Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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O Brasil diante de uma nova onda do sistema-mundo, por Jorge Alexandre Neves

A crise climática está empurrando, de forma inexorável, o sistema-mundo na direção da formação de uma nova onda focada na “economia verde”.

O Brasil diante de uma nova onda do sistema-mundo

por Jorge Alexandre Neves

A Teoria do Sistema-Mundo, proposta pelo sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein, figura entre as três grandes teorias sociológicas do desenvolvimento. Ela parte da Teoria da Dependência, mas se diferencia desta ao priorizar uma análise sistêmica da economia mundial – que vai além da relação centro-periferia – e por mostrar que, historicamente, há mobilidade – ascendente e descendente – de países.

A Argentina é um exemplo clássico de país que passou pelas duas mobilidades. Na segunda metade do século XIX, em particular a partir da promulgação da Constituição de 1853, a Argentina viveu um processo de mobilidade ascendente no sistema-mundo, ficando em uma posição elevada até o final da década de 1920 (ver: https://latinaer.springeropen.com/articles/10.1186/s40503-019-0076-2). O golpe militar de 1930 marca o início do declínio da Argentina, quando passa a sofrer um processo de mobilidade descendente. Spruk (2019; ver link acima), totalmente baseado na Nova Economia Institucional, foca sua análise apenas na dinâmica institucional, identificando na erosão das instituições democráticas a explicação para a decadência econômica da Argentina. É curioso observar que a própria descrição do processo histórico apresentada por ele dá suporte empírico a uma análise orientada pela Teoria do Sistema-Mundo, ao mostrar que o conflito distributivo, resultante da luta de classes, tem sido a causa da longa decadência econômica da Argentina.

A mobilidade no sistema-mundo, portanto, depende de duas forças principais, a saber: a) ondas econômicas que criam oportunidades e dificuldades dentro da ordenação global; b) a dinâmica sociopolítica interna dos países que envolvem, sim, aspectos institucionais, mas que tem como pano de fundo a luta de classes (o que termina por configurar a Teoria do Sistema-Mundo como uma abordagem neomarxista). O Brasil encontra-se, neste momento, em uma situação privilegiada para favorecer sua mobilidade ascendente no sistema-mundo. Todavia, essa situação está sustentada por um fio que pode se romper a qualquer momento. É preciso construir suportes que possam colaborar para sustentar um futuro virtuoso para o país.

Os adeptos da Teoria do Sistema-Mundo tentam mostrar que, em meados da década de 1980, o mundo entrou numa nova onda econômica, focada nas tecnologias da informação (ver: https://www.sociostudies.org/upload/sociostudies.org/journal/jogs/2019_2/005_Komlosy%20FIN.pdf). A Coreia do Sul e, mais recentemente, a Índia, seriam os melhores exemplos de países que conseguiram “surfar” a onda das tecnologias da informação (acredito que a China é um caso bem mais complexo para ser incluído nesta análise). A primeira – a Coreia – conseguiu fazer uma mobilidade completa, indo da periferia para o centro da economia mundial. A Índia, por sua vez, conseguiu ascender da periferia para a semi-periferia.

O Brasil é um país que pode ser considerado semi-periférico desde, pelo menos, meados do século XX. Todavia, não conseguiu ascender para o centro da economia mundial. Peter Evans (em seu livro publicado em 2004 no Brasil com o título “Autonomia e Parceria”) propõe uma explicação para o fato de a Coreia do Sul ter conseguido “surfar” a onda das tecnologias da informação, enquanto o Brasil falhou em sua tentativa. Ocorre que, como reconhecem teóricos contemporâneos do sistema-mundo (Komlosy, 2019; ver link acima), vivemos um momento no qual é provável o surgimento de uma nova onda no sistema-mundo. A economia mundial, me parece, está diante da perspectiva de formação de uma nova onda resultante de um imperativo natural. A crise climática está empurrando, de forma inexorável, o sistema-mundo na direção da formação de uma nova onda focada na “economia verde”.

