Janelas da quarentena, por Frederico Firmo

A realidade continua sendo negada pelo desgoverno que insiste em se manter no campo da retórica com objetivo claro de destruir a realidade.

Janelas da quarentena, por Frederico Firmo

Primeira semana de  isolamento que  não é uma quarentena  mas  vai provavelmente durar mais do que quarenta dias. Para alguém que adorava trabalhar no escritório domiciliar não me pareceu tão ruim. A janela virtual traz apenas   notícias   ruins  lá de fora.  Fica aquela sensação angustiante de que logo logo vamos temer até mesmo o ar que entra pelas janelas reais.  As razões de apreensão aumentam com a consciência cada vez maior de que o vírus trouxe a realidade crua  para um país que vive há quatro anos um delírio.

A realidade continua sendo negada pelo desgoverno que insiste em se manter no campo da retórica com objetivo claro de destruir a realidade. O ministro da Economia diante de tudo, viu no coronavírus a oportunidade de  impor as tais  reformas. Seus asseclas preocupados com os seus negócios e com a missão dizem que em nome da população vão continuar o ataque ao estado e aos funcionários públicos. Quando mais precisamos da ciência na surdina cortam 1000 bolsas da CAPES.  A retórica é sempre cortes para salvar o país do desastre fiscal.

Premido  pela realidade o ministro  anuncia medidas para salvar primeiramente o mercado, isto é os bancos. Abandona temporariamente o seu ideário liberal e anuncia subsídios que chegam à casa dos trilhões para os bancos e um pacote para salvar as companhias aéreas. Cogita que os clientes não sejam  ressarcidos pelo cancelamento das viagens .   Alguns setores de serviços se antecipam ao desastre  e pedem pela ação do Estado. Colunistas liberais como Waack se superam dizendo que na situação atual é “aceitável” pensar em políticas sociais e de bem estar da população, mas adverte contra o populismo.

Com uma mudança que só a realidade conseguiu impor ,o governo através do Ministro da Saúde discursa cientificamente. Os aplausos que recebe são motivos de ira e inveja do presidente. Mas o discurso científico em defesa do isolamento é insuficiente pois não parece sequer perceber as casas minúsculas que se amontoam em ruelas tortuosas dos morros e das periferias. Aliás periferia é uma abstração,  afinal,  comunidades dos morros da zona sul do Rio ou os cortiços em prédios deteriorados do centro de São Paulo estão longe de serem periféricos. Não me sai da mente a fotografia de Paraisópolis cercada por prédios imensos com uma piscina por andar. Mas me  parece que o tal vírus não se intimida com as portarias e muros dos condomínios.

Fico imaginando que aquele mesmo olhar lá do alto do prédio se aterroriza com a possibilidade, alíás real, de que após 1 mês de quarentena a população das vielas e ruelas, sem dinheiro e sem mais nada em casa, contando os mortos,  e sem sequer perspectiva saiam em busca do que comer invadindo os condomínios e shoppings e tudo o mais. A realidade talvez consiga invadir a mente dos habitantes do condomínio. Enquanto isto o presidente propõe a ida aos cultos. Malafaia volta atrás, talvez com receio de que os fiéis exijam seus dízimos de volta. Presidente e pastor  persistem na  função de iludir.

Isto me traz a lembrança de Dória dispersando a crackolandia, destruindo abrigos e o serviço de atendimento. Em busca da repaginação do centro e grandes lucros imobiliários Doria preparou o caminho para a peste.  No interior de minha casa, sem ter o que fazer, eu fico imaginando aquela cena do filme com  figuras semimortas vagando de prédio em prédio ou de casa em casa enquanto a única esperança era a ciência personificada num personagem negro e seu cachorro.  Talvez já esteja ficando paranoico após apenas alguns dias de isolamento, mas continuo vendo nas telinhas como deputados simplesmente ignoraram o discurso de Jandira Feghali e continuam avançando nas políticas de destruição do Estado e do Serviço Público.

A  imprensa outrora tão cheia de elogios a Guedes e suas políticas, agora se volta para  Mandetta com seu discurso calcado na ciência. Os apoiadores do Mito  se esquecendo de Weintraub, Araujo e Heleno, elogiam a escolha de um  ministério técnico. O presidente enciumado agora aparece em todas as coletivas de imprensa para falar da tal gripezinha.  Mas como disse Feghali, Mandetta pede que lavem as mãos e façam isolamento, falando apenas   para uma classe média e elites  que estocam alcool gel e mantimentos  e se fecham em suas casas e seus condomínios. O pouco horizonte deste governo não os faz ver a periferia.

Diante da provável tragédia carcerária Moro continua em seu autismo punitivista. Falando para um país em prisão domiciliar ele insiste em manter até mesmo a mãe que roubou uma mamadeira numa destas masmorras. Aqui com os meus botões, eu que tantas vezes fiz home office e que tanto gosto do meu cantinho já começo a sufocar com a ideia de que não posso sair quando eu quiser. Muita gente vai ao final deste processo modificar seus conceitos sobre prisão domiciliar.

Mas chega de telinha, audaciosamente vou até o meu jardim, não antes de olhar pela janela se a rua esta deserta. Vou me sentar na varanda. O dia e o sol não parecem preocupados. A temida brisa traz apenas frescor  Ainda não, mas penso que haverá um  dia em que sentarei paramentado e com uma máscara, esperando impacientemente pela queda daquela tal curva  que agora cresce exponencialmente. Jamais pensei em usar papel logaritmico  em alguma crônica. Mas aquela curva não me sai da  cabeça.

Redação

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