Ciência, e outros jogos, por Gustavo Gollo

Ciência, e outros jogos, por Gustavo Gollo

A palavra “jogo” abrange um conjunto de atividades bastante diversas que constituem, fundamentalmente, laboratórios para a experimentação e aquisição de conhecimentos. Os animais menos complexos já nascem de posse de todo o conhecimento que necessitarão durante suas vidas, enquanto os mais complexos precisam aprender, atividade na qual se empenham especialmente durante a primeira etapa de suas vidas. A esse tipo de atividade infantil orientado à aquisição de conhecimentos damos o nome geral de “jogos”. Durante a evolução, a espécie humana teve as características infantis exacerbadas a extremos, de modo que somos verdadeiros bebezões, o que pode ser constatado não só através de um exame físico, de nossos corpos – cabeça e olhos grandes, nariz encurtado, poucos pelos, entre muitas outras –, mas também as mentais, de modo que nos mantemos infantilizados e capazes de nos entreter com jogos por toda a nossa longa vida. Os jogos são ferramentas de aquisição de conhecimento, é jogando, brincando, que os animais aprendem.

Jogos de computadores

Nas últimas décadas, uma classe de jogos tem ganhado destaque cada vez maior, são os jogos de computadores. Conhecidos por todos, esse jogos não precisam de apresentação. Como todos os jogos, possuem o encantamento capaz de nos levar para outros mundos, dos quais constituem simulações.

Sem o limite imposto à prática dos jogos esportivos pelo cansaço físico, e sem a necessidade de parceiros locais – fator limitante da maioria deles –, jogos de computadores constituem um fenômeno excepcionalmente absorvente, capaz de capturar mentes humana e cativá-las, monopolizando toda a atenção dos jogadores para a atividade em questão.

Um risco desses jogos, ou efeito colateral, decorre exatamente desse sucesso. Jogadores podem gastar suas vidas, inteiramente, em uma atividade absorvente, que as tornarão extremamente repetitivas e, em decorrência, paupérrimas.

Uma versão bastante interessante desses jogos consiste no aprendizado de programação, e na construção de programas em geral, em especial programação de jogos. Jogos de construir jogos são especialmente estimulantes. Construtores de jogos entediados tendem a construir jogos entediantes. Bons jogos foram, todos eles, construídos sob o espírito lúdico herdado e revelado por eles próprios, depois de prontos.

O ensino de programação de computadores – como a maioria do que se aprende na escola –, costuma ser imposto, destituído de sua ludicidade. O que define um jogo não é a atividade que o constitui, mas o espírito com que o executamos –, essa constitui a lição mais básica para a compreensão do que sejam os jogos.

Jogos de ricos

Consistem em uma classe excepcionalmente tola de jogos, digna de menção apenas em vista das cifras financeiras movimentadas por eles – esse indicador da divindade contemporânea.

Um jogo tão simples quanto idiota, mas reverenciado por muitos, é tido em tão alta conta que funciona como índice de correção de medidas sociopolíticas em geral, – lembremos da frase tão corriqueiramente apresentada como avaliação de tais medidas: como o mercado reagiu a… ? –, trata-se do mercado de ações.

A regra do jogo é extremamente simples, consiste apenas em comprar e vender títulos de posse de frações, ou partes de empresas. Compra-se um título com o propósito de vendê-lo posteriormente. Ganha quem consegue vendê-lo por um valor superior ao de compra, perde quem não o faz.

Descrito assim, cruamente, em suas normas, o jogo parece não possuir nem brilho nem interesse, constituindo atividade bastante idiota. Seus aficionados, no entanto, argumentarão não tratar apenas disso, havendo no jogo inúmeras sutilezas percebidas apenas por seus praticantes.

Dado que a prática efetiva do jogo, a ação de compra e venda – digo, o ato –, seja tão tediosa quanto qualquer outra transação comercial, é uma outra parte acessória do jogo que o justifica. Refiro-me à gabolice, a atividade de contar vantagens sobre as enormes façanhas e lucros do jogador, realizada durante suas reuniões sociais, quando os jogadores vão alternando relatos que enfatizam a própria perspicácia e maestria no jogo, enquanto seguram seus copos de uísque e gesticulam galhardamente.

Em tais encontros, os jogadores ostentam um gestual vencedor, reforçado pela bebida, enquanto prosseguem desfiando narrativas recheadas de números e porcentagens que atestam a obtenção de lucros exorbitantes, revelando a enorme sagacidade de cada um deles.

