Civilização fóssil, por Wagner Iglecias

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Wagner Iglecias

Neste domingo, durante discurso feito na reunião dos BRICS no G-20, na Turquia, a presidente Dilma Rousseff citou o Estado Islâmico em referência aos atentados em Paris e disse que é urgente “uma ação conjunta de toda a comunidade internacional no combate sem tréguas ao terrorismo”. Vindo de alguém na posição dela não se podia esperar algo muito diferente disso. Mas trata-se de uma declaração protocolar, oca, formal, dado que combater o terrorismo é combater a consequência, e não as causas do problema. Visões como essa só darão mais combustível ao belicisimo crescente, à xenofobia contra o Islã e tornarão cada vez mais difícil a construção da paz.

Muçulmanos não são seres irracionais e sua fé religiosa não está além ou aquém das outras crenças ocidentais, como o Cristianismo e o Judaísmo. Grande parte do avanço científico e tecnológico europeu ao longo de séculos é fruto do convívio com os povos islâmicos, é bom que se diga. E tampouco estamos vivendo um “Choque de Civilizações” entre o Islã e Ocidente, como sugeriu um dia o pensador conservador estado-unidense Samuel Huntington. Por outro lado é óbvio que os atentados terroristas na França, provavelmente perpretados pelo Estado Islâmico, nos soam horripilantes. E são mesmo.

Mas fica a pergunta: não são atentados como os da capital francesa, ceifando a vida de tantos inocentes, que ocorrem quase que semanalmente há mais de uma década se considerarmos o conjunto de países (ou ex-países) como Afeganistão, Paquistão, Iraque, Síria, Iemen, Libia, Somália, Quênia, Nigéria e outros, dos quais muitos de nós aqui, no Extremo Ocidente, na longínqua periferia do Império, nem ficamos sabendo? Talvez o que mais nos apavore, além das terríveis imagens vindas da tragédia de Paris, uma das capitais culturais de nosso tempo, é imaginar a hipótese de que esta rotina macabra não seja mais uma exclusividade de países pobres e distantes, e que possa a partir de agora ser parte do cotidiano das sociedades mais ricas do mundo, exatamente aquelas nas quais tantos de nós se espelham.

Logicamente seria muita pretensão deste que vos escreve, ou de qualquer outra pessoa, tentar responder à questão sobre quais são as causas do terrorismo contemporâneo. Afinal trata-se de um tema  demasiadamente complexo, que carece ser analisado a partir de múltiplos aspectos. Mas tenho a impressão de que a instabilidade política instigada pelo Império e seus prepostos europeus no Oriente Médio e no Magreb na última década e meia é a principal razão para este novo ciclo de instabilidade global que se forma a partir daquela região do mundo.

Sim, a Líbia de Muamar Gaddafi, o Iraque de Sadam Hussein ou a Siria de Hafez al-Assad (pai de Bashar al-Assad) eram ditaduras. Houve neste países presos políticos e perseguições a opositores. Mas é certo que havia também alguma estabilidade institucional e não ocorria o banho de sangue, na escala atual, como este promovido na região desde a primeira Guerra do Golfo e as posteriores incursões ocidentais naquela parte do mundo. Organizações internacionais estimam que no Iraque teriam sido assassinadas apenas entre 2003 e 2006 entre 600 mil e 1 milhão de pessoas. Durante os seis primeiros meses de guerra civil para por fim ao governo de Gaddafi na Líbia, em 2011, estima-se que entre 30 mil e 50 mil pessoas tenham sido mortas. Na atual guerra para derrubar o governo de Bashar al-Assad na Síria estima-se que 250 mil pessoas já tenham perdido a vida, 7 milhões tenham se deslocado forçadamente dentro do território sírio e outros 4 milhões tenham saído ou tentado sair do país por conta da violência.

