Congressos em Portugal – II, por Walnice Nogueira Galvão

Congressos em Portugal – II

por Walnice Nogueira Galvão

Congressos no Porto costumam oferecer uma esticada até a quinta de Eça de Queirós, um pouco afastada, já que fica no Concelho de Baião, na freguesia de Santa Cruz do Douro: sempre distrito do Porto, mas o mais remoto no rumo leste. Um severo edifício de pedra cinzenta, com construções anexas para estábulos e outros serviços, é a Quinta de Tormes, que pertenceu ao escritor e que deu nome a sua personagem Jacinto de Tormes, o defensor da plenitude da vida campesina em A cidade e as serras. Não é o berço do escritor, situado em Póvoa de Varzim, não tão longe. É famosa sua autodefinição: “Eu sou apenas um pobre homem de Póvoa de Varzim!”.

Embora os interiores sejam quase nus, e as escassas alfaias venham de outras casas onde o escritor morou, principalmente a de Paris, sempre tem atmosfera um lugar assim. Fica a cerca de uma hora da cidade do Porto, em direção a Trás-os-Montes, ultrapassando-se a Serra do Marão. Serve-se na quinta uma refeição igual à de A cidade e as serras: canja, arroz de favas com enchidos, galinha frita e por sobremesa leite-creme. Como se sabe, as comidas e suas receitas têm lugar de honra na obra de Eça de Queirós.

Mas agora é hora de empanturrar-se. A suntuosa mesa de entradas, tipicamente portuguesa, traz iguarias sem mãos a medir: pastéis de bacalhau, rissóis, patas de caranguejo, presuntos, chouriços, alheiras, morcelas, empadas, tudo aquilo em que nossos irmãos são peritos. E depois, doçaria conventual portuguesa, puxada em gema de ovos e açúcar, de lindos nomes quase sempre entre blasfemos e sensuais: barriga-de-freira, baba-de-moça, travesseira, toucinho-do-céu, beijinho, papo-de-anjo, ovos moles, encharcada, mexericos de freiras, viúvas, madalenas de convento, pitos de Santa Luzia, creme de madre Joaquina, velharocos, arrufadas de Coimbra, celestes de Santarém, delícias de frei João, orelhas de abade, ais… . De lambugem, passa-se às portas de Marco de Canavezes, onde nasceu…quem? ninguém menos que Carmen Miranda.

E já que ninguém é de ferro, não perca a oportunidade de visitar na cidade do Porto as caves da vitivinicultora Adriano Ramos Pinto, marca tradicional. Hoje vendida à francesa Roederer, fabricante do champanha Cristal, mantém em seu posto o neto do fundador, que exerce as funções de anfitrião. Este explica a diferença entre os dois tipos de porto, o Tawny (vermelho escuro, com gosto de frutas vemelhas, forte e novo) e o Vintage (repousado em tonéis de carvalho, de que absorveu o ressaibo e o tom arruivado, já tendendo ao conhaque). Há inúmeros tipos de porto, mas estes são os dois que constituem por assim dizer as vertentes básicas. O anfitrião esclarece que o porto branco é recente e de produção minúscula. Antigamente, nos bons tempos, metade da safra anual de todos os portos ia para a Inglaterra e metade para o Brasil.

O cerimonial da prova põe dois copos na mão do visitante, um com Tawny e o outro com Vintage. A casa oferece mesas repletas de queijos da Serra da Estrela no ponto, já derretendo, com as devidas colheres, cercados de nozes e amêndoas. É hora de lembrar que os portugueses, além de grandes vinhateiros, são excelentes padeiros, pois há cestas com as mais variadas qualidades de pães e biscoitos, principalmente os saloios, rústicos e cascudos, que casam às mil maravilhas com o queijo da Serra, untuoso de textura mas ardido ao paladar. Quanto aos dois vinhos, empate: ambos são perfeitos, cada um a seu modo.

Aproveite a proximidade dos lugares, das paisagens e das edificações em Portugal. O belo país, onde tudo ainda tem escala humana, é minúsculo para nossos padrões: são 10 milhões de habitantes no total, hoje. Um português de passagem por São Paulo espantou-se quando o rádio avisou que havia 150 km de engarrafamento na cidade e arredores. “Em 150 km”, exclamou ele, que vive em Lisboa, “já estou na Espanha!”. E quando os portugueses, por volta de 1500, descobriram praticamente o mundo todo com suas navegações – África, Índia, Brasil etc. – não havia mais que 1 milhão deles. É de pasmar que um povo de contingente tão reduzido fosse capaz de tais proezas.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

https://jornalggn.com.br/assine

Walnice Nogueira Galvão

4 Comentários

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  1. Porto e Braga

    Profª, uma viagem deliciosa, do tipo bate-e-volta, saindo do Porto, é a cidade de Braga. De trem dá cerca de uma hora, a passagem custa míseros 6,30 euros. Braga é uma cidade linda, histórica, deliciosa. O povo do Minho é acolhedor, a culinária maravilhosa. Um passeio imperdível!

  2. Nos arredores do Porto, há
    Nos arredores do Porto, há ainda algumas cidades que valem a pena: Amarantes, Braga, Guimarães, Viana do Castelo e Ponte de Lima!!

  3. Eu, do Rio,

    Eu, do Rio, certa feita ouvi de um mineiro uma conversa com um português em Belo Horizonte (em tom de perplexidade): estamos a 450km do mar, não é verdade?

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