Todos os jogadores desses jogos de ricos, aliás, são sumamente sagazes, uns vencedores – fato denotado desde a postura corporal ostentada por eles –, de modo que todos eles ganham sempre. Parodiando Fernando Pessoa, nunca conheci quem tivesse perdido nesse jogo, constatação enigmática, dado que, nesse jogo, quando um ganha o outro perde.

A solução do enigma é, de fato, bem simples. Ocorre que todos os sagazes jogadores relatam, apenas, suas vitórias, omitindo sistematicamente todos os fracassos. Relatam-se apenas os episódios que resultaram em lucros, esquecendo-se dos prejuízos, via de regra ainda maiores.

Consideração adicional reduz ainda mais o brilho do jogo: o fato de haver jogadores privilegiados, detentores de informações não disponíveis aos demais. De posse de informações privilegiadas, sejam das empresas, sejam das regras do jogo, esses jogadores, de fato, ganham sempre, deixando para os otários restantes – os vencedores que vemos relatando suas bazófias enquanto seguram copos de uísque –, a partilha dos prejuízos.

A visão desses vencedores, de qualquer modo, é bastante sedutora, de modo que os que presenciam tais reuniões sentem-se fortemente tentados a participar do grupo, tornando-se tão vitoriosos quanto eles. É dessa maneira que novos otários são arregimentados para o rebanho.

Certa peculiaridade do jogo, bastante significativa, raramente é revelada. Embora a todos os jogadores revelem ter obtido sucessivos lucros, vários deles astronômico, o jogo não cria dinheiro, – poderia criar se os títulos fossem respaldados por empresas lucrativas –, de modo que a quantidade de dinheiro retirada do jogo não supera a que entrou. Por essa razão, de tempos em tempos – coisa de uma ou duas décadas –, o mercado de ações costuma receber um enorme destaque nos meios de comunicação e nas conversas, quando os jogadores passam a ganhar especial relevo em todas as rodas sociais, tornando-se verdadeiras atrações ao relatar seus lucros exorbitantes – o aumento do valor nominal de um título recém-comprado sugere a consecução de lucro, um embuste, o lucro real só se conflagra quando o jogador vende o título, botando, assim, a mão na bufunfa. Nesses momentos, em que a bolsa é colocada em alta, todos relatam lucros extraordinários – lucros virtuais, não realizados e apenas sugeridos pelos valores das ações –, seduzindo um contingente de novos otários ansiosos por participar do jogo, adquirindo, de imediato, a aura de vitorioso manifestada por todos os participantes. É quando o jogo ganha enorme destaque, e passamos a ver com frequência os jogadores em ação, gabando-se da própria perspicácia enquanto relatam as enormes cifras dos lucros que vêm obtendo. Em momentos assim, quando os valores nominais encontram-se inflados, a injeção de dinheiro obtida com a entrada dos novos otários permite a realização de lucros por parte dos detentores das informações privilegiadas, que tratam, nessa hora, de abocanhar seus enormes lucos, vendendo tudo e saindo fora. Tendo realizado seu trabalho, esses profissionais retiram-se do mercado, deixando a bolha – uma enorme quantidade de valores sem nenhum estofo –, para ser repartida entre os otários. Tendo o dinheiro sido retirado do mercado pelos detentores de informações e dirigentes do jogo, restam apena migalhas para sustentar os enormes valores, e a coisa toda murcha, como espuma secando.

Ciclicamente, a falcatrua legal deixa inúmeros otários resignados, atribuindo o infortúnio à sua condição inerente de fracassado, enquanto outros se desesperam em decorrência do arrojo com que se jogaram no sonho, tendo perdido as economias de toda a vida.

Jogos de ricos costumam ser tolos e cruéis.

O jogo da ciência

Trata-se de um jogo de enigmas, de perguntas e respostas. Assemelha-se, portanto, a inúmeros outros jogos. Deve haver, nas lojas, à venda, variadas caixas de jogos que se encaixam nessa descrição. Jogar ciência corresponde ao mesmo, mas jogado à vera.

Pessoas de todas as idades podem participar do jogo. Crianças, em especial, tendem a participar com entusiasmo e adquirir conhecimentos e habilidades através desse jogo, cujas regras consistem, tão somente, em formular perguntas e tentar respondê-las.