As incursões feitas pelo Ocidente contra governos da região são, ao menos ao nível do discurso, para levar àqueles povos a liberdade e a democracia. Trata-se, curiosamente, de países não alinhados aos governos dos EUA e da Europa e situados sob ricas reservas de petróleo, gás natural e outros recursos fósseis fundamentais ao modelo de desenvolvimento ocidental. Modelo de desenvolvimento que faz com que os estado-unidenses, que constituem apenas 5% da população do planeta, sejam responsáveis por 14% da emissão global de gases de efeito estufa e consumam 25% da energia mundial. Modelo de desenvolvimento baseado em trabalho excessivo, consumo exacerbado e desperdício. Modelo de desenvolvimento que formou uma sociedade disciplinada e individualista, na qual parcela significativa da população vive movida a ansiolíticos, antidepressivos e outras drogas. Modelo de desenvolvimento que irá buscar aonde for necessário, em qualquer lugar do mundo, os recursos para a sua alimentação e a sua continuidade. Modelo de desenvolvimento que se orgulha de suas garantias e liberdades individuais, de seu protagonismo, de sua liderança e de sua democracia. Mas modelo de desenvolvimento que, em verdade, resulta numa civilização fóssil, calcada numa sociedade que para dar sentido à sua forma de viver depende da exploração insana e permanente de recursos energéticos esgotáveis e poluidores, aonde quer que eles estejam e ao custo que custarem.

Buscar as razões para as ações terroristas é muito dificil. Mas os atentados não são causa, e sim consequencia. Fato é que enquanto bombas e tiros ocorrem em algum lugar, ceifando vidas inocentes, seguimos na marcha batida de um tipo de civilização predatória, belicista, individualista e alienada, no qual a vida humana parece ser menos importante que o lucro, a solidariedade menos importante que a ganância e a natureza menos importante que a riqueza material de uma pequena parcela da Humanidade.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Dou o exemplo de um país

    Dou o exemplo de um país mulçumano que dizem ser laico, a Turquia, os cristãos de lá estão à beria da extinção. Qual o motivo disto? É evidente que eles são perseguidos. Daí eu pergunto: É mesmo compatível os valores ocidentais em uma sociedade mulçumana? Estou certo que não. Quem diz o contrário é porque tem pouquissímo conhecimento dessa realidade, ou é um adepto fanático do multiculturalismo, ou tem um desejo incontido de destruição dos valores cristãos.

    Walter Flick, académico que membro do grupo International Society for Human Rights na Alemanha, afirma que a minoria Cristã na Turquia não desfruta dos mesmos  direitos que a maioria muçulmana:
     A Turquia tem quase 80 milhões de habitantes. Só há cerca de 120,000 Cristãos, o que é menos de 1% da população. Certamente que os Cristãos são vistos como cidadãos de segunda. O cidadão genuíno é muçulmano, e aqueles que não são muçulmanos são olhados com suspeição.
    Segundo uma pesquisa levada a cabo em 2014, 89% da população Turca disse que o que define uma nação é pertencer a uma certa religião. Entre os 38 países que participaram na questão se pertencer a uma religião específica [islão] é importante para se definir o conceito de nação, a Turquia, com os seus 89% da população, ficou no topo da lista no mundial. [1]

    A cientista política Drª Eliabeth H. Prodromou e o historiador Dr. Alexandros K. Kyrou escreveram:
     De alguma forma, as políticas de Ankara contra os Cristãos que actualmente vivem na Turquia adicionaram um verniz moderno e uma brutalidade sofisticada às normas e prácticas Otomanas. (…) Na palavras dum anónimo hierarquia da Igreja na Turquia, que teme pela sua vida e pela vida do seu rebanho, os Cristãos da Turquia são uma espécie em vias de extinção.- See more at: http://perigoislamico.blogspot.com.br/2015/05/cristaos-da-turquia-beira-da-extincao.html#sthash.IipSPqjS.dpufWalter Flick, académico que membro do grupo International Society for Human Rights na Alemanha, afirma que a minoria Cristã na Turquia não desfruta dos mesmos  direitos que a maioria muçulmana:
     A Turquia tem quase 80 milhões de habitantes. Só há cerca de 120,000 Cristãos, o que é menos de 1% da população. Certamente que os Cristãos são vistos como cidadãos de segunda. O cidadão genuíno é muçulmano, e aqueles que não são muçulmanos são olhados com suspeição.
    Segundo uma pesquisa levada a cabo em 2014, 89% da população Turca disse que o que define uma nação é pertencer a uma certa religião. Entre os 38 países que participaram na questão se pertencer a uma religião específica [islão] é importante para se definir o conceito de nação, a Turquia, com os seus 89% da população, ficou no topo da lista no mundial. [1]

