O governo Lula não é de esquerda: um comentário de Fernando de Aquino, do Cofecon

O cenário hoje é de um governo social-democrata novamente vitorioso, mas tendo que enfrentar o Congresso fisiológico de sempre

Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula

O governo Lula não é de esquerda: um comentário de Fernando de Aquino, do Cofecon

O artigo de Luis Nassif “O governo Lula não é de esquerda” é uma contribuição para identificar qual seria a orientação política do atual governo. Longe de contestar os argumentos, creio que valeria acrescentar a hipótese de que as ações seriam também uma forma de lidar com as resistências, não apenas uma manifestação dessa orientação política. Nesse sentido, creio que uma forma de avançar no entendimento dessa questão seria investigar o que mudou do primeiro governo Lula para o atual. Naquela ocasião, tivemos a famosa “Carta ao Povo Brasileiro” e a dúvida sobre até onde os demais poderes e governos locais, movidos ou não por lobbies poderosos, aceitariam avanços das pautas de esquerda.

Naquele período houve expansão e aprimoramento das políticas sociais e dos investimentos públicos, ao lado da valorização do salário mínimo em uma conjuntura favorável da economia mundial. Os resultados foram extraordinários, em termos de redução das desigualdades de renda e de oportunidades, consolidando Lula como uma liderança política que pode ter ultrapassado, em apoio popular em suas épocas, nomes como Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas.

Mas o que mudou? A restauração de instituições degradadas pelo governo anterior é, sem dúvida, uma prioridade para a esquerda e está sendo contemplada. Ao mesmo tempo, também está ocorrendo uma reestruturação de políticas sociais e de investimentos públicos, além da retomada da valorização do salário mínimo e de pautas que não foram tão trabalhadas no governo Lula anterior, como a progressividade tributária e a promoção do aumento da produtividade, por meio de políticas setoriais mais elaboradas.

E as resistências, são maiores? Elas conseguiram derrubar o Governo Dilma II, após a reversão do benéfico cenário econômico externo e os exageros nas desonerações tributárias terem criado um clima de acentuada incerteza, não revertido com políticas adequadas e conciliação com o Poder Legislativo. A fragilidade do governo foi capitalizada pelos que buscam perpetuar um apartheid social que substituiu mais de três séculos de escravidão, os quais ainda conseguiram eleger um sucessor que levasse o seu projeto adiante.

A alternativa mais viável, para “o PT não voltar”, foi apostar em um deputado do baixo clero, disposto a entregar a política econômica ao notório neoliberal Paulo Guedes e ainda beneficiado por um atentado às vésperas da eleição. Bolsonaro não é neoliberal nem conservador, mas um populista com discurso de ocasião, que já chegou a apoiar Lula, bem como a certa pauta desenvolvimentista, que predominou entre os militares outrora. Tanto é que, em que pese todo esforço de construção de uma liderança popular para sua pessoa, a desidratação desse “mito” vem ocorrendo numa velocidade inesperada.

Contudo, a banda direita da população brasileira não foi criada pela Lava Jato ou por Bolsonaro. Nunca foram tão intolerantes com corrupção, nem de valores conservadores tão rígidos. Ela sempre esteve presente, embora nos últimos anos venha desfilando com maior empoderamento, inclusive na expressão do ódio ao pobre. São os que colocam sua renda e patrimônio acima de tudo e de todos, embora o número de eleitores que possuam em nível relevante fique longe de poder eleger um presidente da república no Brasil.

O que viabiliza, eleitoralmente, essa banda são os pejorativamente chamados “pobres de direita”, ultimamente complementados pelos evangélicos. Não são idiotas manipulados, como muitos pensam, mas tem motivos próprios, ainda que possam ser moralmente criticáveis.  Os pobres de direita preferem viver neste apartheid, na perspectiva de mudarem de lado. Os evangélicos, por sua vez, priorizam o pertencimento à sua comunidade religiosa, não só por questões afetivas, mas por oportunidades de assistência e trabalho, preferindo seguir a orientação política aderida por aquela comunidade.

O cenário hoje é de um governo social-democrata novamente vitorioso, mas, como todos os governos, tendo que enfrentar o Congresso Nacional fisiológico de sempre. A maioria de seus membros não é progressista, nem conservadora, nem reacionária. Também não é neoliberal, social-democrata ou comunista. Querem contrapartidas. Propostas com efeitos menores valem um cargo ou uma emenda parlamentar. Propostas que contrariem interesses dos mais poderosos alcançam valores maiores junto aos lobbies. É o chamado “jogo jogado”, que exige muita estratégia, gradualismo e negociação para ir aprovando pautas da esquerda, nem todas sendo exitosas.

Vale mencionar dois casos. Um deles seria o do novo arcabouço fiscal, com metas de superávit primário que representam limitações que poderiam ser menores para os gastos públicos, caso fossem praticadas taxas de juros mais baixas. Tal condição, de menores limitações, pode estar sendo buscada de modo gradual, com menos embates com o Banco Central e mercado financeiro que possam dificultar a condução da política macroeconômica. Em relação ao caso da Reforma Tributária, o encaminhamento de apresentar primeiro alterações nos impostos indiretos, mostrando como as alíquotas poderão ser elevadas se não forem suavizadas com várias propostas de tributação sobre os mais ricos, que têm pago proporcionalmente menos, parece uma boa estratégia.

* Fernando de Aquino Fonseca Neto é economista, coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Mande seu artigo para [email protected].

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador