O viés anti-inflacionário da política de reforma agrária, por Gustavo Noronha

 

Artigo do Brasil Debate

O viés anti-inflacionário da política de reforma agrária, por Gustavo Noronha

As causas de um processo inflacionário têm várias naturezas: aquecimento da economia; choques de oferta; conflito distributivo entre capital e trabalho; ou resultado das projeções dos agentes. Normalmente, mais de um destes fatores estão associados nas altas de preços.

Todavia, o mais comum, entre os analistas de mercado, é associar como causa única da inflação brasileira recente o excesso de demanda e, neste caso, um único remédio, o aumento da taxa básica de juros, eventualmente combinado com um ajuste fiscal.

O aquecimento da economia como causa singular de um processo inflacionário só se justifica ante análises meramente conjunturais, limitadas em determinado espaço de tempo. E o eventual aumento de taxa de juros, ainda que combata a inflação no curto prazo, em nada resolve as demais causas estruturais de um processo inflacionário.

Pior, seus efeitos colaterais são extremamente nocivos, provocam desequilíbrios cambiais (e consequentemente complicações no balanço de pagamentos), aumentam o desemprego e geram um ciclo vicioso por tornar a economia dependente de juros altos.

Um economista recomendar que qualquer processo inflacionário (independentemente da causa) seja combatido apenas com aumento na taxa de juros seria como um médico amputar seu pé por conta de uma unha encravada.

De modo simplificado, os processos inflacionários decorrentes de excesso de demanda ou de choques de oferta traduzem desequilíbrios entre oferta e procura em diversos setores da economia. Ou seja, aquilo que é produzido na economia não é suficiente para atender as necessidades de consumo das pessoas e empresas, seja em um ou em vários mercados.

Eventualmente, dependendo do peso de determinado mercado na economia, um desequilíbrio apenas neste mercado pode provocar um aumento nos indicadores de inflação.

Todo crescimento econômico traduz-se em crescimento de renda, o que provoca aumento da demanda que, se não for acompanhado de um aumento da oferta, pode causar um processo inflacionário. Alguns economistas partem desta lógica e, com modelos matemáticos demasiado sofisticados para os não iniciados em economia ou estatística, constroem a noção de um crescimento potencial do PIB acima do qual haveria inflação.

Esta argumentação parte do pressuposto de que é possível encontrar todas as variáveis que explicam o crescimento do PIB e a inflação. Apenas com muita ingenuidade ou malícia para comprar esta ideia. O aumento da demanda jamais é uniforme nos diversos mercados, a elasticidade da renda e da procura varia radicalmente conforme o bem analisado, logo, uns mercados são mais impactados que outros.

Deste modo, não é possível assegurar um excesso de demanda generalizado de todos os bens da economia. Eventualmente, o aumento de preços em um único bem cujo peso na composição do índice de preços seja demasiado relevante pode provocar um impacto na inflação medida – desta forma, faria mais sentido atuar cirurgicamente no mercado deste bem. O mesmo pode ser aplicado a um pequeno conjunto de bens.

Uma análise fria indica que o processo inflacionário do último período decorre da projeção dos agentes (incluindo aí o aumento dos preços administrados), problemas de oferta em mercados específicos e do conflito entre capital e trabalho causado pela melhora na distribuição funcional da renda nos últimos anos. A questão dos componentes inercial e distributivo da inflação não está no escopo deste breve artigo.

Pretendemos abordar um aspecto dos choques de oferta. Não podemos falar de um choque homogêneo que afete todos os mercados, isto seria uma recessão e não um choque de oferta a provocar alguma inflação.

Alimentos e energia

Os impactos da oferta em processos inflacionários normalmente estão associados a fatores exógenos aos modelos econômicos usuais e que afetam mercados importantes: quebras de safras agrícolas, guerras, movimentação conjunta dos produtores de determinado bem. No momento, temos perturbações na oferta em dois mercados com impacto nos índices de preço: alimentos e energia.

O problema na oferta de energia está associado à seca que atinge boa parte do Brasil e compromete a geração de energia hidrelétrica. Desta forma, o País acaba sendo forçado a optar pelas usinas térmicas cujo custo de geração é superior.

Deste modo, convém observar o mercado de alimentos. A demanda por alimentos é relativamente inelástica, pode variar entre a natureza do bem, mas pouco provável que alguém deixe de comer para consumir qualquer outro bem, mais crível é o movimento contrário.

Um choque de oferta em um produto cuja demanda é bastante inelástica resultará em um aumento extraordinário de preço. Ademais, a variação nos preços dos alimentos também se explica pela sua vinculação aos mercados internacionais de commodities.

