O debate sobre censura na internet – III

Do Brasilianas.org

Debate Brasilianas.org: Censura na Internet III

Por Bruno de Pierro, Dayana Aquino, Lilian Milena, Luiz Henrique Mendes e Wilian Miron 
Da Agência Dinheiro Vivo

Na terceira parte do Debate Brasilianas.org: Censura na Internet, a equipe do Brasilianas.org conversou com o sociólogo Sérgio Amadeu e o advogado Marcel Leonardi sobre a chamada Lei do Cabo, que estabelece novas regras para a oferta de TV por assinatura, tema de intensos debates devido a entrada das teles no mercado de TV paga.

Ainda na conversa, Amadeu e Leonardi falaram sobre o Creative Commons e a recente polêmica envolvendo o Ministério da Cultura, que retirou a licensa de seu site. “Quando a ministra [Ana de Holanda, da Cultura] entra e tira [o símbolo do Creative Commons do site do MinC] e põe aquela frase, “você pode copiar desde que citada a fonte”, ela está dizendo que eu posso copiar, mas ela está dizendo que eu posso remixar?”, indaga Amadeu.

OpapO papel da internet na construção do conhecimento, invertendo “o ecossistema de comunicação”, o Plano Nacional de Bandar Larga e a inclusão digital também pautam esta terceira parte do Debate Brasilianas.org: Censura na Internet

Para ler a primeira parte, clique aqui. Para conferir a segunda parte da entrevista, clique aquiAbaixo, acompanhe a terceira parte do Debate Brasilianas.org: Censura na Internet

Brasilianas.org – Quando fala que todo mundo está indo para os meios digitais, Sérgio, você está falando em perda de audiência, por exemplo, da televisão ou do jornal impresso para a internet?

Sérgio Amadeu – Não. Além de ter essa perda de audiência efetiva, constatável, falo também que todo mundo está se tornando digital. A TV tradicional usará, cada vez mais, o IP, para fazer suas transmissões e cairá no mundo da rede, com tecnologia diferente, onde o controlador da infraestrutura poderá, ele mesmo, montar outra empresa e ganhar participação acionária e criar, por exemplo, o Portal Terra.

Entra aí a PL 116/2010, projeto que estabelece regras de oferta de TV por assinatura?

Sérgio Amadeu – Sim, porque querem evitar esse processo de convergência com medidas legais.

Mas além da ABES e da ABERT, tem muito mais gente que se posiciona contra o novo marco da TV paga, como a ABTA que diz que prefere aprovar a entrada das teles, mas discutir judicialmente depois.

Sérgio Amadeu – Mas o que está em jogo?

Interesses econômicos.

Sérgio Amadeu – Uma tenta de evitar que outro entre, ou de pelo menos atrasar a entrada do outro concorrente. Temos um problema de interesse econômico, sim.

Acho que tem que haver concessão pública para utilização dos sinais rádio elétricos ou eletromagnéticos, porque na internet é o seguinte: se não gostei de um portal, posso fazer um sem pedir autorização. Agora eu posso chegar amanhã e abrir um canal de TV?

Gostaria que falassem um pouco sobre a proposta do Creative Commons [CC] e as discussões de proteção do direito autoral.

Marcel Leonardi – A Lei Autoral brasileira tem o artigo 30 que fala que o titular dos direitos autorais, no exercício do direito de reprodução, tem a faculdade de liberar a reprodução, que foi exatamente o que o Ministério da Cultura fez com a nova redação.

A diferença fundamental do que a Lei Autoral permite versus o Creative Commons é que esse último tem uma preocupação muito mais direta, voltada para liberar à sociedade um determinado recurso intelectual, ao passo que a Lei Autoral reserva o direito do titular dos direitos autorais.

No Creative Commons você não volta atrás. Se você diz que está em Creative Commons, mesmo que depois mude de idéia, quem obteve a obra no momento em que era CC, continua com o direito de continuar redistribuindo, mesmo contra sua própria vontade.

Se eu mudar de idéia no meio do caminho, não disponibilizo mais, e não é porque você chegou antes que pode continuar disponibilizando o que eu criei. Tem que respeitar a minha vontade, porque eu sou o titular dos direitos autorais. Isso para quem está do lado do autor é ótimo, a Lei brasileira é melhor que o Creative Commons, nesse sentido. Mas para quem está preocupado com os aspectos de disseminação de conhecimento acha isso péssimo.

