Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Jesus foi o primeiro criador de memes?, por Wilson Ferreira

 

Além de ressuscitar mortos, multiplicar peixes e pães e supostamente redimir a humanidade, Jesus também realizou um milagre semiótico: através das parábolas superar o problema da memória da comunicação oral presencial – passado o calor do momento, tendemos a esquecer o conteúdo da comunicação. Graças às fortes alegorias e a narrativas curtas e circulares, suas parábolas se tornaram virais, assim como os atuais memes nas redes sociais. Os memes repetem a mesma estrutura narrativa alegórica, dessa vez em uma outra mídia efêmera – as timelines e chats dos ambientes digitais. Uma estrutura narrativa marcada por dois fatores que impulsionam o alcance de vídeos e imagens: “importância e “ambiguidade”. Se os memes são as “neoparábolas” atuais, Jesus poderia ser considerado o primeiro criador de memes da História? 

Em uma churrascada alguém anuncia aliviado que ainda há latas de cerveja na geladeira: “É o milagre da multiplicação das cervejas!”, jubila; um grupo discute e o seu líder reivindica: “precisamos separar o joio do trigo!”; “aqui tem lobo em pele de cordeiro!”, diz desconfiado o político na reunião de um partido. O que há em comum em todas essas falas? São alusões a milagres e parábolas de Jesus encontrados em diversos versículos do livro bíblico de Mateus.

Talvez o grande milagre de Jesus, além de fazer mortos ressuscitarem e multiplicar pães e peixes, tenha sido também o semiótico – conseguir transformar suas alegorias e parábolas em imagens persistentes e virais que atravessaram 2.000 anos e continuam com força de disseminação.

Derivado do grego “parabolé” (narrativa curta), parábolas são narrativas breves, com um conteúdo repleto de alegorias, utilizadas por Jesus como principal estratégia discursiva nos seus sermões com a finalidade de transmitir ensinamentos. Misturando personagens fictícios com situações reais, Jesus procurava ensinar lições éticas ou de sabedoria através de prosa metafórica e linguagem simbólica.

 

E por que considerar a persistência das alegorias de Jesus como um milagre semiótico? Jesus enquanto esteve entre nós, jamais utilizou-se da escrita para transmitir seus ensinamentos. Tradicionalmente é atribuído a dois dos doze apóstolos (Mateus e João) e dois colaboradores (Marcos e Lucas) a autoria de textos que somente foram aparecer no formato atual no século 3 – mais de 150 anos depois da data em que os textos foram escritos.

Os ensinamentos de Jesus foram transmitidos pela comunicação oral onde, apesar dos índices não verbais darem força à relação (empatia, gestos, carisma etc.), é ameaçada pela efemeridade, pelo esquecimento.

A comunicação performática de Jesus

A comunicação oral é essencialmente performática. Como forma de comunicação indicial, caracteriza-se pelo emaranhamento: enunciado (conteúdo) se confunde com a enunciação (interação + contexto), o conteúdo com a relação (empática, antagônica ou agressiva) e o emissor com o receptor (os parceiros reagem uns sobre os outros como se vê na comunicação viral ou nas ressonâncias em massa).  Por isso, a oralidade é presa ao aqui e o agora, à performance contaminada pelo calor emocional e a qualidade da interação  do momento.

Passada a catarse, passado o momento, a tendência é o conteúdo da comunicação ser esquecido por estar impregnado pelas qualidades indiciais de um contexto que se passou.

Portanto, o grande problema da comunicação oral é a memória. Como então transmitir ideias tão inovadoras e revolucionárias como a nova ética cristã da compaixão, o perdão e o amor ao próximo através de uma mídia tão frágil e efêmera? Como tornar universal conceitos transmitidos pela oralidade presencial, tão presa a um instante, a uma localidade, a um contexto?

Certamente, o gênio semiótico de Jesus esteve na escolha da sua estratégia discursiva: as parábolas. Estrutura narrativa simples, alegórica, destinada à disseminação boca-a-boca para ser recontada diversas vezes. Assim como os memes atuais, destinados à replicação.

