Liberdade é responsabilidade!, por Eliseu Venturi

Infelizmente, hoje, padecemos reféns de uma liberdade sem responsabilidade, sem compromisso, sem honestidade e sem lealdade. Estamos diante de uma liberdade? Vemos agentes autônomos e racionais?

Por Eliseu Venturi

Discernimento é a capacidade de ver, separar e julgar. É, portanto, um exercício de diferenciar, e não de desigualar, ao mesmo tempo em que é um ato de discriminar. Ninguém discerne, portanto, sem um repertório, e a qualidade do discernimento é reflexo de uma formação de vida.

A liberdade de expressão, hoje, vem sendo defendida em torno ao amplo espaço de se dizer o que se quer, amplificado e dispersado por vídeos, imagens e textos em redes. Uma liberdade, porém, que não se dedica a trazer novos entendimentos ou sujeitos que podem frutificar em novas liberdades e direitos. Apenas uma liberdade bruta de se ser levianamente bruto.
O implícito desta sacrossanta liberdade  deveria ser a palavra jamais lembrada: responsabilidade! Se não posso e não devo ser censurado, por um lado, devo responder pelos meus atos no exercício da liberdade, por outro. Caso contrário, conviver seria impossível, ou, ao menos, uma anomia total.

:: ASSINE O GGN E CONTRIBUA PARA A CONTINUIDADE DO NOSSO JORNALISMO INDEPENDENTE ::

Ainda mais em um mundo em que, sob os mesmos termos, salva-se e mata-se. Se as palavras são ambíguas, insuficientes e traidores na boca dos sujeitos, para onde o pensamento pode se socorrer? Genocidas matam dizendo-se agir conforme a Constituição. Como discernir?

Se a responsabilidade é ignorada, que dizer da prudência, da precaução,  do comedimento? Como se dizer livre, e dizer que um ato é livre, quando a ignorância,  a negação e a má-fé são a tônica da expressão?

Este quadrante liberdade-responsabilidade deveria ser uma noção elementar de qualquer discussão moral, ética e jurídica que, impessoal, pretendesse se basear na autonomia de um agente racional que argumenta suas razões em uma comunidade política. 

Infelizmente, hoje, padecemos reféns de uma liberdade sem responsabilidade, sem compromisso, sem honestidade e sem lealdade. Estamos diante de uma liberdade? Vemos agentes autônomos e racionais? Vivemos uma comunidade política?
É no cerne da nossa má fragmentação que vivemos pelo entrecruzamento de bandas abreviadas e podadas de sentido, como que em colagens de fitas de um DNA monstruoso. Entre moralismos e dogmatismo, pagamos o caro preço do pior dos laxismos,  que é justamente falar o tempo todo de tudo pela metade, pelo terço ou pelo vazio deliberado mesmo.

Enquanto isso, especialistas lavam as mãos de dizer o que a ética das suas ciências prescreve, as instituições se debatem sobre como reagir dentro das regras de um jogo em que meio time de arroga o descumprimento, uma população divide-se atônita entre o fanatismo agressivo petulante e uma certa apatia incrédula, cozida aos poucos dia a dia. Todos vamos chegando atrasados, e assim nossa feições vão-se tornando carrancas pioradas.

Queremos liberdade. Dizemos o que queremos, ameaçando destruir o que nos interessa e apetece, cercamo-nos de cacos, poeira e cadáveres. 

E a responsabilidade? Quem e como indeniza o inindenizável, repara o irreparável, restitui o irrestituível? Aonde se quer chegar? Tudo é ocultado.

É do núcleo das respostas a essas perguntas que poderíamos abrir uma nova ética, menos automatista. Ou, apenas, finalmente daríamos cumprimento às nossas antigas promessas nossos deveres atuais. Com mais discernimento. 
Apenas o ineditismo supremo e radical do futuro incerto é que permitem cogitar que, um dia, se terá tais respostas.

Eliseu Raphael Venturi é doutor em direitos humanos e democracia.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador