Blog: Democracia e Economia – Desenvolvimento, Finanças e Política
O que é necessário para sustentar expectativas positivas de crescimento em 2023?
por Carmem Feijó
O resultado do PIB no primeiro trimestre de 2023 surpreendeu positivamente com expansão de 1,9% em relação ao trimestre anterior. No final de 2022, previsões no Boletim Focus para 2023 apontavam expansão inferior a 1%. A estatística oficial do PIB no 1º. trimestre indica fortemente que a economia brasileira terminará o ano com crescimento bem acima de 1%.
Outro indicador macroeconômico positivo no primeiro trimestre de 2023 é a desaceleração da inflação. O relatório Focus tem revisado para baixo as expectativas de inflação para este ano e espera-se que o IPCA termine 2023 dentro da banda de inflação, em torno de 5%.
A reversão nas expectativas neste início de governo são sustentáveis? Algumas ponderações devem ser consideradas.
Mesmo com inflação em queda e com projeção de expectativas de inflação em queda, a taxa real de juros do país é extremamente elevada, mesmo após a redução iniciada em julho. Esse é um resultado que caminha na contramão da retomada do crescimento da economia brasileira de forma sustentada. Com um nível de taxa de juros elevado e com a inflação em queda, haveria espaço para redução significativa da taxa de juros. Porém, o banco central tem atuado de forma excessivamente conservadora, o que pode levar o país a perder uma importante janela de oportunidade para voltar a crescer, reativando a capacidade de investir e avançando na pauta da transição climática.
Outro fator a ser considerado é a baixa capacidade de recuperação da economia à recessão de 2015-2016. A economia brasileira demorou muito a recuperar da queda acumulada de quase 7% na recessão de 2015-2016. Na série encadeada do PIB, apenas no segundo trimestre de 2022 o indicador superou o nível do terceiro trimestre de 2014 – ou seja, foram quase 8 anos de estagnação. Neste período, o indicador de pior desempenho, do ponto de vista da demanda agregada, foi o de formação bruta de capital fixo.
Um estímulo importante para abrir oportunidades para a retomada de novos investimentos foi dado recentemente com o lançamento do novo programa de aceleração do crescimento – Novo PAC, dito turbinado. Porém com as condicionantes do novo arcabouço fiscal, pairam dúvidas sobre o quanto este programa pode de fato tirar a economia da estagnação. A sugestão é que a retomada robusta dos investimentos em formação bruta de capital fixo deve ter políticas fiscais e de financiamento adequadas para tornar atrativo para o investimento privado a transição para economia de baixo carbono e a modernização tecnológica.
Além de financiamento público em condições favoráveis ao investimento produtivo, o investimento público atualmente situa-se muito aquém do nível necessário para manter e expandir o setor de infraestrutura. O investimento do Setor Público Consolidado representava 2% do PIB em 2021, a metade do percentual registrado em 2014. Desta forma, para consolidar um clima de expectativas positivas quanto a retomada de crescimento da economia, a contribuição do investimento público no investimento total deveria aumentar.
Porém, no contexto atual do debate sobre a sustentabilidade da dívida pública, a retomada dos investimentos públicos encontra-se dependente da geração de superavits primários e contenção de gastos públicos. Neste sentido, identificam-se obstáculos significativos à retomada da formação bruta de capital fixo da economia brasileira, a despeito do reconhecimento pelo governo federal sobre a necessidade de novos investimentos produtivos para alavancar o crescimento de forma sustentável.
O segundo aspecto importante para qualificar o crescimento do PIB no primeiro trimestre é a contínua perda em termos de valor adicionado da indústria de transformação no total da economia. Esse é um argumento para explicar a dinâmica do crescimento pelo lado da oferta agregada.
No 1º. trimestre de 1996, primeiro ano da série de PIB trimestral em valores constantes, a indústria de transformação respondia por 13,5% do valor adicionado total; no 1º. trimestre de 2023 este percentual caiu para 8,5%. Os setores de agropecuária e indústrias extrativas, intensivos na exploração de recursos naturais e produtores de bens de baixo valor adicionado, passaram, juntos, de 6,1% em 1996 para 10,6% em 2023. A desindustrialização na intensidade que se verifica tem consequências negativas para o desempenho da economia.
No curto prazo, por ser a indústria de transformação o setor mais dinâmico, sua perda de importância torna a recuperação do crescimento lenta. De fato, no primeiro trimestre de 2023, o crescimento da indústria de transformação foi negativo em 0,6%, sendo o crescimento do PIB de 1,9% explicado pela expressiva expansão de 21,6% do setor agropecuário.
No médio e longo prazo, uma estrutura produtiva especializada na produção de bens de baixo valor adicionado implica, por um lado, na baixa produtividade agregada da economia. Por outro, excessiva concentração da pauta de exportações em bens primários, o que torna a economia vulnerável ao ciclo de valorização de preço das commodities exportadas pelo país.
Concluo essa nota argumentando que a retomada do crescimento econômico, necessário para a modernização do matriz industrial e para a transição climática justa e inclusiva, depende em larga medida da retomada do investimento e do financiamento públicos. Porém, essa conclusão conflita com o modelo macroeconômico que limita a atuação do Estado, na hipótese de que o Mercado é mais eficiente para alocar recursos. Anos de reformas econômicas liberais não foram capazes de colocar a economia brasileira em trajetória de crescimento sustentável. De 2014 a 2022, o crescimento médio do PIB foi de apenas 0,3% aa e a formação bruta de capital fixo recuou 1,3% aa. Assim, para a economia brasileira voltar a crescer de forma sustentável, é necessário que se adote uma nova convenção de política econômica, onde a prioridade seja o crescimento, com estabilidade, sustentabilidade ambiental e inclusão social. Tal convenção pressupõe a atuação ativa do Estado, guiando expectativas e reduzindo incertezas para induzir investimento produtivo transformador com vistas a sofisticar tecnologicamente a matriz produtiva e aumentar a competitivade externa.
Carmem Feijó – professora da Universidade Federal Fluminense e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (Finde).
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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF
O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp
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