    A cientista política Drª Eliabeth H. Prodromou e o historiador Dr. Alexandros K. Kyrou escreveram:
     De alguma forma, as políticas de Ankara contra os Cristãos que actualmente vivem na Turquia adicionaram um verniz moderno e uma brutalidade sofisticada às normas e prácticas Otomanas. (…) Na palavras dum anónimo hierarquia da Igreja na Turquia, que teme pela sua vida e pela vida do seu rebanho, os Cristãos da Turquia são uma espécie em vias de extinção.- See more at: http://perigoislamico.blogspot.com.br/2015/05/cristaos-da-turquia-beira-da-extincao.html#sthash.IipSPqjS.dpufWalter Flick, académico que membro do grupo International Society for Human Rights na Alemanha, afirma que a minoria Cristã na Turquia não desfruta dos mesmos  direitos que a maioria muçulmana:
     A Turquia tem quase 80 milhões de habitantes. Só há cerca de 120,000 Cristãos, o que é menos de 1% da população. Certamente que os Cristãos são vistos como cidadãos de segunda. O cidadão genuíno é muçulmano, e aqueles que não são muçulmanos são olhados com suspeição.
    Segundo uma pesquisa levada a cabo em 2014, 89% da população Turca disse que o que define uma nação é pertencer a uma certa religião. Entre os 38 países que participaram na questão se pertencer a uma religião específica [islão] é importante para se definir o conceito de nação, a Turquia, com os seus 89% da população, ficou no topo da lista no mundial. [1]

    A cientista política Drª Eliabeth H. Prodromou e o historiador Dr. Alexandros K. Kyrou escreveram:
     De alguma forma, as políticas de Ankara contra os Cristãos que actualmente vivem na Turquia adicionaram um verniz moderno e uma brutalidade sofisticada às normas e prácticas Otomanas. (…) Na palavras dum anónimo hierarquia da Igreja na Turquia, que teme pela sua vida e pela vida do seu rebanho, os Cristãos da Turquia são uma espécie em vias de extinção.- See more at: http://perigoislamico.blogspot.com.br/2015/05/cristaos-da-turquia-beira-da-extincao.html#sthash.IipSPqjS.dpufWalter Flick, académico que membro do grupo International Society for Human Rights na Alemanha, afirma que a minoria Cristã na Turquia não desfruta dos mesmos  direitos que a maioria muçulmana:
     A Turquia tem quase 80 milhões de habitantes. Só há cerca de 120,000 Cristãos, o que é menos de 1% da população. Certamente que os Cristãos são vistos como cidadãos de segunda. O cidadão genuíno é muçulmano, e aqueles que não são muçulmanos são olhados com suspeição.
    Segundo uma pesquisa levada a cabo em 2014, 89% da população Turca disse que o que define uma nação é pertencer a uma certa religião. Entre os 38 países que participaram na questão se pertencer a uma religião específica [islão] é importante para se definir o conceito de nação, a Turquia, com os seus 89% da população, ficou no topo da lista no mundial. [1]