Do ponto de vista do debate público, a nova orientação do Ministério da Cultura, de tirar o CC de sua página na Internet, muda completamente?

Sérgio Amadeu – Estive no começo do plano, quando o [ex-ministro da Cultura, Gilberto] Gil estava lá na montagem dessa linha. Assumi o CC, e nós dizíamos que tudo que é público, conteúdo do estado, é público e é de utilidade pública, de domínio público. A rigor não precisa de licença nenhuma. Só que fica uma confusão. Por essa Lei, não só brasileira, mas de vários outros países, quando não digo expressamente que você pode copiar, prevalece a interpretação dura do direito autoral.

Então a gente quer incentivar que os pontos de cultura subam conteúdos e que outros pontos de cultura possam remixar conteúdos, recombinar, com garantias jurídicas claras e aí vamos botar uma Lei, não só no site, mas incentivar o CC. Porque o CC está pronto e traduzido em português pela FGV e adequado a nossa legislação.

Quando a ministra [Ana de Holanda, da Cultura] entra e tira [o símbolo do Creative Commons do site do MinC] e põe aquela frase, “você pode copiar desde que citada a fonte”, ela está dizendo que eu posso copiar, mas ela está dizendo que eu posso remixar? Que tipo de garantia eu tenho? Ela mudou a orientação política e cultural em relação à distribuição e produção de bens culturais. Ela mudou a linha do governo anterior, do presidente Lula. Depois que isso aconteceu, a primeira coisa que fiz foi entrar no Blog do Planalto, vi lá a licença CC. Então, não é o Ministério do Desenvolvimento, é a Presidência da República que tem uma orientação. E a ministra Ana de Holanda mudou e tirou a orientação.

Alguns defensores da ministra dizem não admitir que o estado brasileiro faça a promoção de uma ONG norte-americana. Então a ministra deveria também tirar o símbolo do WordPress do site – faça um site com códigos nacionais, usando linguagem nacional. Sinceramente, esse argumento nacionalista que entrou no debate agora é ridículo.

Marcel Leonardi – Eu gosto de chamar de direitos intelectuais para não dar conotação de propriedade. O pessoal radical, do lado contrário, querendo forçar a posição autoralista em exagero, criou uma teoria da conspiração que é uma coisa ridícula, que as grandes empresas do grande setor de internet, Google, Yahoo, Microsoft, etc., teriam interesse em manter o CC porque essas empresas precisam de conteúdo livre para ser indexado, para gerar receita publicitária. Nossa, será que é isso?

Sérgio Amadeu – Tão absurdo quanto imaginar que a Wikipédia é uma conspiração do governo americano para acabar com a enciclopédia britânica, e não tenho dúvidas que para comer empregos da Barsa.

Você tem um conteúdo e passa a ter uma quebra de limite entre autor e público, leitor e cultura, quem faz e quem recebe informação. Só que existe a discussão da qualidade da informação, especificando, aí, a informação jornalística. Quando você passa a ter um grupo que passa a ser a fonte, pergunta-se qual informação é certa e qual não é.

Sérgio Amadeu – A internet inverte o ecossistema de comunicação de maneira muito forte, porque é uma rede distribuída, não tem centro obrigatório, apesar de reconhecer que a maioria das pessoas entra em alguns sites, os mesmos de sempre, mas não são obrigadas a entrar sempre nos mesmos, e elas usam muitas coisas que tem grande influência. Ninguém é obrigado a nada, a quantidade de opções é gigantesca, um absurdo. O que acontece é que a internet coloca o paradigma que você não tem dificuldade de criar, de postar, de expor, você tem dificuldade de ser visto, de ser ouvido. É bem diferente.

Vou dar um exemplo; a Lei Eleitoral da eleição de prefeito, de 2008. Os caras soltaram uma legislação e no release do TSE estava tudo uma maravilha. Eu baixei o arquivo e li a lei e vi que estavam proibindo as redes sociais etc. E a imprensa toda tinha dado o release dos caras. Eu peguei e dei tudo no meu blog, um monte de jornalista leu, voltaram atrás e até citaram o blog. Eu tirei o assunto.

