Uma sentença muito além da imaginação, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Do ponto de vista jurídico a sentença em questão pode ser considerada teratológica, pois o fundamento dado para a condenação do réu configura crime.

Uma sentença muito além da imaginação

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ao proferir sentença, uma juíza paranaense afirmou que o réu “seguramente” íntegra o grupo criminoso “em razão de sua raça”.

É fato: o racismo deixou de ser apenas estrutural. Agora ele se tornou estruturante, um verdadeiro objeto de culto jurisprudencial. A legitimação do fascismo/rascismo emergiu como uma nova.alternativa à antiga legalidade que impedia/criminalizava a discriminação racial.

Hannah Arendt estudou a inversão do preceito moral provocada pela legalidade nazista. No Brasil a imoralidade fascista/racista está esvaziando a eficácia do sistema legal. O resultado será semelhante: a substituição da Justiça/civilidade pela violência/barbárie.

Do ponto de vista jurídico a sentença em questão pode ser considerada teratológica, pois o fundamento dado para a condenação do réu configura crime. Em tese, a condenação do réu-vítima de racismo pode até ser considerada nula, ineficaz e inexistente mediante Habeas Corpus. Ele também pode apelar, mas nesse caso a sentença seria considerada plausível e não uma aberração jurídica.

Esse documento, que não tem valor condenatório em razão da juíza ter se colocado totalmente fora dos limites da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência, é uma prova da infração funcional e do crime eventualmente consumado. A autora do texto racista não cometeu apenas um deslize.

Não devemos supor que essa juíza expressou uma crença pessoal. Ao prolatar a sentença fazendo constar a observação racista ela tinha condições de imaginar que o texto provocaria grande comoção dentro e fora do Brasil. A condenação do réu não teria sido escrita sob inspiração de Cesare Lombroso e Nina Rodrigues se a magistrada não tivesse razoável certeza de que ficará impune.

Bastou o golpe de 2016 remover um pilar do sistema constitucional (a soberania popular) e todo edifício da civilização brasileira começou a vir abaixo. Esse ataque judiciário ao princípio da igualdade perante a Lei e à proibição do racismo abre de vez a porta do inferno.

Toda condenação judiciária tem efeitos jurídicos e extra jurídicos. A sentença legitima o emprego de coação: o Estado pode usar a força bruta para obrigar o réu a cumprir a pena. Aos olhos da sociedade o condenado se torna um cidadão sem honra: ele adquire um estigma que o acompanhará até mesmo depois que a pena tenha sido cumprida.

No caso específico dessa sentença, o réu perdeu algo mais: sua humanidade e o direito de não ser hostilizado racialmente. Portanto, indiretamente essa juíza legitimou qualquer tipo de violência motivada em preconceitos raciais. Em razão da gravidade dos efeitos extra jurídicos de sua sentença, ela deve ser imediatamente afastada do cargo.

Fábio de Oliveira Ribeiro

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Maior problema do Brasil não é a corrupção, como muitos pensam, é o racismo…
    o fato de ter aparecido em uma sentença é apenas o sintoma de uma aberração que a todos vem contaminando, incluindo aí, e principalmente, a própria população, racista de raiz, de berço

    na minha opinião, é para o bem da sociedade que ela deve ser afastada

    não estaríamos afastando apenas o sintoma, mas também aquilo que provoca o sintoma

    Já é tempo de cortar o racismo pela raiz

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador