Transporte público e porque esta também é uma questão feminista

Ontem foi uma tarde tensa. A filha demorou mais do que o de costume pra chegar em casa – volta de ônibus da escola, num sistema de me avisar por mensagem quando está saindo de lá pra cá. Controladora? Não, me esforço pra libertar e liberar com orientação, mas confesso: alumas situações corriqueiras me causam tremendo pavor dada a exposição da figura aos reais perigos da vida.

Mãe de menina sofre nestes casos. Não que os meninos estejam salvos de assaltos e infortúnios da vida pública, mas às mocinhas é reservada toda sorte de elogios abusivos durante o trajeto. A minha, ontem, comentou: “descendo a rua, um cara me parou, pedindo uma informação. Parei, é claro, educação diz pra não ignorar quando alguém te pergunta algo. Ele queria saber que nota eu dava pro beijo dele. Não entendi o que ele disse e ele veio chegando mais perto. Percebi que coisa boa não era e saí, andando mais depressa e torcendo pra encontrar alguém conhecido na rua”. Paradoxalmente, moramos em um endereço onde a vizinhança se conhece, desde o caixa da farmácia até os taxistas do ponto – parece seguro andar por aqui.

“Ah, Matê, isso não é nada”. Acontece que é, sim. Uma moça não poder andar mais de três quarteirões sem ser chamada, invadida e abusada mesmo que verbalmente é bastante coisa – especialmente pra quem é mulher e, creio eu, mãe de mulher.

Você já ouviu falar dos vagões exclusivos para mulheres em trens e metrôs? E dos grupos de encoxadores, isso mesmo, encoxadores que têm como meta e porpósito estar nos ônibus, metrôs e trens e fotografar o ato de prensar e esfregar o corpo contra o do maior número de mulheres possível. Ainda acha que é controle e encanação da minha cabeça?

A orientação que dou, com certas dores, é pra que esteja atenta, seja segura e saiba que pode pedir ajuda sem se expor, quando na dúvida. Dentro do ônibus, explico que ela pode ir até o cobrador e puxar assunto, seja sobre o trânsito seja sobre a parada indicada. Na hora de descer, caso se sinta ameaçada, que desça em um local movimentado e entre numa padaria ou qualquer outro estabelecimento comercial e me ligue. Na rua, digo pra andar firme, de preferência pelo mesmo caminho, e que cumprimente as pessoas que ali estão – de porteiros de prédios a andadores de cachorros, confio na rede de proteção disponível nas ruas e creio que este laços momentâneos nos cuidem, de certa forma. E, Deus nos livre e guarde, se acontecer algo muito diferente do previsto, que ela grite. Grite muito, grite FOGO, que é pra chamar atenção de alguém que correria caso ela gritasse SOCORRO.

Oriento e torço muito, muito mesmo, pra que ela não seja parte da triste e numerosa estatística da violência urbana contra mulheres.

Em tempos de pedidos da população por reformas políticas, deixo o meu desejo estampado aqui: que cuidemos dos nosso espaços e transportes públicos assim como cuidamos de nossas preciosidades privadas. A vida só pode melhorar se for assim.

Mariana A. Nassif

2 Comentários

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  1. buenosse entonces um

    buenos

    se entonces um transporte público finlandês aonde todos viajam sentadinhos confortáveis climatizados wi-filogados sem sufoco sem barulho sem lotação e correria no preciso horário de pico… tudo resolvido tudo bem tudo na santa paz – na viagem urbana passageira agradável civilizada da cidadania, a finlandesa.

  2. Matê,
     
    Parabéns pelo seu

    Matê,

     

    Parabéns pelo seu blog, recém descoberto (e compartilhado).

     

    (ainda que eu ache que a podridão é os humanos e tudinho relacionado a eles – qualquer gesto, cultura, história, exemplo que não seja PODRE apenas será a excessão que confirma a regra).

     

    Obrigado,

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