Começa a existir uma série de blogs e sites que disputam aquilo que era diminuto antes. Tinha certa escassez de canal; para montar um jornal, antes tinha que ter muito capital para transpor a barreira da logística e etc. Hoje temos uma inversão, boa, do ponto de vista da informação, da democracia. Gosto muito do que o professor Blankley diz: em relação a radio, jornal e TV, a internet aumentou o poder de comunicação do indivíduo. Em segundo lugar, comparando com rádio, jornal e televisão, a internet aumentou a possibilidade de articular coletivamente. Terceiro, e aí que é controverso, segundo ele, as possibilidades de ação fora do mercado, Wikipédia, etc.

Daí surge a razão de ser tão difícil a inclusão digital? Porque existe toda uma questão que desfavoreceria a produção e propagação de conhecimento?

Sérgio Amadeu – Não acho que seja por isso. Acho que é outro problema. A questão, primeiro da qualidade, você nunca teve tantas coisas e com tanta qualidade e nunca teve tantas coisas tão ruins juntas. Discordo quando dizem que a qualidade diminuiu, porque nunca tivemos materiais com tanta qualidade. Mas a produção é tão vasta que tem muita coisa ruim. Por isso nunca foi tão necessária a orientação.

Não concordo quando uma pessoa diz que a educação é ruim no Brasil, porque os governantes não querem que a população estude, porque daí ela vai saber os seus direitos. Pode ter um ou outro coronel que pense assim. Mas os governantes querem que sua população estude, tentam fazer isso, mas como aparece uma ponte, ou outro grande contrato, eles tendem a não priorizar a educação. É mais por equívocos no processo de ensino, por descontinuidade de políticas. No caso da banda larga, da internet, da inclusão digital, as grandes empresas de tecnologia querem que as pessoas comprem tecnologia, querem ampliar o mercado. E muito do que a gente defende de inclusão digital vem de interesse dessas empresas, agora, por outro lado, nós sabemos que se não tivermos banda larga, teremos comunidades desconectadas, onde a informação é cada vez mais estratégica para o bem estar da economia.

O Lula, quando entra no governo há oito anos, não tinha essa questão clara e apostou tudo naquilo que veio para fazer, que era garantir comida para populações em estado de miséria. Daí ele começou a perceber outras prioridades, como a inclusão digital. Tinham mais ou menos uns 25 projetos de inclusão social e nenhum de infra-estrutura. Uma hora ele percebeu que não andava porque não tinha fio. Por outro lado, ele percebe isso tarde e começa a fazer o Plano Nacional de Banda Larga, e esse plano é fundamental e estratégico.

O governo e as empresas querem que a população tenha acesso, só que as operadoras de telefonia não querem do jeito que nós queremos, por isso que elas nunca forçaram o governo, que não fosse para pagar para elas fazerem a infraestrutura no preço que queriam. Não entendo uma coisa, por exemplo, se eu compro uma garrafa de coca-cola de dois litros abro em casa jogo no copo e vejo que não dá nem meio copo, vou ao PROCON e detono a coca-cola, porque deu dez por cento da minha garrafa. Agora por que as operadoras, no contrato pago por 1 mega, podem dar 100 k, ou 10%? Por que isso é legal?

Esse modelo de negócio é estranho e o governo fez uma coisa que países capitalistas históricos fazem que é abrir uma companhia para competir no mercado. A banda larga não chegou ao Nordeste, não é porque alguém impediu a Telefônica de levar, mas sim porque a Telefônica não quis levar, porque ali não há renda para pagar o preço que querem vender.

Marcel Leonardi – Esse é um setor, até pelo tamanho do Brasil, que sempre vai exigir um investimento muito elevado, e aí, usa-se o mantra do investimento muito elevado. Então a idéia de criar uma empresa pública é pela competitividade.

Sérgio Amadeu – Fui ao debate da Carta Capital sobre banda larga, lá no Rio, e fiquei impressionado, porque o presidente da Telefônica não responde o que a gente quer. Uma hora perguntei: se tirarmos todos os impostos, eles vendem a R$ 29 reais? Daí eu mostrei a empresa da Inglaterra, a O2, 6 pounds, não é 256 k por 6 pounds, são 20 megas por 6 pounds, e lá pagam passagem. Perguntei ao presidente da Telefônica: “Então, [Antônio Carlos] Valente, lá na Inglaterra, R$ 21 no Brasil, devem pagar imposto também, aqui não, e com o fuste, a R$ 29, 256k? E ele não responde.

