Paulo Nogueira Batista Jr.
Paulo Nogueira Batista é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021. E-mail: [email protected] X: @paulonbjr Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br Portal: www.nogueirabatista.com.br
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Previdência: o lado da receita, por Paulo Nogueira Batista Jr.

As falhas do lado da arrecadação têm várias dimensões, entre elas a evasão tributária, generosas isenções, a elevada dívida ativa e anistias fiscais recorrentes.

Previdência: o lado da receita

por Paulo Nogueira Batista Jr.

O debate brasileiro sobre a reforma da Previdência sofre de vários desequilíbrios, alguns até escandalosos. Há quem diga que o debate é mais desequilibrado do que a própria Previdência. Um desses desequilíbrios me parece evidente: na cobertura do tema pela mídia tradicional, tudo se passa como se o problema fosse tão somente de excesso de despesa. O argumento, repetido ad nauseam, é simples: as pessoas vivem mais, a população envelhece. Aumenta, em consequência, o número de beneficiários de aposentadorias e pensões – em termos absolutos e relativamente ao número de contribuintes da previdência. Isso é verdade, não há dúvida, no Brasil e na maior parte do mundo. Mas é apenas parte da história.

Preciso, leitor, abrir rápido parêntese. Todo economista que se preze precisa fazer, volta e meia, homenagens sinceras e sentidas ao Conselheiro Acácio, um nosso renomado colega do século 19. O Conselheiro Acácio, para quem não sabe ou não lembra, é aquele personagem do Eça de Queiroz que, depois de escrever um volumoso “Tratado de economia política”, com o subtítulo “segundo os melhores autores”, adquiriu o hábito de enunciar o óbvio ululante em tom solene. Mas, por favor, não cabe fazer pouco do Conselheiro e seus discípulos. O óbvio, mesmo ululante, não está dispensando defensores. Ao contrário, nunca foi tão importante defendê-lo, com unhas e dentes.

Vamos lá, então. Como diria o Conselheiro, quando aparece um déficit em algum orçamento isso se deve, necessariamente, ao aumento da despesa, à diminuição da receita ou a uma combinação das duas coisas. No caso em tela, vale a terceira hipótese. Trato, hoje, apenas do lado da receita, que vem sendo varrido para baixo do tapete por muitos comentadores e analistas.

As falhas do lado da arrecadação têm várias dimensões, entre elas a evasão tributária, generosas isenções, a elevada dívida ativa e anistias fiscais recorrentes. Tomadas em conjunto, essas falhas constituem uma parte importante do problema financeiro da Previdência Social. Quem se beneficia delas, entretanto, é a famigerada turma da bufunfa, o que explica o relativo silêncio a respeito nas mídias tradicionais.

A evasão tributária em larga escala só é possível porque a administração pública brasileira sofre de deficiências crônicas, não conseguindo assegurar a estrita cobrança das contribuições previdenciárias previstas em lei. O problema é antigo e nunca foi realmente enfrentado. Os donos do poder têm interesse muito limitado em permitir que essas deficiências sejam sanadas.

As isenções de contribuições são concedidas sem critério, sem monitoramento e por prazo indeterminado, corroendo de forma significativa a arrecadação previdenciária. A Receita Federal estima que as isenções representam para a Previdência perdas de receita da ordem de R$ 50 a 60 bilhões por ano.

A dívida ativa da União relativa a créditos previdenciários alcança quase R$500 bilhões. É verdade que boa parte disso é incobrável, pois corresponde a obrigações de empresas falidas. Mesmo assim, uma cobrança mais efetiva da parte da dívida que pode ser recuperada ajudaria, sem dúvida, a enfrentar o problema da Previdência.  

O problema das anistias frequentes e abusivas agravou-se consideravelmente nos últimos anos. Tornou-se rotina aprovar no Congresso parcelamentos de dívidas previdenciárias e outras com prazos excepcionalmente longos. Em muitos casos, perdoa-se parte da dívida, das multas ou dos juros. Isso constitui incentivo perverso para os contribuintes e contribui para derrubar a arrecadação. É que as empresas incorporam as anistias às suas expectativas e passam a incluí-las no seu “planejamento tributário”. Pior: segundo a Receita, pelo menos metade dos contribuintes que se beneficiam das anistias voltou a ficar inadimplente, seja de parcelas refinanciadas, seja de outras obrigações.

O governo propôs algumas medidas para fazer face a essas falhas do lado da receita. Mas as propostas são insuficientes e, em alguns casos, dão até a impressão de terem sido apresentadas “para inglês ver”.

