Ficou faltando, por Dorrit Harazim

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – O novo governante leva algum tempo para sair do modo campanha eleitoral e engrenar no liderar e fazer, diz Dorrit Harazim, em artigo no O Globo. Alguns, como Donald Trump, preferem o abismo a desgarrar-se do discurso que os levou ao poder. Depois de dois anos, Trump ainda continua entricheirado entre bordões que só fazem nexo para seu eleitorado fundamentalista. E dá-lhe birra para conseguir do Congresso dinheiro para a mítica muralha anti-imigração, ainda agarrado na fantasia de que o Méxicopagará pela obra. Tal deslocamento da realidade costuma cobrar caro de governante e governados. 

Nesta toada, vem a safra de discursos de posse e primeiras entrevistas desta ‘Nova Era’ ou ‘Revolução’, do Brasil de Bolsonaro. E é fácil descabelar-se com a enxurrada de arabescos verbais, diz Dorrit, como ‘libertar o Itamaraty’, ‘despetizar o governo’, ‘desesquecer’, ‘o Brasil preso fora de si mesmo’, ‘Gnosesthe ten aletheian kai he aletheia eleutherosei humas’, ‘menino veste azul, menina veste rosa’, com sua incongruente bandeira de Israel ao fundo.

Tais demonstrações costumam surtir efeito de início, com a demonização do adversário derrotado ou de algum inimigo imaginário, compensando a incapacidade de formular uma análise ou argumentação mais consequentes. Frases de efeito atuam como palavras de ordem mobilizadoras, mesmo quando incompreensíveis, lembra Dorrit. Mas, como ensinou George Orwell, metáforas não raro são coleções de palavras sem poder evocativo, usadas para salvar pessoas com dificuldade de criar frases próprias.

No artigo, destaque para Wilson Witzel, eleito novo governador do Rio de Janeiro, colocado como um simulardor de produtividade, com um pacote de metas com 2013 itens divididos por áreas e subdivididos por prazo de cumprimento. A lista começa com segurança pública, e no discorrer de itens, a Polícia Civil tem cem dias cravados para aumentar em 20% o número de indiciamentos e elucidação dos crimes no estado, em comparação ao mês anterior e ao mesmo período do ano anterior. E, com 180 dias, deverão aperfeiçoar as investigações dos homicídios.

Pergunta Dorrit, se no lote de tarefas constará o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. ‘A fuzilaria que, segundo o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, deixou um cipoal de pistas de poderosos interessados em impedir sua elucidação, completa dez meses no próximo dia 14’, diz ela.

Reclama também da ausência de qualquer referência às milícias que atuam no estado, apesar do detalhado empenho do governador em dizimar o crime organizado. Faltou pronunciar a palavra mais incômoda: milícias, ‘essa gangrena que avança sobre a lei, o poder e a vida do cidadão fluminense’.

‘No universo da arte, navegar pelo imaginário é crucial .  Mas minha senhora”, teve de explicar Henri Matisse a uma senhora indignada porque a figura feminina de um dos quadros tinha uma perna mais curta que a outra, “isso não é uma mulher. Isso é uma pintura” . Na vida política, para usar um vocábulo introduzido essa semana pelo novo chanceler, às vezes é imperioso “desesquecer”.’, finaliza.

Leia o artigo na íntegra aqui.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Eu desesqueço, tu desesqueces, ele desquece…

    E como vamos explicar ao eleitor do Bolsonaro que tudo aquilo que disseram ser comunismo e petismo não era a realidade, mas uma pintura bem borrada?

  2. A subserviência de Jair

    A subserviência de Jair Bolsonaro frente ao ministro Paulo Guedes passou despercebida da imprensa cordata e reverente. Na posse dos presidentes do BB, Caixa e BNDES, Bolsonaro disse que só trata Paulo Guedes por “senhor”, por motivo de respeito a pessoa mais velha. Ora, Paulo Guedes tem 69 anos e Bolsonaro, 63 – apenas seis anos de diferença entre os dois. Essa diferença só fazia sentido quando um tinha 19 anos, frequentava a universidade, e o outro apenas 13, tocava bronha. O que Bolsonaro na verdade sente frente a Paulo Guedes é a inferioridade intelectual, mal para o qual não há cura ao alcance do mau militar, que sequer consegue fazer concordância numérica e verbal em suas falas, a despeito de haver frequentado a Aman. A propósito da desculpa esfarrapada, recordo meu velho e saudoso pai, a quem jamais tratei por senhor, por sua própria orientação, quando me ensinava: “filho, o termo ‘senhor’ é apenas pronome de tratamento, não tem qualquer relação com atitude de respeito”. Saudade do meu velho …

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