma que empresário no Brasil virou rentista, que se quiser ganhar dinheiro vai ter que voltar a empreender. Critica a conta com os juros da dívida. 
 
Segundo o futuro ministro, o Brasil paga “o absurdo de 100 bilhões de dólares, um Plano Marshall, uma reconstrução da Europa por ano”. Em seguida vai até a sede da Firjan e anuncia que vai cortar até 50% dos bilionários recursos do Sistema S.
 
Bolsonaro diz que ser patrão no Brasil é “muito difícil”. O que os pequenos e microempresários acham disso? O país possui cerca de 7,7 milhões de MEI´s, microempreendedores individuais. Claro que boa parte é a máscara do desemprego e do subemprego, da precarização nas relações de trabalho.
 
Suponhamos que cerca de 5 milhões estejam realmente envolvidos com pequenos empreendimentos individuais. Eles aspiram crescer? Contratar funcionários? A fala de Bolsonaro para este público é a de um louco?
 
No âmbito do enxugamento do Estado o repertório é vasto. Diz que vai acabar, por exemplo, com a EBC por que não pode gastar 1 bilhão/ano com uma programação que ninguém vê. Você assiste algo na TV Brasil ou em algum outro veículo da EBC? O povo assiste? 
 
O presidente eleito avança em temas polêmicos como a revisão da reserva Indígena Raposa Serra do Sol. Os militares, que conhecem bem a região, vivem repetindo que o índio pede educação, saúde, internet e não o isolamento quase sinônimo de esquecimento. 
 
Críticos das ong´s internacionais que infestam a Amazônia – muitas delas acusadas de biopirataria -, têm tudo para estabelecer ligação direta com os índios. 
 
Existe uma máxima na história. Terreno não ocupado é perdido. Raposa Serra do Sol é uma região riquíssima em nióbio, ouro, diamante e outros minerais valiosos. Bolsonaro falou em pagar royalties aos índios. Os índios ficarão contra ou apoiarão? De que lado ficará a esquerda?
 
No campo das reformas, qual será a posição dos progressistas? Como resolver a questão do déficit crescente das previdências estaduais? Vai enfrentar as corporações de alguns poucos privilegiados que drenam boa parte dos recursos? Vai ficar apenas na negação?
 
É cedo ainda para dizer o que é discurso e o que será colocado em prática pelo novo governo. Algumas das medidas anunciadas apresentam contradições com os setores e interesses que financiaram a vitória.
 
Apesar disso, alguns economistas progressistas acreditam que podemos ter um período longo de juros e inflação baixa, favorecendo a retomada do crédito e do consumo, a geração de empregos e um crescimento da ordem de 3%. 
 
Se o desastre apocalíptico desejado não vier e mantiver o discurso sectário, de negação histérica de tudo, o risco da esquerda ficar falando apenas para 20% do eleitorado é imenso. Pode acabar como McNamara. Conversando consigo mesma enquanto Ho Chi Minh e Lê Duân preparam o golpe final.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. já que o tema envolve
    já que o tema envolve “queimar as caravelas”, entrar de cabeça em um projeto smithiano requer a explicação do plano B. lembra collor. lembro que brasil não é eua. e bolsonaro não é trump. no máximo, um bush filho. fraquinho, fraquinho.

  2. Entre o discurso e a prática,

    Entre o discurso e a prática, pode haver um abismo. Entre o discurso e as verdadeiras intenções, idem. Se Bolsonaro transformar o Brasil num país de capitalistas que não dependam do Estado e isso reduzir o desemprego a níveis aceitáveis e igualmente reduzir a pobreza a níveis aceitáveis, então teremos que bater palmas. Alcançar essas metas via neoliberalismo poderia ser considerado um milagre. Infelizmente, milagres não andam acontecendo, nem mesmo no paraíso dos bolsonarianos, os EUA.

  3. Dia sim outro também a esquerda leva seu quinhão

    Até por pretender fazer oposição à extrema-direita. Coisa, alias, que até aqui a imprensa brasileira (unica no mundo) não reconhece. Certamente o governo do bolsonaro ou sera dos militares? tera alguma coisa para agradar a maioria que, ironicamente, é uma minoria no Brasil… Mas dai dizer que os indios querem viver nas cidades, integrados…  Eles querem viver melhor, o que é uma outra demanda. 

  4. Povos indígenas X mineração
    O que é que o usufruto dos direitos universais e constitucionais dos povos indígenas têm a ver com a exploração econômica de seus territórios?

    Nada!

    Apesar dessa chantagem sem vergonha ter sido muito utilizada pela milicada durante nosso penúltimo golpe de estado ditatorial, com a desculpa de assim obterem “recursos” para seu “desenvolvimento”.

    Você sabe quando custa a saúde digna dos povos indígenas, assim como a promoção de auto educação formal entre eles, etc?

    Custa uma fração apenas dos mesmos recursos demandados pelos não indígenas, devido ao fato de a maioria dos povos indígenas ainda viver em sociedades COMUNISTAS.

    Nenhum dos direitos universais e constitucionais dos povos indígenas será alcançado enquanto a Funai e demais órgãos públicos de assistência forem de quinta categoria, ou estiverem a reboque do desenvolvimentismo ruralista ou mineral. Muito menos quando pastores desestruturantes forem enfiados goela abaixo dos mesmos.

    Fora Bozo, apologeta de crimes inafiançáveis contra a humanidade, ganhador de uma eleição fajuta, fraudada de Cabo a rabo.

  5. Pode ser que eu, de esquerda,

    Pode ser que eu, de esquerda, esteja equivocada mas Bolsonaro não tem projeto para o país.

    1 – Seu governo é terceirizado.Não foi o presidente eleito que estabeleceu em seu plano de governo conduzir a economia como Paulo Guedes a conduzirá. Foi Paulo Guedes que lhe assoprou o que fala pelo twiter. E um projeto de governo precisa de comando político e que o seu comandante conheça o país e a nação para adminstrá-lo.

    2 – Conhecendo a sua falta de respeito as direitos humanos, a floresta e as terras indígenas serão devastadas não em beneficio dos índios, mas em benefício das mineradoras ou fazendeiros.

    3 – no “é duro ser patrão” está incluso a destruição dos direitos trabalhistas e a precarização do trabalho. Quem vai consumir o produto dos patrões?

    4 – até agora a solução da questão do desemprego não foi mencionada em nenhum twiter do eleito. Sem equacionar essa questão não tem aumento do consumo e giro na economia

    5 – Caixa e Banco do Brasil entrarão em liquidação. Como será solucionada a questão da construção civil no futuro governo

    6 – Na questão da Previdência não haverá solução sem mexer com os militares e o funcionalismo público. Vamos ver se ele é “macho” para equacionar esse problema

    7 – falar para poucos num momento da história não significa que é você o errado. No mais,  só o Ricardo Capelli parece saber o que será o governo Bolsonaro pois que até hoje o eleito não expôs um projeto, só fragmentos. Por exemplo, quando é divulgado que não tem nenhum representante no Nordeste no seu governo ele tuitou que o astronauta vai para Israel comprar o processo de dessanilização da água. Dessanilização que já existe no Nordeste e é cara. Tem como dar certo um governo com tanta improvisação?

    PS. Ah! Quem não corre o risco de ficar falando para 20% do país (exatamente a parcela do eleitores petistas) é o Ciro Gomes, cujo irmão articula com o Tasso Jereissati a presidência do Senado. Se a saúde e a educação serão privatizadas, se o trabalho será precarizado, se crianças indígenas morrerão sem assistência médica, pouco importa. Ciro 2022, com apoio do Bolsonaro, não é Capelli?

     

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