O pano de fundo desse enfraquecimento crônico da arrecadação previdenciária é a estagnação da economia brasileira. Estamos há quatro décadas, desde os anos 80, com crescimento econômico pequeno ou nulo. O desemprego, a informalidade e o subemprego aumentaram de forma expressiva, reduzindo o número de contribuintes da Previdência. O enfraquecimento da economia leva, além disso, as empresas a recrudescer no esforço de sonegar e se financiar às expensas da Previdência.

Vale para a Previdência Social a velha máxima: o crescimento econômico não é solução para tudo, mas sem ele não há solução para nada.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.

E-mail: [email protected]

Twitter: @paulonbjr

 

Paulo Nogueira Batista Jr.

Paulo Nogueira Batista é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021. E-mail: [email protected] X: @paulonbjr Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br Portal: www.nogueirabatista.com.br

3 Comentários

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  1. Realmente, parece que precisamos defender o óbvio ululante.

    Pode ser falha minha, não estou vendo ser enfatizada uma dessas questões óbvias, que me parece indiscutível. Pelo contrário, parece estar sendo deixada de lado. Lembro de Nassif ter tocado no assunto, mas não encontrei a publicação: a “reforma” (desmanche) da Previdência é mais uma “tacada”.
    Poderíamos chamar essa “tacada” de golpe chileno na Previdência, liderado por Paulo Guedes e Bolsonaro.

    O objetivo deles é a privatização, a transferência dos trabalhadores do sistema público para a previdência privada. Os empregadores vão empurrar todos os trabalhadores de imediato para a previdência privada, já que isso os isenta de pagar as contribuições. Bresser Pereira já alertou para o fato de que uma das consequências da “reforma” é reduzir encargos trabalhistas “às custas do aumento do desemprego de todos aqueles que já estiverem empregados no dia em que essa emenda eventualmente entrar em vigor.”

    Se a “reforma” empurrar 25% dos trabalhadores para a previdência, podemos considerar que o golpe chileno fracassou, mas isso significa que quase R$ 100 bilhões serão DESVIADOS dos cofres públicos (arrecadação da previdência) para bancos e financeiras (Paulo Guedes ainda é dono de uma financeira?).
    Isso, por ano: a arrecadação da Previdência em 2018 foi de R$ 391,2 bilhões. 25% disso dá R$ 97,8 bilhões.

    As despesas da Previdência com aposentadoria, pensões vão continuar exatamente iguais, no curto e médio prazo. Mesmo os auxílios (maternidade, doença, acidente) só vão se reduzir com o tempo.
    Ou seja: as receitas de arrecadação vão ser desviadas para os bancos e as financeiras. As despesas ficam com o poder público.
    Ah, e quando os trabalhadores que forem empurrados para a previdência privada se aposentarem, o poder público vai ter que gastar mais dinheiro para complementar o valor: Como no Chile, onde a média das aposentadorias é de 35% do salário mínimo.

    O que significa que será a necessário aumentar impostos ou retirar dinheiro de outras áreas, agora e no futuro, para cobrir o rombo causado pelo golpe chileno na Previdência.

    https://www.diariodocentrodomundo.com.br/reforma-da-previdencia-uma-mentira-e-um-erro-na-proposta-de-paulo-guedes-por-bresser-pereira/

    http://www.previdencia.gov.br/2019/01/previdencia-social-teve-deficit-de-r-1952-bilhoes-em-2018/

  2. Preocupado com a receita? Veja só, o Brasil não se preocupa sequer com suas fronteiras. A fiscalização aduaneira em qualquer país existe para proteger a sua economia, arrecadar não é seu objetivo. Assim, países desenvolvidos possuem grande números de fiscais aduaneiros: No minúsculo Japão são 8 mil, na França são 20 mil, nos EUA são 80 mil (sem falar que uma das fronteiras é com o Canadá). E no Brasil com seus 10 mil km de fronteira terrestre e 15 de mil de fronteiras marítimas? Temos o inacreditável número de…3 mil aduaneiros! Sim, eu disse TRES MIL servidores e percebam, não estão todos conferindo passageiros e cargas, isto inclui todas as atividades, inclusive as atividades-meio.
    Quer comparar por locais? O Porto de Gênova na Itália, de mesmo porte do Porto de Santos possui 2 mil fiscais. O Porto de Santos não chega a 200. O Porto de Rotterdam possui 4 mil fiscais.
    O resultado? Basta dar um passeio pela 25 de março.

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