Embora as regras sejam apenas essas, os jogadores logo perceberão que, por diversas razões, a maioria das perguntas formuladas não se adequa ao jogo. Umas delas corresponderão a jogos filosóficos, outras a jogos tecnológicos; a maioria das perguntas no entanto, não se adequará a nenhum jogo conhecido e já rotulado, como os citados. Essa peculiaridade – extremamente instrutiva, aliás –, consistirá, muito provavelmente, no maior entrave à prática do jogo. Crianças participantes e envolvidas no jogo, tenderão a ser enormes fontes de “perguntas inconvenientes”, de trato difícil. Os condutores do jogo, se diferenciados dos demais, tenderão a se exasperar com a inadequação de tais perguntas – inadequadas por não serem propícias ao disparo de suas respostas prontas. Caso tenham respostas preparadas para qualquer questão, gostarão que as perguntas se encaixem e ensejem, exatamente, suas respostas, o que tenderá a não ocorrer, a menos que haja uma condução deliberada e precisa em direção a tal feito.

Esse fato, pouco enfatizado, merece uma atenção especial por parte de todos os praticantes do jogo. Se o jogarmos com toda a família – incluindo crianças de diversas idades –, serão elas, provavelmente, as autoras da maior parte de tais “inconveniências”. Outros participantes, usualmente mostram-se mais inibidos que elas, evitando, por isso, certas exposições – costumamos ser assim.

Se os condutores do jogo familiar estiverem propondo um roteiro já predeterminado – se tiverem em mente um problema qualquer, predefinido, algo cuja resposta já é conhecida –, conhecerão, de antemão, as perguntas adequadas a serem formuladas tendo em vista as respostas já prontas.

Atente que, quando jogado à vera, pelos cientistas, enquanto elaboram seus próprios enigmas, todos nos comportamos como as crianças aventadas acima, uma vez que, não conhecendo as respostas, desconhecemos também as perguntas que levam a elas. A tarefa fundamental do cientista, aliás, não consiste em apresentar respostas para perguntas preformuladas, mas em formular as perguntas-chave que propiciarão a compreensão das questões em pauta. Muito mais do que perspicazes formuladores de respostas, os grandes cientistas foram, todos eles, exímios construtores de enigmas, cuja tarefa magistral constituiu fundamentalmente em redefinir, em reconstruir um problema anterior – provavelmente insolúvel, mas que monopolizava inúmeras mentes –, transformando-o em outro, para o qual ele consegue dar uma solução. Note que, frequentemente, a formulação de uma pergunta direciona sua resposta, e que perguntas similares, que à primeira vista parecem idênticas, tendem a sugerir respostas bastantes contrárias, umas a outras. Perguntas inadequadas tendem a sugerir respostas inadequadas; caso encontre a pergunta certa, a resposta buscada se revelará facilmente. Essa capacidade de antecipação das jogadas manifestada por seus mais hábeis praticantes costuma ser revelada em jogos tão variados quanto o xadrez, a sinuca, o vôlei, o futebol e muitos outros, assim como no jogo da ciência.

Professores de ciência costumam negligenciar tais fatos, raramente os percebem. Em vista disso, transformam sua atividade docente em um treinamento para a solução de problemas predefinidos. Novos cientistas terminam seus doutorados tendo sido treinados, durante vários anos, a buscar respostas para as mesmas perguntas já previamente definidas. Parte considerável dos esforços dos alunos é gasto em adquirir essa etiqueta científica, compartilhada por todos os que tenham sido treinados nos mesmos moldes. Adquirem, em consequência, os mesmos modelos de adequação, passando a jogar o mesmo joguinho insosso, viciado nas mesmas perguntas que confundem seus formuladores e que nunca levam a nada. Perguntas diversas, no entanto, são inadequadas, uma vez que ninguém sabe como lidar com elas.

Esse tipo de cerceamento, compartilhado pela quase totalidade dos instrutores de ciência contemporâneos, impede a reformulação de antigas perguntas e concepções, e resulta no dogmatismo característico da ciência de nosso tempo, mais acentuado em umas áreas que em outras, mas amplamente compartilhado e todas elas. Explica também parte considerável da estagnação científica contemporânea.

Já defendi aqui no ggn, contrariamente às crenças usuais, – como de costume –, que a ciência contemporânea encontra-se praticamente estagnada, tendo perdido, durante as últimas décadas, o enorme vigor revelada por ela durante o século XIX. Creio que uma das causas mais relevantes de tal estagnação seja esse modo com que obrigam os aprendizes a repetir e trilhar sempre os mesmos caminhos.

