A Rede Globo não criou o abismo que separa Lula de Bolsonaro, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Não se enganem, o clã Marinho não quer salvar as vidas dos brasileiros fragilizados pelo fracasso econômico e massacrados pelo COVID-19 com ajuda de Bolsonaro.

A Rede Globo não criou o abismo que separa Lula de Bolsonaro

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Apesar das evidentes diferenças entre Bolsonaro e Lula, uma parcela da imprensa brasileira tem tentado equiparar ambos. Aqui mesmo no GGN rejeitei essa construção artificial. Volto ao assunto porque esqueci de dizer algumas coisas importantes.

Lula se tornou conhecido dentro e fora do Brasil em virtude de comandar greves que sacudiram politicamente nosso país acelerando o processo de decomposição da Ditadura Militar. Bolsonaro apareceu no cenário brasileiro no momento em que foi preso em virtude de planejar um atentado terrorista cuja finalidade aparente era revitalizar um regime político autoritário moribundo.

Os interesses representados por ambos eram distintos. Lula queria melhorar a vida dos operários que pertenciam ao Sindicato que ele comandava. Bolsonaro desejava demonstrar valentia pessoal imaginando que poderia assim conquistar a simpatia dos comandantes do Exército.

Ambos acabaram entrando na política, mas apenas o petista fez essa transição de maneira voluntária. Bolsonaro foi expulso do Exército. Antes da efetivação da expulsão a pena dele foi comutada em aposentadoria compulsória. Em virtude da carreira militar interrompida, ele se viu compelido fazer algo diferente.

Lula tinha uma vocação natural para a política e a desenvolveu ao extremo. Isso explica tanto a ascensão dele à presidência quanto o sucesso de sua passagem pelo poder. Terrorista fracassado, Bolsonaro chegou à Câmara dos Deputados e teria continuado a pertencer ao baixo clero parlamentar se o golpe de 2016 não o tivesse propelido para o centro do poder.

Os “canetas” dos barões da mídia tentaram esconder o sucesso de Lula e se esforçaram bastante (na verdade eles ainda se esforçam) para não mostrar o fracasso de Bolsonaro. A única coisa que eles conseguiram foi evidenciar a distinção que existe entre a verdade factual e sua representação retórica.

Impossível dizer o que ocorreria se a imprensa não tivesse conseguido derrubar Dilma Rousseff. Entretanto, me parece evidente que o drama brasileiro teria um enredo bem diferente.

Lula ficaria fora da disputa eleitoral de 2018, pois o objetivo principal da Lava Jato sempre foi nocauteá-lo através de uma fraude processual (isso certamente ocorreria com ou sem o golpe de 2016). Desgastada pela crise econômica, Dilma Rousseff provavelmente não conseguiria eleger seu sucessor. Isso não significa, porém, que Bolsonaro teria sido eleito. O sucesso dele foi em grande medida construído pelo vácuo político criado em virtude do golpe de 2016.

Com outra pessoa na presidência, a situação do Brasil não seria tão dramática. A pandemia certamente causaria estrago, mas ela estaria sendo combatida de uma maneira muito mais eficiente. Uma anormalidade política como Bolsonaro nunca seria capaz de gerar normalidade administrativa numa situação de crise. Mas a normalidade administrativa provavelmente não produziria a profunda anormalidade política que nós estamos vivendo. 72 mil cadáveres e o governo federal continua sabotando o combate à pandemia como se fosse possível acreditar realmente que reduzir o número de mortos faria mal à economia ou prejudicaria a previdência social.

Suponhamos, entretanto, que a eleição tivesse sido ganha por Fernando Haddad. Nesse caso, o PT teria que enfrentar muito mais do que uma marolinha. Por mais que fosse eficiente, Haddad seria responsabilizado pelas falhas estruturais que comprometem a capacidade do Brasil de enfrentar a pandemia. Com metade dos cadáveres enterrados pelo mito, Haddad poderia ser considerado um fracasso e teria grande dificuldade de se reeleger.

Esta semana, a Rede Globo tentou se jogar nos braços do PT. Não se enganem, o clã Marinho não quer salvar as vidas dos brasileiros fragilizados pelo fracasso econômico e massacrados pelo COVID-19 com ajuda de Bolsonaro. No universo em que eles vivem nós não existimos. Tanto isso é verdade que eles comemoraram o fato de terem rasgado os votos que nós atribuímos a Dilma Rousseff.

O sucesso ou fracasso do Brasil e/ou da democracia brasileira não é objeto das cogitações dos herdeiros do império construído por Roberto Marinho. Se fosse, eles não teriam interferido no processo político para criar o espaço de anomia preenchido e ampliado pelo bolsonarismo.

O clã Marinho deseja salvar a empresa sem colocar em risco o dinheiro que acumulou no exterior? Que motivo temos nós para ajudá-lo a resolver um problema que ele mesmo criou ao apostar todas suas fichas no golpe de 2016?

Ao que parece, Bolsonaro deseja provocar a falência da Rede Globo. Esse seria, sem dúvida alguma, o presente mais valioso que o mito poderia entregar aos barões da mídia que o ajudaram a chegar na presidência. Não é certo, porém, que o espaço deixado pelo colapso da Rede Globo será ocupado pela Band, Gazeta, Record e SBT.

Além disso, o resultado da próxima eleição será em grande medida definido pelos cadáveres produzidos pelo próprio Bolsonaro. E nesse caso, o que é bom para os banqueiros não é necessariamente bom para os parentes dos mortos. É nesse ponto que podemos retornar ao PT

Não importa realmente se Lula será ou não candidato a presidente. Na próxima eleição, com ou sem a ajuda da Rede Globo, o “sapo barbudo” será o maior cabo eleitoral do país. Enquanto esteve no poder, Lula favoreceu a vida. Essa diferença abissal entre ele e mito fúnebre não pode ser ignorada.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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