O governo entrou atrasado, sim, mas não porque não quer que as pessoas se conectem, ao contrário, percebeu que se atrasou. Estamos numa pinimba, esse negócio de 556 k ou 216, 600k, se eu vou iluminar uma rede, por que não ilumino para ceder dois megas no mínimo? As aplicações estão cada vez mais saindo na web para maior densidade.

Então será que pelo fato de termos tanta coisa boa e tanta coisa ruim, ou seja, a pluralidade de visões, será que isso não seria a coisa boa?

Marcel Lombardi – Dá para perceber pontos positivos tanto no pessoal, que é muito crítico, quanto entre os entusiastas e os dois erram em boa parte. O que dá para perceber é basicamente isso, o Jürgen Habermas, professor alemão famosíssimo, se revoltou uma vez dizendo que o problema da internet era que ela dissipava a voz da autoridade no sentido de que às vezes o coletivo gera uma tirania que não é mentira. Às vezes, por exemplo, se tudo mundo que atualiza uma página no Wikipédia acredita em determinada versão, mesmo que chegue um especialista e contraponha, se ele não conseguir provar e criar sua própria reputação ali dentro, prevalece a versão da coletividade em detrimento do que o especialista poderia indicar.

Em relação ao jornalismo, penso que o papel dos jornais, da mídia tradicional, deveria começar a repensar em não tentar competir com a internet, em termos de velocidade. Notícia definida no contexto de aconteceu tal fato, é commodity, qualquer um pode dar uma notícia hoje. Ao noticiar que algo aconteceu, a internet permite com uma velocidade que nunca a imprensa tradicional vai ter. Qual é o papel que acredito que deveriam ter, mas ainda não tem, é fornecer o que falta hoje. Os sites são desenhados sabendo que as pessoas não vão ler a notícia até o final, com citações mais importantes em destaque no início do texto. A imprensa tem o papel de fazer uma análise mais aprofundada, aproveitar o tempo off-line, passou uma semana alguém vai querer ler uma retrospectiva disso e entender todos os fatos, até uma opinião crítica, e artigos. Esse imediatismo é o caminho errado, e nessa falta de controle você percebe os riscos de todo mundo começar a divulgar rumores e boatos que tomam proporções gigantescas.

Sérgio Amadeu – Preciso de uma empresa de comunicação que faça uma apuração de coisas, mesmo no Egito, que tenham como fonte essas redes sociais, e vá atrás da informação. Eu preciso de reportagem.

A gente pode recorrer, então, à seguinte idéia: a internet tem uma estrutura que remonta à questão da filosofia, da dialética: você tem várias argumentações e com base nelas você pode desenvolver uma contra-argumentação, aquilo então resulta num novo conhecimento. Esse seria o novo papel do jornalismo?

Marcel Leonardi – Sim.

Sérgio Amadeu – O jornalista vai ter uma grande dificuldade. Porque a internet permite, além de você fazer a informação, de articular pessoas. Por isso estamos vendo cada vez mais redes enfrentando redes. Um exemplo é o navio que foi até a Palestina sem autorização do exército de Israel, entrou em água territorial da Faixa de Gaza, mas queriam mostrar que a população está sob cerco. O pessoal filmou e colocou no YouTube o exército atacando. Por sua vez, o exército de Israel filmou a versão deles e colocou no YouTube, e os sionistas ficaram fazendo divulgação positiva a partir disso.

A pergunta que surge é, como um veículo de comunicação vai se portar frente a isso? Uma empresa [de comunicação] tem que saber que a informação que vai me dar não é mais aquela que ele unicamente tem acesso direto, agora eu também tenho acesso direto. Ela tem que fazer apuração onde as redes não fazem, tem que fazer reportagem.

Não perguntaram para o Estado Americano sobre a questão do Wikileaks, primeiro, se a máfia russa é menos agressiva e criminosa que o Julian Assange, porque ele teve um nível de procura pela Interpol muito maior que a máfia russa. E segundo, por que não desmentem as imagens que foram colocadas dos documentos de guerra? É verdade ou não?

Marcel Leonardi – Antes, independente de quem fosse a mídia ou interesse do jornal, a contestação mesmo de especialistas do setor não aparecia, hoje sai uma reportagem qualquer, seja qual for o tamanho do veículo, falam com fontes relacionadas. 

Luis Nassif

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