Penso que os cientistas devam manter certa inadequação, e eventualmente quebrar protocolos, rompendo a conformidade com a etiqueta: não se faz lá grande ciência obedecendo-se aos cânones vigentes.

O mundo é aberto, razão pela qual a ciência deveria ter-nos revelado sucessivas visões de mundo, revolucionárias e contrárias a concepções anteriores, como a física de um século atrás. A estagnação científica reflete a estagnação de nossas mentes, como se tivéssemos abdicado de compreender o mundo – a grande tarefa dos cientistas –, para nos empenhar apenas em dominá-lo, com o intuito de auferir lucros.

Recomendo aos jovens com aspirações à ciência que nunca percam seu espírito infantil, necessitarão dele para o jogo. Também recomendo que atentem e busquem compreender as perguntas adequadas, conforme definidas por seus mestres, mas, em nenhuma hipótese, resignem-se a elas! Ousem e construam suas próprias perguntas, mesmo que inadequadas: as relevantes, certamente, serão!

A análise das perguntas adequadas, aliás, dessas consideradas “as perguntas corretamente formuladas”, poderá revelar tanto as razões de pensarmos como pensamos, quanto modos alternativos de conceber o mundo. Fazer ciência consiste em trazer à tona tais visões. Joguemos com alegria e entusiasmo.

Redação

3 Comentários

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  1. Nossa!

    Nossa, que lixo! A construção do conhecimento reduzida ao jogo? O Olavo é um imbecil mas o amontoado de besteira escrita acima está no mesmíssimo nível. Premissas rasas, conclusões exageradas…que me aprova um lixo desses para publicação aqui?

  2. Adendo técnico

    Um detalhe sobre a formulação de perguntas

    Existe um ramo da filosofia meio fora de moda atualmente, embora extremamente útil e importante. Refiro-me à lógica.

    Estudiosos de lógica podem identificar formulações linguísticas diversas, percebendo de antemão que tipo de coisa esperar de cada uma delas, conseguindo também descortinar certas confusões linguísticas bastante comuns e imperceptíveis aos demais.

    Karl Popper denominou seu livro mais significativo “A lógica da investigação científica”, título onde a palavra “lógica” não aparece apenas como ornamento, mas no qual, argumentações lógicas são utilizadas para sustentar conclusões. Popper se refere à ciência reiteradamente como jogo, embora o faça por razão diferente da minha. Para Popper o jogo da ciência, por definição, nunca termina, trata-se de um jogo dinâmico cuja meta nunca pode ser definitivamente alcançada, uma “Busca sem fim”, título dado por ele à autobiografia intelectual.

    Popper dava enorme ênfase à construção de novas teorias, e à superação de antigas, consistindo nessa dinâmica, sua definição do jogo da ciência.

    Penso que Popper veria com bons olhos a definição de um jogo que consista em formular perguntas que ensejem respostas empiricamente testáveis, e construir tais respostas.

    Outros tipos de perguntas definiriam outros jogos, alguns deles assemelhados ao da ciência. Jogos filosóficos, por exemplo, podem ser definidos do mesmo modo que os da ciência, mas sem que se exija deles a condição de empiricidade. Jogos tecnológicos são balizados por confirmações, ao contrário dos jogos científicos, demarcados por refutações. Perguntas do tipo: como fazer… ? ensejarão respostas tecnológicas, sugerirão uma técnica como resposta e não a compreensão de um fenômeno.

    Considerações sobre o jogo da ciência ensejam a construção de um metajogo que faz parte do jogo da filosofia, mais especificamente, da filosofia do conhecimento, ou da ciência.

  3. Vamos bater palmas e ver dançar

    Vejam a pérola, a cereja do bolo do artigo:

    Professores de ciência costumam negligenciar tais fatos, raramente os percebem. Em vista disso, transformam sua atividade docente em um treinamento para a solução de problemas predefinidos. Novos cientistas terminam seus doutorados tendo sido treinados, 

    O autor fez doutorado onde? Mesmo nos bacharelados os alunos de ciência aprendem os princípios da Metodologia Científica, disciplina que eu lecionei muitos anos. Ou o curso que ele fez era diferente de todos os que eu conheço ou ele passou o tempo provando substâncias alucinógenas.

    Bata palmas que ele dança.

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