    A cientista política Drª Eliabeth H. Prodromou e o historiador Dr. Alexandros K. Kyrou escreveram:
     De alguma forma, as políticas de Ankara contra os Cristãos que actualmente vivem na Turquia adicionaram um verniz moderno e uma brutalidade sofisticada às normas e prácticas Otomanas. (…) Na palavras dum anónimo hierarquia da Igreja na Turquia, que teme pela sua vida e pela vida do seu rebanho, os Cristãos da Turquia são uma espécie em vias de extinção.- See more at: http://perigoislamico.blogspot.com.br/2015/05/cristaos-da-turquia-beira-da-extincao.html#sthash.IipSPqjS.dpuf

    “Walter Flick, académico que membro do grupo International Society for Human Rights na Alemanha, afirma que a minoria Cristã na Turquia não desfruta dos mesmos  direitos que a maioria muçulmana:

    A Turquia tem quase 80 milhões de habitantes. Só há cerca de 120,000 Cristãos, o que é menos de 1% da população. Certamente que os Cristãos são vistos como cidadãos de segunda. O cidadão genuíno é muçulmano, e aqueles que não são muçulmanos são olhados com suspeição.

    Segundo uma pesquisa levada a cabo em 2014, 89% da população Turca disse que o que define uma nação é pertencer a uma certa religião. Entre os 38 países que participaram na questão se pertencer a uma religião específica [islão] é importante para se definir o conceito de nação, a Turquia, com os seus 89% da população, ficou no topo da lista no mundial. [1]

    A cientista política Drª Eliabeth H. Prodromou e o historiador Dr. Alexandros K. Kyrou escreveram:

    De alguma forma, as políticas de Ankara contra os Cristãos que actualmente vivem na Turquia adicionaram um verniz moderno e uma brutalidade sofisticada às normas e prácticas Otomanas. (…) Na palavras dum anónimo hierarquia da Igreja na Turquia, que teme pela sua vida e pela vida do seu rebanho, os Cristãos da Turquia são uma espécie em vias de extinção”.

     

    1. Vejo vários parágrafos repetidos.

      Você é daqueles que acreditam que a mentira repetida se torna verdade, é? No Brasil, segundo o último censo, existem um pouco mais de cem mil habitantes que se declaram judeus, menos de quarenta mil se declaram muçulmanos, isto não significa que estejam à beira de extinção ou sob políticas e atos sistemáticos de perseguição, a não ser de fanáticos fundamentalistas como o seu caso.

      A tal “civilização” ocidental praticou milênios de perseguição religiosa. Os judeus são testemunhas disto. Foram expulsos da mui cristã católica Espanha no final do século XV, encontraram abrigo no Império Otomano, assim como já tinham feito os judeus expulsos pelos católicos da França, Sicília, Hungria, Baviera, etc. O reformador cristão Lutero incitou seus seguidores a queimar sinagogas, foram tão “edificantes” suas pregações, que os réus de Nuremberg alegaram em defesa, que o que tinham feito com os judeus era seguir preceitos da religião protestante.

      Mal completou meio século, que no “farol da civilização” ocidental, os negros conquistaram formalmente, mas ainda não completo de fato, os seus direitos civis. Esse mesmo “farol da civilização” ocidental, que “sai pelo mundo caçando monstros”, para implantar “democracia”, durante décadas brecou sanções na ONU, contra o apartheid imposto pelos cristãos da África do Sul; convive numa boa e colabora com as ditaduras da Arábia Saudita e Egito, entre várias outras.

      Como você endereçou uma página islamofóbica, vou denunciar seu comentário e pedir que outros o façam. Xô, islamofobia! Fora, intolerância religiosa!

       

  2. O QUE DIZ A PRESIDENTA DILMA

    SERVE para criticas. Se ela falasse em moderação, diálogo os Reinaldos Azeveos caíram matando. 

          Há vários canalhas divulgando que Dilma não está fazendo nada para ajudar as vítimas da irresponsablidade da Samarco.

          O Presidente Obama declarou que não vai mandar tropas para a guerra contra o ISIS. Mas, de repente eu pensei que quem vai mandar tropas é o Exército Vermelho: marchando na estrada de Damasco.

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