Muito mais que a palavra escrita, a palavra falada é ocorrência, acontecimento. Na antiguidade grega Homero dizia que as palavras são “aladas”. Certamente Jesus sabia que a comunicação oral é relacional, dominada pelo calor da autenticidade – seu lado negativo é a efemeridade. Mas, por outro lado, é capaz de impulsionar alegorias, metáforas e narrativas curtas e circulares, assim como os memes atuais.

A psicologia de parábolas e memes

Essa aproximação entre as parábolas de Jesus e os memes atuais parece confirmar a fórmula da chamada “psicologia do rumor” criada por Gordon Allport e Leo Postman  em 1947: 

A = i X a 

Onde /A/ de alcance é igual à /i/ de importância multiplicada por /a/ de ambiguidade.

O fator “importância” (a importância de uma fato tem uma relação direta com a sua novidade, inesperado e bizarro) esteve presente nas parábolas de Jesus – muitas vezes Ele tinha diante si um auditório composto pelos seus inimigos teológicos e, desta forma, o conflito intenso era a tônica das apresentações.  Através de parábolas, Jesus respondia às perguntas de forma inesperada: com outra pergunta que encadeava uma nova analogia. O inesperado e a quebra de paradigmas desconcertava os doutores e teólogos opositores.

Hoje os memes atendem a esse mesmo princípio: basta uma olhada nos videos virais de um YouTube e veremos o inesperado e o bizarro que quebra leis da gravidade ou de verossimilhança.

E o fator “ambiguidade” foi o elemento multiplicador do alcance das parábolas jesuânicas: ao contrário da fábula que sempre começa com um “era uma vez…” (criando um tom atemporal de uma realidade paralela), na parábola temos a ficção da alegoria misturada com elementos da realidade do interlocutor. Isso dá o outro sentido do grego “parabolé” – “comparar”, “colocar lado a lado”. Fição e realidade são comparados e misturados: ao invés de “era uma vez…” temos o “poderia ser assim…”.

Da mesma forma nos memes atuais: de um vídeo do YouTube mostrando pessoas que supostamente flutuam segurando alguns balões comuns ao chamado “meme do irônico” (Willie Wonka rindo ironicamente segurando o queixo com uma das mãos), vemos alegorias que facilmente poderiam aderir à realidade. A polaridade verossímel/inverossímel é trocada pelo “virtualmente possível”.

O meme/parábola de uma surreal conversa de rádio

Um exemplo desse encontro entre memes e a estrutura das parábolas jesuânicas podemos encontrar em um vídeo que está circulando nas redes sociais desde 2014. Nele se mostra uma surreal conversa de rádio entre um navio da marinha norte-americana e o Noroeste da Espanha. No áudio, o comandante americano pede para que a embarcação espanhola mude seu curso para que não se choquem no meio do mar, mas fica extremamente bravo ao receber a resposta de que o “obstáculo” espanhol não iria mudar de rumo – assista ao video abaixo.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

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    1. Pequena parábola !

       João estava na prisãoQuando ouviu falar das obras do Messiasenviou a ele alguns discípulos,  para lhe perguntarem: «És tu aquele que  de virou devemos esperar outro?»  Jesus respondeu: «Voltem e contem a João o que vocês estão ouvindo e vendo:  os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Notícia.  E feliz aquele que não se 

      escandaliza por causa de mim!»  – Mateus 11, 2-6.

      O bolsa família, o Luz para todos, o minha casa minha vida, o mais médico, o prouni, o pronatec, etc… até o pré–sal. Se tem pecados e falhas é por causa da condição humana.