O Brasil, me parece bastante claro, é o país, do ponto de vista econômico, em melhores condições para “surfar” a onda da “economia verde”. Nenhum outro país do mundo tem mais capacidade de ofertar energia de fontes renováveis para estabelecimento de novos investimentos produtivos. Essa será uma vantagem relativa fundamental para que o Brasil se transforme no grande beneficiado por essa nova onda do sistema-mundo.

A capacidade institucional brasileira, por seu turno, também qualifica o país para ter protagonismo nas novas dinâmicas econômicas globais. Depois de ter vivido uma década de crises institucionais (de 2013 a 2022), o Brasil conseguiu uma concertação mínima entre suas instituições, inclusive com seu sistema político mostrando uma louvável resiliência (como já discuti em outro texto publicado aqui no GGN). Essa higidez institucional – reconhecida até em termos relativos, algo explicitado por um dos mais respeitados analistas políticos estadunidenses da atualidade (ver: https://m.facebook.com/GloboNews/videos/steven-levitsky-institui%C3%A7%C3%B5es-brasileiras-provaram-ser-muito-fortes/1356770451792998/?locale=ne_NP) – sinalizou de forma muito clara que o Brasil está capacitado para “surfar” a nova onda do sistema-mundo. Este contexto favorável é dependente, por sua vez, de uma repactuação política e social – infelizmente frágil, embora extremamente relevante – amparada na CF-1988, e tornada possível pela eleição do presidente Lula.

O sucesso da nova concertação sociopolítica brasileira, e da capacidade de o país conseguir surfar a nova onda do sistema-mundo, passa por um pacto produtivo, como tem sido martelado de forma insistente e necessária por Luis Nassif. O sucesso desse pacto produtivo pode tirar proveito de algumas ações, a saber:

1- Investimentos públicos que reduzam custos de transação, custos operacionais e custos de oportunidade dos micro e pequenos empreendedores. Uma estratégia que pode se inspirar no exemplo da Bolívia, onde o microcrédito representa 60% do mercado de crédito do país (obviamente, no Brasil esta proporção será sempre muito menor, mas o sucesso do crescimento econômico Boliviano com base na economia popular pode ser exemplar para uma parte dos esforços do pacto produtivo necessário para o Brasil; sobre o caso da Bolívia, ver: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/36336). Essa estratégia pode favorecer, inclusive, uma maior incorporação de grupos evangélicos à nova concertação nacional, visto que – como mostram análises de dados de pesquisas da Quaest – entre estes a proporção de “empreendedores” na PEA ocupada é maior do que no restante da população.

2- Uma estratégia de reindustrialização que passe, pelo menos em parte, por condições já dadas. Não seria muito viável esperar que o Brasil consiga “surfar” a onda da “economia verde” com uma dependência total da poupança externa. Portanto, é preciso usar as atividades já existentes – inclusive a economia do petróleo, que o mundo inteiro aponta como decadente, mas que continua a ser central (vide os novos investimentos de multinacionais de países centrais na exploração de petróleo na plataforma continental da Guiana) – para gerar reservas internacionais e poupança doméstica para colaborar com o financiamento dos novos investimentos da “economia verde”. Outro conjunto de condições dadas que precisa ser aproveitado diz respeito ao estoque de conhecimento e inovação das instituições de ensino superior/técnico e de pesquisa. Há inúmeras inovações, algumas já patenteadas, à espera de investimentos públicos, e que poderão impactar de forma significativa o processo de reindustrialização do Brasil. Esse esforço pode se inspirar nas políticas de desenvolvimento industrial da Coreia do Sul.

O ano de 2023 se encerra de forma extremamente positiva para o Brasil. Na economia, os indicadores são muito bons, tendo sido coroados pela elevação da nota do país pela S&P. Precisamos nos concentrar na busca do protagonismo do Brasil na nova “economia verde”. Temos tudo para “surfar”, de forma privilegiada, esta nova onda do sistema-mundo. Não podemos correr o risco de não estarmos com nossa “prancha” preparada. As condições favoráveis estão dadas. Precisamos agir!

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997.  Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

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