Reforma política: de Borges a Dilma

Jornal GGN – O Nobel Jorge Luis Borges, considerado pensador de direita, saía de um Café em Buenos Aires quando foi surpreendido por uma manifestação popular contra o governo. Ao vê-lo, militantes gritavam: Morra, Borges! Impávido, ele esperou cessarem as palavras de ordem e disse: Lamento, Borges é imortal! E seguiu tranquilamente guiado por Maria Kodama.

Poderá repetir Borges o presidente brasileiro que conseguir promover a Reforma Política que o País exige. Semana passada os movimentos sociais ganharam as ruas, ignoraram seus representantes políticos e reivindicaram ao Governo melhor mobilidade urbana, educação, saúde e o fim das PECs 33 e 37. A presidenta Dilma sensibilizada, formou cadeia nacional de rádio e TV e, demonstrando sua preocupação em atender as vozes das ruas, anunciou a adoção de medidas administrativas e a solução para a reforma política discutida no Legislativo há 20 anos! Ouviu governadores, prefeitos, senadores, deputados e representantes da sociedade civil. Da OAB, da CNBB e do MCCE recebeu uma proposta de reforma a ser realizada por lei ordinária com pontuais alterações e acréscimos às Leis dos Partidos Políticos e Eleitoral, sem as complexidades do processo legislativo para as PECs.

 A matéria é polêmica, todos sabem, e a solução não é fácil de ser encontrada. No âmbito de uma Constituição de conteúdo parlamentarista, que adota forma de governo diversa, impondo lamentável “presidencialismo de coalizão” para assegurar a governabilidade, a presidenta Dilma se coloca como a estadista da grande Nação que somos. Na Chefia do Estado assumiu a responsabilidade de intermediar o conflito entre um Parlamento que não legisla – milhares de vetos e de projetos aguardam deliberação – e a sociedade sequiosa de reformas estruturais, reveladoras da crise da representação política de há muito instalada, e que, agora, explodiu em passeatas e manifestações nas redes sociais. No seu auge foi aventada a possibilidade de uma Constituinte específica, de pronto rejeitada pela técnica jurídico-formal e pelos riscos políticos que poderia ensejar. Mas a ideia serviu para que setores da sociedade se manifestassem e fossem indicados outros condutos. Ao plebiscito foi oposta a dificuldade de se responder com um mero sim ou não, e o referendo também foi impugnado por consumir muito tempo e alto custo.

Estão as lideranças políticas cientes da rejeição das massas, mas receiam pelas eleições de 2014. Se a pesquisa do Datafolha mostrou uma queda de popularidade da Presidenta, imagine-se o índice a que teria sido lançada a nossa representação congressual se, acaso, constasse da pesquisa a sua avaliação. É certo que, se tivesse sido instituído, no Brasil, em 88, o regime parlamentarista já teria experimentado a queda de mais de um gabinete…, mas é possível que não tivéssemos chegado à crise ora vivenciada.

Nossa história registra momentos em que presidentes da República com prestígio popular capitularam ante a força de uma representação parlamentar dissociada da sua base! Reforma política é assunto de décadas, sem interesse daqueles que se sentem ameaçados! E nenhum presidente pode realizá-las democraticamente sem apoio do Parlamento. Se este tangencia, o povo se manifesta diretamente, como ora acontece.

No presente caso, a condução do processo haverá de ser cautelosa, pois os oportunistas não tardarão em atribuir interesses golpistas da Presidente, como já o fizeram no passado… Da sua alta magistratura, a Presidenta que, nos anos de chumbo não renunciou aos seus ideais democráticos, naturalmente, há de se manter ciosa dos deveres constitucionais que lhe competem como Chefe de Governo e de Estado, legitimada a aproximar o Parlamento da sociedade e para que, conjuntamente, realizem a grande tarefa que as massas exigem.

A Presidenta, com a sua autoridade, há de conduzir e até mesmo concluir esta fase do processo democrático iniciado com a Constituição vigente.

(*Augusto Aras, 54, Professor Doutor da Faculdade de Direito da UnB, Subprocurador-Geral da República, membro do Conselho Superior do MPF, membro-consultor da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do CFOAB).

 

Redação

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