       «Cuidado com os falsos profetas: eles vêm a vocês vestidos com peles de ovelhamas por dentro são lobos ferozes.  Vocês os conhecerão pelos frutos deles: por acaso se colhem uvas de espinheiros ou figos de urtigas?  Assimtoda árvore boa produz bons frutos, e toda árvore  produz maus frutos. Uma árvore boa não pode dar frutos maus, e uma árvore  não pode dar bons frutos.  Toda árvore quenão der bons frutosserá cortada e

       jogada no fogo.  Pelos frutos deles é que vocês os conhecerão.»   – Mateus 7,  15 – 20)

      Maus frutos – toda a privataria tucana e muito mais.

      O julgamento da auto-suficiência – (todos aqueles que não percebem que estão sendo manipulados em seus ódios animalescos ) Então Jesus começou a falar contra as cidades onde havia realizado a maior parte de seus milagresporque elas não tinham se convertido.  Ele dizia: «Ai de vocêCorazinAi de vocêBetsaidaPorque, se em Tiro e Sidônia tivessem sido realizados os milagres que foram feitos no meio de vocês muito tempo elas teriam feito penitênciavestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinzas.  Pois bem! Eu digo a vocês: no dia do julgamentoTiro e Sidônia terão uma sentença menos dura que vocês.  E você

      CafarnaumSerá erguida até o céuSerá jogada é no inferno, isso simPorque, se em Sodoma tivessem acontecido os milagres que foram realizados no meio de você, ela existiria até o dia de hoje!  Eu lhe digo: nodia do julgamentoSodoma terá uma sentença menos dura que você!»    –     Mateus 11, 20-24.

      Na festa da Páscoa, o governador costumava soltar o prisioneiro que a multidão quisesseNessa ocasião tinham um 

      prisioneiro famosochamadoBarrabásEntão Pilatos perguntou à multidão reunida: «Quem vocês querem que eu solteBarrabásou Jesusque chamam de Messias?»   De fato,Pilatos bem sabia que eles haviam entregado Jesus por invejaEnquanto Pilatos

      estava sentado no tribunal, sua mulher mandou dizer a ele: «Não se envolva com esse justoporque esta noite, em sonhossofri muito por causa dele.»   Porém os chefes dos sacerdotes e os anciãos convenceram as multidões para que pedissem Barrabás, e que fizessem Jesus morrer.  O governador tornou a perguntar: «Qual dos dois vocês querem que eu solte?» Eles gritaram: «Barrabás.»  Pilatos perguntou: «E o que vou fazer com Jesusque chamam de Messias?» Todos gritaram: «Seja crucificado!»  Pilatos falou: «Mas que mal fez ele?» Eles, porémgritaram com mais força: «Seja crucificado!»  Pilatos viu que nada conseguia, e que poderia haver uma revoltaEntão mandou trazer águalavou as mãos diante da multidão, e disse: «Eu não sou responsável pelo sangue desse homem. É um problema de vocês.»  O povo todo respondeu: «Que o sangue dele caia sobre nós e sobre os nossos filhos.»  Então Pilatos soltou Barrabásmandou flagelar Jesus, e o entregou para ser crucificado.    –   Mateus 27, 15-26.

      (Barrabás – todos que tiveram seus crimes acobertados na história do país, como toda a oposição golpista atual)

      (chefes dos sacerdotes e anciãos  – os tribunais políticos e religiosos da época e de agora)

  1. “…Supostamente ter redimido

    “…Supostamente ter redimido a humanidade. ” De qualquer forma quem não acredita em Deus, acaba prestando culto a alguma porcaria. Quem não presta culto a porcarias é porque no fundo presta culto á Deus.

    Quanto a MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES, eu escutei certa vez que se refere ao MILAGRE DA PARTILHA. Todo mundo que tinha ido escutar Jesus tinha algum lanche guardado e depois de escutá-lo não guardou o que tinha somente para si.

    E dessa partilha todos ficaram saciados e ainda sobrou.

    Quanto à RESSURREIÇÃO DOS MORTOS, existem vários tipos, que vão por exemplo, de dar esperança à pessoa que está  a beira de um suicídio até a percepção de uma situação de morte física aparente mas que na realidade pode se reverter.

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