É preciso, portanto, construir uma alternativa que garanta um aumento da oferta de comida. O Censo Agropecuário do IBGE nos mostra que a agricultura familiar é responsável pela maior parte do alimento na mesa do brasileiro. Vários estudos econômicos demonstram que a grande propriedade é ineficiente em razão de custos crescentes de escala. Os custos de gerenciamento, logística e mão de obra, a imprevisibilidade meteorológica e a volatilidade dos preços internacionais são fatores que permitem se afirmar que a agricultura não é uma atividade capitalista em estrito senso.

Outrossim, também é preciso desvincular os preços dos alimentos dos mercados externo e interno. A grande propriedade produz principalmente para o mercado externo, não afeta de sobremaneira a curva de oferta interna de alimentos. O consumo interno destes itens também não afeta seu preço, mas sim as variações no mercado internacional.

Desta forma, é preciso mudar o paradigma da produção agropecuária brasileira. Deve-se entender que entre as funções clássicas da agricultura na economia, a mais primordial é prover a economia de uma oferta crescente de alimentos. Isto não ocorre numa economia cuja produção agrícola está voltada para o mercado externo. Só é possível reduzir os preços dos alimentos com a democratização do acesso à terra. Inflação também se combate ampliando o número de agricultores familiares, realizando a reforma agrária.

Combater inflação com política econômica contracionista é gerar recessão e desemprego e o nome disso é terrorismo.

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Redação

4 Comentários

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  1. “As causas de um processo

    “As causas de um processo inflacionário”

    Só tem uma, expansão monetária. O resto é conversa fiada.

    A agricultura não cria nem destroi moeda.

    E outra quem diz lutar pela reforma agrária não quer reforma agrária lutam mesmo e pela estatização do campo.

  2. O autor abre seu artigo com a

    O autor abre seu artigo com a seguinte frase: “As causas de um processo inflacionário têm várias naturezas: aquecimento da economia; choques de oferta; “

    Confesso que nunca fui informado que excesso de oferta pudesse causar inflação. 

  3. “Um economista recomendar que

    “Um economista recomendar que qualquer processo inflacionário (independentemente da causa) seja combatido apenas com aumento na taxa de juros seria como um médico amputar seu pé por conta de uma unha encravada.”

    Não vamos exagerar. Uma hipérbole mal colocada abre espaço para se atacar argumentos indiretamente ao atacar a forma como foram colocados, ainda que os argumentos em sí sejam sólidos.

    Talvez melhor metáfora seha a de um médico da idade média, que atribuia quase tudo a “maus fluidos” cujo remédio seria uma boa sangria com a aplicação de sangue-sugas.

    Apesar de concordar com boa parte do texto, não tem como levar a sério a ideia de desvincular os preços de produtos agrícolas entre os mercados interno e externo. Com que mecanismo, fechando o país à globalização, o que poderia trazer situações de atraso como as da famigerada reserva de mercado, quando os produtos locais estavam uma década defasados em relação ao resto do mundo, o que tem consequencias negativas para a economia e empreendendorismo brasileiros até hoje? Através de impostos de exportação, que iriam prejudicar todos os agricultores que exportam alimentos, podendo causar inúmeras demissões?

    Particularmente, acredito que o melhor caminho para combater a inflação passa pela busca constante da produtividade, não apenas na agricultura mas em todos os setores da economia; quanto mais se produzir com a mesma quantidade de funcionários, mais viável para as empresas manterem ou mesmo reduzirem os preços, e quanto melhor a produtividade relativa do país melhores condições de se ter uma balança comercial positiva e fortalecer o Real por meio de superavit na balança de pagamentos. Mas, obviamente, melhorar a produtividade não apenas é complexo, certos setores da sociedade temem essa melhora por achar que isso levaria ao desemprego (sem notar que, em um mundo globalizado, não acompanhar os ganhos de produtividade dos outros países leva a uma situação ainda pior para o emprego nacional).

  4. Democratização do acesso à terra e investir sem parar!

     

    Desta forma, é preciso mudar o paradigma da produção agropecuária brasileira. Deve-se entender que entre as funções clássicas da agricultura na economia, a mais primordial é prover a economia de uma oferta crescente de alimentos. Isto não ocorre numa economia cuja produção agrícola está voltada para o mercado externo. Só é possível reduzir os preços dos alimentos com a democratização do acesso à terra. Inflação também se combate ampliando o número de agricultores familiares, realizando a reforma agrária.

    É preciso, portanto, construir uma alternativa que garanta um aumento da oferta de comida. O Censo Agropecuário do IBGE nos mostra que a agricultura familiar é responsável pela maior parte do alimento na mesa do brasileiro

    Combater inflação com política econômica contracionista é gerar recessão e desemprego e o nome disso é terrorismo.

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